Ao longo de 2011, o movimento social e político rebelde reapareceu nas ruas e praças públicas nos quatro cantos do planeta. Tomou várias formas e lançou novos apelos: a primavera árabe, os indignados, o movimento Occupy Wall Street (OWS)… As principais regiões em causa são o Norte de África e o Médio Oriente (incluindo Israel), a Europa e a América do Norte. Embora nem todos os países dessas regiões tenham sido tocados pela vaga de mobilização e por novas formas de organização, toda a gente ouviu falar delas. Nos países em que não assumiu uma forma massiva, existem minorias activas que tentam implantar o movimento; os resultados variam de caso para caso[1]. No hemisfério sul do planeta, em 2011, apenas o Chile viveu um movimento semelhante ao dos Indignados[2].
Resumindo por alto a acção do chamado movimento antiglobalização (ou altermundialista) ao longo dos últimos decénios, podemos distinguir diversas fases na evolução da situação mundial.
Entre 1999 e 2005, diante de um aprofundamento da ofensiva neoliberal nos países do Norte, ocorreram grandes mobilizações contra a OMC (Seattle, nos EUA, novembro de 1999), o Banco Mundial, o FMI e os G8 (Washington em abril de 2000, Praga em setembro de 2000, Génova em julho de 2001). É neste quadro que nasce o Fórum Social Mundial em janeiro de 2001, em Porto Alegre, no Brasil. Nos anos seguintes, assistimos a um processo de extensão a vários continentes (América Latina, Europa, África, Ásia do Sul, América do Norte). Criam-se novas redes internacionais: Jubileu Sul (sobre a problemática da dívida), ATTAC (contra a ditadura dos mercados), Marcha Mundial das Mulheres, O Nosso Mundo Não Está à Venda… Reforçam-se também redes mais antigas (nascidas durante a primeira metade dos anos 1990): Via Campesina, CADTM (rede Norte/Sul focada na questão da dívida, do Banco Mundial e do FMI)… O movimento antiglobalização toma forma durante esta fase, essencialmente no quadro do Fórum Social Mundial.
|Etapas da criação do movimento antiglobalização
As mobilizações dos anos 1999-2000 foram preparadas por outras acções, entre as quais:
A mobilização contra os G7 em Paris em julho de 1989, por ocasião do bicentenário da Revolução Francesa, durante a qual foi adoptado o Apelo da Bastilha para a anulação da dívida do Terceiro Mundo (texto fundador do CADTM, ver http://www.cadtm.org/Appel-de-la-Bastille-pour-l);
A rebelião (neo) zapatista que irrompeu a 1 de janeiro de 1994 e teve um impacto internacional considerável durante vários anos, nomeadamente aquando do encontro internacional de Chiapas em 1996 intitulado de forma surrealista “Encontro intergaláctico em defesa da humanidade” (onde participaram diversos movimentos internacionais, entre os quais o CADTM).
Foi também em 1994 que teve lugar o 50º aniversário do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O acontecimento foi comemorado com um enorme ajuntamento contestatório em Madrid. Esta contestação viria a inspirar os franceses, que, durante a mobilização contra o G7 em Lyon em 1996, lançaram os colectivos “As outras vozes do planeta”. A iniciativa espanhola reuniu ONGs, o CADTM-Bélgica e movimentos como a “plataforma 0,7%” – na qual os jovens lutavam por que os seus países d 0,7% dedicassem o PIB à ajuda pública ao desenvolvimento –, e também sindicatos, movimentos feministas, movimentos ecologistas (Ecologistas en Accion). Já nessa contra-cimeira, uma série de movimentos que mais tarde se reencontrariam em Seattle em 1999, e depois em Porto Alegre em 2001, etc., associaram-se. Em 1997, em Amesterdão, por ocasião de uma contra-cimeira perante a União Europeia, as marchas europeias contra o desemprego tiveram um papel catalisador.
Ver CADTM, Les manifestes du possible, Syllepse-CADTM, Paris-Liège, 2004 http://www.cadtm.org/Les-Manifestes-du-possible |
Após 20 anos de domínio neoliberal em vários países da América do Sul, nascem lutas massivas, muitas delas coroadas de sucesso: guerra da água na Bolívia em 2000; o levantamento dos índios no Equador derrubou um presidente neoliberal (2000); em finais de 2001, a rebelião argentina derrubou o presidente neoliberal e abriu uma crise pré-revolucionária em dezembro de 2001 que prosseguiu em 2002; levantamento popular na Venezuela em abril de 2002 para repor Hugo Chávez na presidência após o seu derrubamento através de um golpe militar (11-13 de abril de 2002); guerra do gás na Bolívia em 2003, com o consequente derrubamento do presidente neoliberal pró-Washington; derrubamento do presidente neoliberal pró-americano no Equador em 2005… No meio de todas estas mobilizações, surgem governos que se afastam parcialmente do neoliberalismo e se opõem ao domínio dos EUA, encetando reformas políticas e reinstaurando em parte o controlo público sobre os recursos naturais (Venezuela a partir de 1999, Bolívia em 2006, Equador em 2007)[3]. Sob pressão popular, o governo argentino, que não tem uma origem de Esquerda, aplica medidas heterodoxas que, contrastando com o curso seguido pelo governo brasileiro do PT no Brasil ou da Frente Ampla no Uruguai, prolonga a política dos seus predecessores neoliberais juntando-lhe uma dose considerável de “assistencialismo” que melhora a situação das camadas mais pobres e consolida a sua base eleitoral. A zona de comércio livre para as Américas pretendida por Washington é abandonada em 2005 graças à oposição da maioria dos governos da América do Sul e à mobilização social.
