printer printer Clique no ícone verde à direita
Portugal: as Consequências Dramáticas da Austeridade Imposta pela Troika
por Virginie de Romanet
20 de Março de 2012

Decorreu há um ano a grande manifestação de 12 de Março 2011 — da Geração à Rasca —, reunindo mais de 500000 pessoas em todo o país para se oporem à deterioração das condições de trabalho e ao desmantelamento dos direitos sociais. Esta manifestação deu origem ao movimento m12m [1]. Passados alguns dias, foi imposto um drástico plano de austeridade associado ao empréstimo da Troika [2], agravando as condições de vida de uma grande fatia da população.

Portugal, país em que as condições de vida da população eram já das piores da zona euro, foi assim, à semelhança da Grécia, fortemente afectado pelas medidas da Troika. A taxa de desemprego oficial atingiu os 14% em 2011 e a taxa real ultrapassou os 20%, dado não serem contabilizados pelos dados oficiais centenas de milhar de pessoas sem emprego decente ou as que deixaram de procurar emprego. Ao analisar a evolução da situação entre o início e o final do ano de 2011, constata-se que a taxa de desemprego de longa duração aumentou 23,6%. No 3.º semestre de 2011, foram, em média, destruídos 437 empregos por dia, tendo este número passado para o triplo no 4.º semestre, depois da revisão do memorando pela Troika, chegando aos 1314 empregos diários [3].

Esta evolução conduz evidentemente para um aumento da pobreza, com consequências dramáticas. Em 2011, somente 27,3% da população activa sem emprego auferiu realmente o subsídio de desemprego, contrariamente à taxa de 41% aventada pelos dados oficiais [4]. A destruição de estabilizadores económicos, tais como o subsídio de desemprego, o rendimento social de inserção ou o abono de família, destinados à manutenção de um poder de compra mínimo, teve por consequência o fecho de milhares de pequenas empresas e a destruição de postos de trabalho nesse sector.

Um estudo de 2009 do Instituto Nacional de Estatística mostrou que, após receberem prestações sociais, 10,3% dos trabalhadores em situação de emprego e 37% dos trabalhadores sem emprego viviam ainda abaixo do limiar de pobreza [5]. Apesar de a situação se ter agravado consideravelmente desde 2010, as somas despendidas em subsídios de desemprego e indemnizações por despedimento diminuíram em termos reais em 15,1% [6], sendo que para o rendimento social de inserção e o abono de família os cortes foram respectivamente de 37,5% e 34,4%. Para além do emprego formal propriamente dito, importa referir os falsos «trabalhadores independentes» (falsos recibos verdes), constrangidos a trabalhar sem contrato, o que torna o seu estatuto ainda mais precário [7] que o dos assalariados com contrato. Neste contexto, vários movimentos — Precários Inflexíveis, m12m, FERVE e Intermitentes do Espectáculo — juntaram-se para uma iniciativa legislativa de cidadãos, assinada por mais de 35000 pessoas e entregue na Assembleia da República a 12 de Janeiro 2012 [8].

Os sectores da saúde e da educação foram igualmente atingidos, tendo o Governo e a Troika decidido, aquando a revisão do memorando em Dezembro de 2011, a redução de mil milhões de euros para as despesas na saúde e de mais de 1,5 mil milhões de euros no sector da educação [9].

Estas medidas, juntamente com a quase duplicação dos impostos pagos pela maioria da população, vão mergulhar centenas de milhar de famílias numa situação de grande pobreza.

Ao invés de tomar posição contra a dívida ilegítima imposta pelos mercados financeiros e a Troika, o Governo prefere anular 74,8% das dívidas de terceiros perante a segurança social. Uma parte importante destas dívidas refere-se a descontos dos patrões sobre os salários que não foram transferidos para a segurança social. Um relatório do Tribunal de Contas avaliou estas dívidas ao fisco em 17,3 mil milhões de euros em finais de 2010 [10]. Se tal se confirmar, terá evidentemente consequências dramáticas para estes organismos públicos.

