Assembleia Mundial do CADTM na encruzilhada das mobilizações para a abolição das dívidas ilegítimas

14 de Junho de 2016 por CADTM International


O CADTM reúne a sua Assembleia Mundial (AM) regularmente para coordenar o trabalho em rede. A AM anterior decorreu em Bouznika, em Marrocos (2013)  [1]; desta vez a reunião realizou-se em Tunes, de 26 a 30 de abril de 2016. Embora o encontro estivesse previsto para Marrocos, as autoridades do país recusaram autorizá-lo  [2]. Os esforços combinados de RAID-ATTAC-CADTM da Tunísia tornaram possível a organização do encontro internacional neste país. Ao recusar a recepção de todos os requerimentos entregues por ATTAC-CADTM de Marrocos no governo civil de Ait Melloul e Bouznika para reservar um lugar capaz de abrigar a AM do CADTM, a monarquia autoritária marroquina reforça ainda mais o seu rumo antidemocrático. Esta recusa, típica de um regime totalitário, vem na linha das constantes restrições impostas à associação e da recusa de renovar o seu estatuto legal.



Durante a realização da Assembleia Mundial foram-nos enviadas numerosas mensagens de apoio. Encorajaram-nos a prosseguir o caminho percorrido na luta contra as dívidas ilegítimas e o sistema capitalista opressivo. A Comissão Executiva Regional da Assembleia dos Povos do Caribe, a Marcha Mundial da Mulheres, o perito independente da ONU Juan Pablo Bohoslavsky, a ex-presidente do Parlamento helénico, Zoe Konstantopoulou, exprimiram a sua solidariedade. Pierre Galand, do movimento antiguerra na década de 1980 e fundador do Tribunal Russel para a Palestina; Patrick Saurin, porta-voz do Sud Solidaires BPCE (Banques Populaires Caisses d’Epargne); Susan George, presidente honorária da ATTAC francesa e do Transnational Institute (TNI), www.tni.org ; Pierre Rousset da Europa Solidária Sem Fronteiras(ESSF), www.europe-solidaire.org ; Bodo Ellmers da rede europeia Network on Debt and Development, www.eurodad.org ; Arnaud Zacharie, secretário-geral do Centre National de Coopération au Développement, www.cncd.be ; Francois Houtart, fundador do Centre Tricontinental (http://www.cetri.be/-Accueil-) e muitos outros encorajaram o trabalho estrénuo da rede CADTM.

A Assembleia da rede CADTM desenrolou-se num contexto político e social marcado pelas manifestações de docentes académicos desempregados que reivindicam empregos dignos e por cercos no arquipélago de Kerkennah, ao largo de Sfax, para bloquear a empresa petrolífera britânica Petrofac, que explora sem vergonha uma mão-de-obra jovem e precária. Ao mesmo tempo, o projecto-de-lei relativo aos estatutos do Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). tunisino, aprovados quase por unanimidade a 12 de abril, torna-o independente das restantes instituições do Estado e dá-lhe carta branca para aplicar todas as políticas de ingerência vindas do FMI... [3]


A Assembleia Mundial: um momento privilegiado para o reforço e a definição das grandes linhas de orientação da rede internacional do CADTM

Cerca de 60 delegados e delegadas provenientes de 28 países da África, América Latina, Ásia e Europa convergiram em Tunes para participar neste encontro: Argentina, Bélgica, Benim, Brasil, Burkina Faso, Camarões, Colômbia, Congo Brazzaville, Costa do Marfim, Espanha, França, Gabão, Haiti, Índia, Itália, Japão, Luxemburgo, Mali, Marrocos, Níger, Paquistão, República Democrática do Congo, Senegal, Suíça, Togo, Tunísia, Uruguai e Venezuela. Lamentamos que os e as representantes da União das Mulheres para a Dignidade Humana, da RDC, do CADTM suíço e do CADTM grego não tenham podido juntar-se a nós. Duas organizações espanholas estiveram presentes na qualidade de observadoras: a ATTAC de Barcelona e a Plataforma para uma Auditoria Cidadã da Dívida (PACD). A troca de análises, de experiências, a elaboração colectiva de estratégias e de iniciativas comuns preencheram estas quatro jornadas de debates intensos. A assembleia foi falada em 4 línguas (árabe, espanhol, inglês e francês), graças ao trabalho impecável dos intérpretes, sem o qual este acontecimento internacional teria sido impossível. Deixamos-lhes aqui um agradecimento caloroso.

O encontro abriu com uma apresentação, feita por Éric Toussaint (CADTM da Bélgica), sobre a situação internacional e os desafios do CADTM, seguida de um relato de Omar Aziki (ATTAC-CADTM de Marrocos) sobre a situação sociopolítica no Norte de África e na região árabe. Fathi Chamkhi, porta-voz do RAID-ATTAC-CADTM da Tunísia, encarregou-se de relatar a situação no país anfitrião da Assembleia Mundial.


