Medidas econômicas anunciadas por Haddad: Quem ganha e quem perde?

15 de Janeiro por Rodrigo Ávila


Breve análise das medidas anunciadas dia 12 de janeiro pelo ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad.
Artigo publicado inicialmente no site da Auditoria Cidadã da Dívida



Ontem (12/1/2023) o Ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou medidas no sentido de aumentar a arrecadação tributária e reduzir despesas. Verificamos que algumas medidas são positivas, como aumentar a carga tributária que recai sobre os ricos, por exemplo na tributação das receitas financeiras com o PIS/COFINS (impacto de R$ 4,4 bilhões em 2023) e no retorno do voto de qualidade do governo em caso de empate nas disputas no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), o que deve reduzir as vitórias de grandes empresários nos litígios com o Fisco.

Por outro lado, outras medidas mantém o privilégio da chamada dívida nunca auditada. A principal justificativa do Ministro para as medidas é tentar reverter o chamado “déficit primário” do governo federal neste ano, projetado em R$ 231,55 bilhões, e tentar obter “superávit primário”. Ou seja, em bom português, tentar obter recursos para o pagamento da questionável dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. , que deveria ser auditada com participação da sociedade.

A redução ou eliminação imediata do chamado “déficit primário” é uma demanda do “mercado” (ou seja, rentistas da dívida pública) e não do povo, uma vez que o governo dispõe de mais de R$ 1,7 TRILHÃO na Conta Única do Tesouro, e poderia aumentar fortemente os investimentos sociais sem essa necessidade urgente de arrecadar mais. O Ministro também declarou ontem que a formação de “superavit” seria uma forma de tentar convencer o Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). (BC) a reduzir os juros, ou seja, admitindo a ideia do BC de que a inflação brasileira teria como causa um suposto gasto social exagerado, quando na verdade decorre principalmente dos preços administrados pelo governo (como os combustíveis, devido à política de preços equivocada da Petrobras) e dos preços de alimentos (devido à priorização da agricultura de exportação), preços estes que não tem guardado relação com a taxa de juros.

Além do mais, o chamado “déficit primário” tem sido construído a partir de uma metodologia que OMITE diversas receitas que têm sido obtidas pelo governo federal constantemente nos últimos anos, tais como os lucros do Banco Central, recebimentos de juros e amortizações das dívidas dos estados e municípios com a União (que já foram pagas várias vezes pelos entes federados), remuneração da Conta Única do Tesouro, dentre outras, das quais grande parte tem sido destinada para o pagamento da dívida pública.

Portanto, a principal justificativa do “mercado” para defender a obtenção rápida do chamado “superávit primário”, ou seja, a de que o país “estaria contraindo mais dívida para cobrir o buraco dos gastos sociais” é uma grande mentira, conforme pode ser visto no artigo disponível em https://bit.ly/3vTjZpB . Na realidade, a dívida pública tem RETIRADO recursos das áreas sociais, tendo servido para pagar os próprios juros e amortizações da própria dívida.

Dentre as medidas relacionadas às receitas, há também o aumento da carga tributária sobre o consumo (com o crescimento da arrecadação de PIS/COFINS, por meio do aumento da alíquota sobre sobre combustíveis e redução de créditos Créditos Montante de dinheiro que uma pessoa (o credor) tem direito de exigir a outra pessoa (o devedor). desses tributos para os diversos setores econômicos) e outras medidas questionáveis de abatimento de débitos de grandes empresários com o fisco, sob o argumento de que isso os faria desistir dos litígios.

Do lado da despesa, as medidas incluem uma “revisão de contratos e programas” (aparentemente no sentido de interromper contratos firmados pelo governo anterior que sejam considerados como inadequados), com impacto previsto de R$ 25 bilhões. Há também uma “autorização de execução inferior ao autorizado na LOA 2023”, também no valor de R$ 25 bilhões, o que é ruim, dado que representa um corte de gastos sociais.

Enfim, as medidas anunciadas ontem, embora em parte sejam positivas, servem, fundamentalmente, à garantia de pagamento da dívida pública, sem nenhum questionamento sobre a principal despesa do orçamento, ou seja, o pagamento de juros, curiosamente criticados ontem mais uma vez pelo Presidente Lula:

“A única coisa que não é tratada como gasto nesse país é o dinheiro que a gente paga de juros para o sistema financeiro. Esse eles não tratam como gasto. Possivelmente eles tratam como investimento. […] Enquanto isso, a gente não consegue dar aumento de salário mínimo de 3% porque é gasto. Não é possível.”

Porém, para que tais críticas possam se traduzir em ação efetiva, é necessário reduzir o gasto com juros, o que pode ocorrer a partir de uma ampla auditoria da dívida, com participação da sociedade, conforme feito em 2007-2009 pelo Equador, com sucesso.


Rodrigo Ávila

é economista da Auditoria Cidadã da Dívida

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