A tudo isto importa acrescentar o tema das Parcerias Público Privadas (PPP) que, como mencionado num artigo anterior [11], representam «cerca de 80% dos grandes projectos na área das infra-estruturas, auto-estradas, pontes, hospitais, num valor de 50 mil milhões de euros». Uma proposta de auditoria a estas PPP, efectuada pelo deputado do Bloco de Esquerda José Gusmão, foi considerada mas adjudicada sem deliberação à consultora internacional Ernst &Young, a quem foi confiada a análise de 36 parcerias público privadas e 24 concessões, mediante o valor de 250000 euros. Ora, este gabinete aconselha alguns grupos implicados nas PPP, sendo assim simultaneamente juiz e parte interessada, posição que o deveria desqualificar à partida da auditoria. A Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública, lançada em Lisboa a 16 e 17 de Dezembro 2011, denunciou este conflito de interesses através de um comunicado de imprensa, e exige com urgência uma auditoria independente das parcerias público privadas [12].

Por ocasião do Dia Internacional das Mulheres, a Coordenação Portuguesa da Marcha Mundial das Mulheres e a associação feminista UMAR lançaram por sua vez um Protesto Feminista Antiausteritário, reclamando auditorias cidadãs que incluam uma análise do impacto das medidas de austeridade sobre as mulheres [13].

Perante esta onda de austeridade e a negação da reivindicação de uma auditoria independente às Parcerias Público Privadas, os Portugueses não têm alternativa senão a de se mobilizar para tentar inverter esta relação de forças.

Depois da grande manifestação de 11 de Fevereiro, que reuniu em Lisboa mais de 300000 pessoas de todas as regiões do país sob o lema Não à Exploração, às Desigualdades e ao Empobrecimento, Outra Política É Possível e Necessária, a CGTP, principal confederação sindical, apresentou a 12 de Março — data de aniversário da grande mobilização de 2011 — um pré-aviso de greve geral para o dia 22 de Março [14].


Tradução: Magda Alves

Revisão: Helena Romão

Notas :

[2Num montante de 78 mil milhões de euros, ele representa 35 mil milhões em juros; informação constante das declarações do secretário geral da CGTP, Arménio Carlos, no comunicado «Não à Exploração, às Desigualdades e ao Empobrecimento. Outra política é Possível e Necessária» http://cgtp.pt//index.php?option=co...

[3Dados tirados do artigo «Governo Intensificou Destruição do Emprego e Aumento do Desemprego – em 2011 Portugal Perdeu 37.108 milhões € de Riqueza devido ao Desemprego» do economista Eugénio Rosa ; http://resistir.info/e_rosa/desempr...

[4Idem

[5Portugal era no seio da zona euro o país com o salário mínimo horário bruto legal mais baixo: 2,92 euros. Iconografia “Disparités au sein de l’Union, Dossier Main basse sur les salaires», Le Monde Diplomatique, Fevereiro 2012, p.10. Ver também Gwenaëlle Lenoir e Marie-Line Darcy, «Au Portugal, ne dites plus «précaires» dites «reçus verts»», Le Monde Diplomatique, Janeiro 2011 http://www.monde-diplomatique.fr/20...

[6Com valores de 2012 em relação aos preços de 2010.

[7Ibid Gwenaëlle Lenoir e Marie-Line Darcy.

[9A destruição dos estabilizadores sociais automáticos pelo governo PSD/CDS, Eugénio Rosa http://resistir.info/e_rosa/estabil...

[10Idem

[11«Le Portugal, dernière victime en date du modèle néolibéral», Virginie de Romanet, http://www.cadtm.org/Le-Portugal-de...

[12Comunicado de Imprensa : Conflito de Interesses Põe em Causa a Validade e a Credibilidade da auditoria às PPP ; http://www.auditoriacidada.info/art...

[13Protesto feminista antiausteritário http://www.umarfeminismos.org/images/stories/tem...

Virginie de Romanet

est membre du CADTM Belgique