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Participação portuguesa na 2ª Universidade de Verão promovida pelo CADTM
por Rui Viana Pereira
6 de Julho de 2011

O Rossio Contra a Dívida é um grupo de trabalho criado em Maio de 2011 nas assembleias populares do Rossio de Lisboa.
O nosso objectivo é o estudo do problema da dívida soberana portuguesa, os meios de accionar a anulação de todas as suas parcelas injustas ou ilegítimas e o combate às medidas de austeridade daí resultantes.
(Ver contactos e referências de documentação na última página.)

Participámos na 2ª Universidade de Verão promovida pelo CADTM (Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo) durante o passado fim de semana na Bélgica. Este encontro internacional reuniu representantes de todo o Mundo em torno de temas comuns: a dívida soberana e a ilegitimidade de muitas das suas parcelas; a injustiça social resultante da transformação da dívida privada em dívida pública; os métodos e instrumentos para a anulação da dívida; a necessidade de construir uma Europa justa e solidária.
Constatámos o aflitivo estado de miséria e injustiça a que chegaram todos os países periféricos europeus, uns em fase mais adiantada que outros mas todos sofrendo o mesmo tipo uniforme de medidas, e trouxemos connosco a oferta de acções concretas de ajuda e solidariedade desses povos.

O CADTM e a Universidade de Verão

A 2ª Universidade de Verão decorreu de 1 a 3 de Julho na região de Namur, na Bélgica, por iniciativa do CADTM (Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo).

Recordemos que o CADTM trabalha há cerca de 20 anos sobre a questão da dívida dos países do Terceiro Mundo e é presidido por Eric Toussaint, que ainda há poucos dias (30-06-2011) deu em Lisboa o seminário «O que é a auditoria da dívida e como se faz», a convite do CES (Centro de Estudo Sociais), com intervenções de Boaventura Sousa-Santos, Eugénia Pires, José Gusmão, José Reis, Manuela Silva e Octávio Teixeira, entre outros.
Eric Toussaint participou na comissão de auditoria do Equador que levou à anulação de cerca de 70% da dívida externa do país.

Estiveram presentes na Universidade de Verão cerca de 300 representantes – activistas, economistas, sociólogos, politólogos, membros das igrejas e dos movimentos sociais – provenientes de todas as partes do mundo, com particular destaque para a Europa, América do Sul, Norte de África.

Portugal também esteve presente – através de um representante do Rossio Contra a Dívida e de um membro do M12M.

A situação nos países periféricos da Europa

Este ano, o destaque da Universidade de Verão foi para a situação na Europa, onde os povos da periferia se vêem empurrados para uma situação de espoliação, austeridade e delapidação do bem comum que até hoje parecia ser exclusiva dos países do Terceiro Mundo.

Os testemunhos pessoais, acompanhados de documentos escritos e vídeo, permitiram-nos apreender a que ponto as medidas de austeridade impostas pelos governos locais e pela Troika (FMI+Banco Central Europeu+Comissão Europeia), a coberto dos problemas criados por uma crise da dívida de duvidosa natureza e obscuros contornos, conduziu os povos periféricos a um estado de calamidade.

Já se tornou claro na consciência pública de alguns destes países europeus que estamos em presença de um autêntico golpe de estado levado a cabo pela finança privada. Um golpe de estado que impõe medidas selváticas de austeridade, que muda à força, sob ameaça, as constituições e a forma de governo desses países.

O que mais impressiona, o que mais deve contar no balanço da situação destes povos, não é a especulação teórica dos economistas, mas sim as imagens reais de exploração e miséria:

Em Atenas, famosa pela população errante de gatos e cães nas suas ruas, nem um animal à vista – a comunidade imigrante, acossada pela fome, deu-lhes fim. O desaparecimento dos gatos e cães das ruas de Atenas dá-nos a exacta medida da desumanidade das medidas impostas pela Troika.

Na Hungria, a privatização final dos sistemas de assistência e saúde deixou sem abrigo os indigentes e os idosos, que morrem agora de doença, frio e fome – na rua, à vista de toda a gente.

Estas, entre inúmeras outras imagens de horror, repressão brutal e miséria, são sinais do que nos espera ou do que está já em curso em Portugal – o Memorando da Troika assinado no nosso país em nada difere, no essencial, das medidas impostas nos restantes países.

A linha de trabalho do Rossio Contra a Dívida

Num primeiro balanço breve da nossa participação na Universidade de Verão do CADTM, damos conta:
• da necessidade urgente de informar e denunciar a situação catastrófica comum aos países periféricos da Europa; neste aspecto, os órgãos de comunicação social têm uma particular responsabilidade histórica;
• da solidariedade e cooperação na acção que os representantes dos outros países ofereceram à resistência portuguesa contra a aplicação das medidas de austeridade e pela anulação da dívida;
• da retribuição de solidariedade que esses povos nos pedem, para construirmos uma Europa justa e solidária;
• da evidência histórica de que a actual situação não é inelutável; existem alternativas à crise da dívida; é possível a suspensão e anulação total ou parcial da dívida, como já aconteceu em mais de 160 casos ao longo do último século de história;
• da existência de instrumentos sociais e legais, já suficientemente testados e experimentados noutros países, para lutarmos contra o reembolso das dívidas injustas.

Queremos deixar bem claro que, neste período de crise, nós não somos contra medidas de austeridade; pelo contrário, somos a favor da aplicação de fortes medidas de austeridade impostas àqueles que enriqueceram ilicitamente e com dolo, à custa da crise financeira que eles próprios criaram.

Animado por este encontro internacional, o Rossio Contra a Dívida continuará o trabalho que tem desenvolvido, pondo em marcha diversos instrumentos de luta contra a dívida ilegítima e suas consequências sociais e ambientais, nomeadamente através de uma auditoria cidadã e do apelo à consciencialização e mobilização popular.
Estamos à disposição dos órgãos de comunicação social para fornecer dados e informações sobre a actual situação nos países periféricos da Europa, os instrumentos de auditoria independente e as alternativa viáveis às medidas da Troika. Temos em preparação a breve trecho um conjunto de conferências e iniciativas de esclarecimento e acção, das quais será dada notícia em tempo oportuno.

Lisboa, 04-Julho-2011,
Rossio Contra a Dívida

Site de documentação do Rossio contra a Dívida (em desenvolvimento): https://we.riseup.net/rossiodivida


Rui Viana Pereira

revisor, tradutor e sonoplasta; co-autor de Quem Paga o Estado Social em Portugal? e de «E Se Houvesse Pleno Emprego?», in A Segurança Social É Sustentável (Bertrand, Lisboa, 2012 e 2013 respectivamente); co-fundador do CADPP.
Membro do grupo cívico Democracia & Dívida.