Entretanto, em 11 de setembro de 2001 nasce uma nova ofensiva bélica dos EUA no Iraque e no Afeganistão, com forte cheiro de petróleo e reforço do poderio militar norte-americano. Esta ofensiva vai de par com a restrição das liberdades democráticas, em particular nos EUA e na Grã-Bretanha. O pretexto natural é a luta contra o terrorismo. Perante o endurecimento imperial, o movimento antiglobalista consegue realizar a maior marcha contra a guerra da história (12 a 13 milhões de manifestantes desfilaram nos quatro cantos do planeta em fevereiro de 2003), mas porém sem conseguir impedir a invasão do Iraque um mês depois. O declínio do Fórum Social Mundial começa em 2005. Em causa estava a recusa do seu conselho internacional de fazer evoluir um fórum de encontro e troca de ideias para um meio democrático e aberto de reunião para a acção. Juntou-se a isto a institucionalização do processo, dominado por ONGs e por líderes de movimentos sociais alinhados com governos liberais (sobretudo o governo de Lula no Brasil e de Prodi na Itália).
A partir de 2004, à escala internacional, deixa de haver grandes mobilizações à escala internacional contra o FMI, o Banco Mundial, o G8, a NATO, a OMC, os imperialistas. O movimento antiglobalização entra começa manifestamente a decair, mesmo considerando o sucesso alcançado pelas edições do Fórum Social Mundial em 2009, em Belém (Brasil), e em menor medida em Dacar em Fevereiro de 2001.
Em 2005, com a adopção antidemocrática do tratado constitucional, as classes dominantes europeias e os governos no poder reforçam a orientação capitalista neoliberal da integração europeia no quadro da UE e da zona euro, que se estende progressivamente a 17 países. Os países capitalistas mais industrializados, assim bem como a China e os países exportadores de matérias-primas, parecem de boa saudáveis. As classes dominantes prosseguem a sua ofensiva reforçando a precariedade do trabalho, no entanto o consumo é mantido principalmente graças às compras a crédito e à bolha imobiliária, que produzem uma falsa impressão de riqueza e de bem-estar em muitos países (EUA, Reino Unido, Espanha, Irlanda, Grécia, diversos países da Europa Central membros da União Europeia). Por outro lado, os efeitos perceptíveis das mudanças climáticas em curso começam a provocar uma crise de consciência a propósito do capitalismo produtivista.
[1] Na África Subsariana, houve mobilizações de estudantes no Burkina Faso em março-abril de 2011; no Togo em maio-junho de 2011; no Senegal, o movimento Y’en a marre (Estamos Fartos) contra o autoritarismo do presidente A. Wade em junho de 2011. Estes movimentos referiram-se explicitamente à primavera árabe em curso. No Senegal, o Fórum Social Mundial, reunido em fevereiro de 2011 (dez anos após a sua criação), teve um sucesso notável sob o signo do levantamento em curso na Tunísia e no Egipto (ver Olivier Bonfond, http://www.cadtm.org/FSM-Dakar-2011-o-sucesso-popular-e).
[2] Ver Franck Gaudichaud, Quand le néolibéralisme triomphant se fissure. Chili: réflexions sur le réveil des mouvements sociaux et le “Mai chilien”, http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article23403
[3] Ver Franck Gaudichaud (sous la direction de), Le volcan latino-américain. Gauches, mouvements sociaux et néolibéralisme en Amérique latine, Textuel, Paris, 2008, http://www.cetri.be/spip.php?article613- e, com respeito à evolução de 2008-2009, Eric Toussaint Venezuela, Equateur et Bolivie : la roue de l’histoire en marche, novembro de 2009, http://www.cadtm.org/Venezuela-Equateur-et-Bolivie-la-
Éric Toussaint, doutorado em Ciências Políticas, presidente do CADTM Bélgica, membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial desde a sua criação e do conselho científico da ATTAC-França. Redigiu com Damien Millet o livro colectivo La Dette ou la Vie, Aden-CADTM, 2011. Participou no livro da ATTAC: Le piège de la dette publique. Comment s’en sortir, ed. Les liens qui libèrent, Paris, 2011.
Traduccão: Rui Viana Pereira; Revisão: Noémie Josse Dos Santos
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.