O CADTM: uma rede em movimento nos quatro continentes

Durante o dia que precedeu a abertura da Assembleia, as várias estruturas continentais da rede reuniram-se para discutir a situação política, económica e social dos respectivos países e a perspectiva de eclosão de uma nova crise da dívida nas suas regiões. Foram debatidas as principais lutas, nomeadamente contra as dívidas ilegítimas, que agitam os seus países, as iniciativas que cada organização desenvolve na sua região e as convergências continentais possíveis ou a impulsionar. A síntese destes trabalhos foi apresentada por Maria Elena Saludas para a América Latina e o Caribe, por Tsutomu Teramoto para a Ásia, por Francesca Coin para a Europa e por Achille Daouda para a África.

Broulaye Bagayoko, secretário permanente do CADTM africano, apresentou o relatório da Assembleia Geral da rede africana, que teve lugar na véspera da Assembleia Mundial. Foram adoptadas medidas para reforço da comunicação, da socialização dos conhecimentos entre as organizações do CADTM africano, e do alargamento da base social das organizações. A fim de caminhar para a paridade, a Coordenação do CADTM africano passou a ser composta por três mulheres e quatro homens.

No seu relatório sobre o CADTM AYNA (Abya Yala Nuestra America), Maria Elena Saludas deu conta da contra-ofensiva neoliberal que abala todo o continente, acompanhada pelo esgotamento das propostas de alternativas políticas postas em prática nos últimos decénios. As iniciativas da rede são variadas, indo desde a criação de cursos universitários sobre a dívida no Uruguai e de um curso à distância no Brasil, até à criação duma coordenadora para a auditoria cidadã na Venezuela.
Entretanto, surgiu uma reunião «espontânea» entre a rede CADTM AYNA e a rede CADTM africana, a fim de desenvolver laços e sinergias Sul-Sul no seio da rede mundial.


O empenho feminista afirmado nas análises, nas acções e … nas práticas do CADTM

Durante a manhã do dia 27 de abril, a Coordenação Internacional das Lutas Feministas do CADTM consagrou a primeira parte da sua reunião à construção colectiva da sua luta contra os microcréditos, classificada como um eixo importante do seu trabalho. A segunda parte da reunião teve por objectivo a avaliação tanto das análises feministas sobre a dívida como as práticas de igualdade no seio da rede. A reunião concluiu pela elaboração de propostas concretas visando reforçar o alargamento do empenhamento feminista e a igualdade de tratamento entre homens e mulheres no seio do CADTM. A moção de reforço dos meios utilizados para realizar a paridade efectiva (artigo 11) proposta a esta Assembleia Mundial pelo Secretariado Internacional partilhado foi aprovada por unanimidade pela Coordenadora Internacional das Lutas Feministas. Esta moção completa a Carta de Funcionamento do CADTM e especifica de forma muito concreta a aplicação da paridade no seio da rede internacional. O relatório dos trabalhos da Coordenadora foi apresentado por Agnès Adélaïde Metougou, da Plataforma de Informação e Acção para a Dívida (PFIAD), dos Camarões.


O Secretariado Internacional Partilhado do CADTM: balanço intermédio

Claude Quémar e Emilie Paumard partilharam com a Assembleia um balanço da rede com base na análise de um questionário ao qual as organizações pertencentes ao CADTM internacional tinham respondido anteriormente. Este instrumento permitiu melhorar o conhecimento mútuo e aproveitar as sinergias comuns para reforçar a rede. Renaud Vivien, do CADTM belga, e Omar Aziki, da ATTAC-CADTM marroquina, apresentaram um relatório sobre as actividades do Secretariado Internacional Partilhado (SIP), complementado por uma exposição de Jawad Moustakbal relativa aos desafios postos a cada uma das organizações do lado marroquino e belga no que diz respeito às responsabilidades do SIP.

Françoise Mulfinger, perita independente encarregada de avaliar o desempenho do SIP, comunicou oralmente as conclusões do seu estudo: traçou um balanço muito satisfatório do desempenho das tarefas atribuídas aos dois pólos do SIP. A AMR decidiu por unanimidade prosseguir o processo do SIP partilhado, optando por um rearranjo das tarefas entre o CADTM belga e a ATTAC-CADTM Marrocos. Ficam estabelecidas as seguintes tarefas comuns: a formação internacional nas problemáticas da dívida, das instituições internacionais, das alternativas à crise e ao capitalismo patriarcal e produtivista (incluindo a formação no IIRF de Amesterdão  [4]); a preparação da próxima assembleia mundial da rede em coordenação com o Conselho Internacional (CI) para escolha do país anfitrião (com plano A e plano B) e a ajuda à organização logística da AMR no local; a produção de publicações e de traduções.

A ATTAC-CADTM-Marrocos continua a trabalhar no reforço das actividades do CADTM em África, aumentando a sinergia com a Coordenadora do CADTM africano e concentrar-se-á especialmente no desenvolvimento da rede no Norte de África e no Médio Oriente, enquanto o CADTM belga prossegue o seu trabalho de coordenação com as organizações do CADTM europeu e de sinergias nesse continente, mas também se compromete a seguir as Coordenadoras AYNA e da Ásia Setentrional do CADTM.
Finalmente, a AMR decidiu reduzir o envolvimento do CADTM nos Fóruns Sociais Mundiais, nomeadamente na próxima edição de Montreal em agosto de 2016, e avaliar «caso a caso» a sua participação nas próximas edições.


