Os fundos internacionais de investimento privado já lucraram com um problema que não pode ser reduzido a mera especulação: o aumento dos preços dos alimentos e a escassez mundial, dada a guerra na Ucrânia, explica Éric Toussaint, porta-voz da rede internacional do Comitê para a Abolição das Dívidas Ilegítimas (CADTM).
Em uma entrevista com La Jornada, ele diz que, no início, o aumento dos preços internacionais dos grãos [pt: cereais] foi «mera especulação, porque a produção e o fornecimento através da Ucrânia e da Rússia não param de um dia para o outro», mas os preços nos mercados de futuros subiram imediatamente.
Em fevereiro-março de 2022, o aumento dos preços dos grãos foi especulativo, porque a produção e fornecimento através da Ucrânia e da Rússia não param de um dia para o outro
«A produção de grãos é sazonal, as colheitas não foram destruídas, foi apenas especulação, mas agora certamente, após meses de guerra e sanções, haverá um problema real de abastecimento para países que são altamente dependentes da Rússia e da Ucrânia», bem como riscos de inadimplência [pt: incumprimento] da dívida para economias que não exportam matérias-primas, acrescenta ele.
De acordo com dados da Bloomberg, as posições especulativas líquidas sobre o milho no mercado de futuros dos EUA começaram a aumentar em novembro do ano passado. Somente no mês recente, o preço do milho na Câmara de Comércio de Chicago, agora o Grupo CME, subiu 8,61 %; trigo, 4,87 %, e soja, 4,12 %.
Toussaint explica que parte do aumento dos preços globais dos alimentos foi desencadeado por investidores que compram estoques [pt: reservas] de produtos agrícolas, os retêm por algumas semanas ou meses, não abastecem o mercado e os vendem quando veem uma oportunidade de aumentar os lucros à medida que o preço sobe.
«Alguém já ganhou» com os preços mais altos dos alimentos, mas isso não significa que a escassez de alimentos e os custos mais altos dos alimentos para as famílias de baixa renda sejam mera especulação, «eles serão reais», diz o porta-voz do CADTM.
Os países produtores de matérias-primas como petróleo, gás, minerais, grãos [pt: cereais] ou outros produtos agrícolas podem ter mais condições de resistir à conjuntura e evitar o risco de inadimplência da dívida. Por exemplo, «a Venezuela, que tinha uma inadimplência parcial, está em melhor situação do que há três anos, devido ao preço do petróleo».
O problema é o modelo neoliberal, que leva os países a serem brutalmente afetados pelo aumento dos preços dos alimentos
Por outro lado, na Argentina – que, além de estar amarada às restrições financeiras impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tem poucas reservas em seu balanço – «talvez a situação vá ficar mais difícil»; logo nas primeiras semanas de março, explica Toussaint, houve uma primeira onda de especulação sobre o preço da farinha.
Além da guerra na Ucrânia, que provocou o aumento dos preços dos grãos, o porta-voz destacou que o problema é o «modelo neoliberal, que leva os países a serem brutalmente afetados pelo aumento dos preços dos alimentos», uma vez que promoveu a fragmentação da produção.
«O modelo neoliberal tem incentivado países de uma parte do Sul e países tropicais a deixar de produzir grãos, a se especializar em produtos agrícolas tropicais e a importar grãos, supostamente a preços baixos, das economias norte-americanas, da Rússia ou da Ucrânia.»
Fonte: La Jornada
Traduzido da versão francesa por Alain Geffrouais
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
es reportera en el área económica para el periódico mexicano La Jornada.