O CADTM adapta-se e … muda de designação!

Embora mantenha a sua sigla, pela qual se tornou conhecido, o CADTM mudou a sua designação para Comité para a Abolição das Dívidas Ilegítimas – Rede Mundial CADTM. As organizações locais e nacionais que desejem continuar a chamar-se Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo – CADTM podem fazê-lo.

Esta alteração da designação da rede CADTM encontra justificação na evolução do seu trabalho nos países industrializados do Norte. O CADTM nasceu em 1990 em plena crise da dívida do Sul, para exigir a anulação da dívida dos países ditos do Terceiro Mundo, mas com o correr do tempo o termo «terceiro mundo» veio a ser cada vez menos utilizado. Com a crise financeira de 2008 e respectivas repercussões, a esfera de acção do CADTM estendeu-se progressivamente às dívidas públicas dos países industrializados do Norte, sem por isso descurar a exigência de anulação das dívidas dos países ditos do «terceiro mundo». O CADTM demonstrou que o conjunto do «sistema da dívida» tanto subjuga os povos do Sul como os do Norte em todo o Mundo. Para atacar o «sistema da dívida» no seu conjunto, o CADTM desenvolveu novas vias de acção e reflexão sobre o problema das dívidas privadas ilegítimas, bem como as dívidas ligadas ao microcrédito, do qual as mulheres são as principais vítimas, as dívidas dos e das camponesas, estudantes, famílias despejadas das suas habitações pelos bancos, etc. O conceito de «dívidas ilegítimas» permite englobar tanto as dívidas do Sul como as do Norte, tanto as públicas como as privadas. Acrescentemos que o termo «abolição» é mais forte que «anulação», pois reivindica a extinção das práticas de endividamento ilegítimo.


Uma rede em expansão

Salvo no caso de convocação duma assembleia extraordinária, uma nova alteração estabelece que a frequência das AMR é «no mínimo a cada 3 anos e no máximo a cada 5 anos (artigo 3).
Por outro lado, a Assembleia estabeleceu as modalidades de desfiliação das organizações-membro (artigo 15). Além disso, a rede foi reforçada com três novas adesões: ATTAC-Luxemburgo, ATTAC-Gabão e ATTAC-Itália passaram a ser membros do CADTM Internacional, bem-vindos sejam!
As pessoas vindas de Espanha como observadoras ficam autorizadas a utilizar a sigla CADTM enquanto aguardam a próxima Assembleia Mundial, onde poderão solicitar a sua adesão formal. Entretanto, este grupo recém-criado compromete-se a trabalhar para a construção duma extensão do CADTM em Espanha. O CADTM-Bangladeche pode igualmente utilizar a sigla do CADTM e solicitar a sua adesão na próxima AMR.

A Assembleia pronunciou-se ainda colectivamente a favor da reclamação da autonomia política e eleitoral do povo do Haiti, pela retirada da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MNUEH), pela constituição duma comissão de auditoria dos crimes económicos cometidos no país e dum processo de indemnização, de justiça e de reparação por toda a pilhagem de riquezas do Haiti (Moção de apoio ao povo do Haiti (AMR 2016)). Uma moção de apoio ao pedido de auditoria na Venezuela foi também aprovada pela rede da América Latina, AYNA.

Finalmente, foi eleito um novo Conselho Internacional do CADTM, constituído de forma paritária por duas pessoas por continente.

Esperamos que esta síntese dos trabalhos, debates e decisões que preencheram este encontro internacional sirva para transmitir as dinâmicas em curso durante a Assembleia, dinâmicas essas que visam pôr fim definitivo a esse instrumento de dominação chamado «sistema da dívida». Sem dúvida que daqui até à próxima Assembleia Mundial da rede, os e as militantes do CADTM, cada qual à sua escala, aplicarão toda a sua energia, empenho e determinação para fazer progredir a luta dos povos contra as dívidas ilegítimas e dar corpo a alternativas, participando na emancipação da humanidade de todas as formas de opressão.

Hasta la victoria siempre!


Tradução: Rui Viana Pereira
Revisão: Maria da Liberdade


Notas

[1CADTM Internacional, 4 de junho de 2013, «Assembleia Mundial do CADTM sob o signo da partilha e das lutas».

[2Sobre a recusa das autoridades marroquinas em darem o seu aval à organização da Assembleia Mundial da rede CADTM: em francês, «Les autorités marocaines refusent de donner leur aval à l’association Attac Maroc pour organiser l’Assemblée mondiale du réseau CADTM», e em inglês, «The Moroccan authorities refuse to give their approval to ATTAC Morocco in order to organize the international assembly of CADTM network» ATTAC/CADTM Marrocos, 22 de março de 2016.

[3Mokhtar Ben Hafsa, 26 de abril de 2016 : « En quatre jours, la coalition quadripartite au pouvoir a ramené la Tunisie en arrière d’un siècle et demi » ("Em quatro dias, a coligação quadripartida no poder fez com que a Tunísia recuasse um século e meio”).

[4Instituto Internacional para a Investigação e Formação.

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