3 de Junho de 2015 por Eric Toussaint , Thierry Brun
Entrevista de Éric Toussaint para o semanário francês Politis, 1-06-2015
I. Considera a negociação com os credores da Grécia como uma questão política e económica europeia e se sim, porquê?
Trata-se de uma questão política de primeira importância. É ou não possível a um povo fazer valer a sua vontade nas urnas a fim de rejeitar a austeridade? Será o exercício da democracia compatível com a vontade das instituições da União Europeia? A resposta a estas questões terá uma enorme repercussão em toda a Europa.
II. Os credores do grupo de Bruxelas não estarão a exercer uma forma de chantagem política quando recusam os 7.200 milhões de euros do dito plano de «resgate» da Grécia?
Sim. É evidente que o BCE
Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
(Banco Central
Banco central
Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE).
Europeu), o FMI (Fundo Monetário Internacional), a Comissão Europeia e os governantes dos principais países da zona euro
Zona euro
Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia.
tudo fazem para convencer o governo de Alexis Tsipras a renunciar ao mandato que o povo lhe deu em 25 de janeiro. Alexis Tsipras e Yannis Varoufakis fizeram grandes concessões, nomeadamente dando seguimento a algumas privatizações e ao pagamento da dívida. Apesar disso os credores querem ir mais longe.
III. As condições impostas pelo grupo de Bruxelas para a entrega da ajuda são um bom remédio para a crise económica grega?
Pelo contrário. Há pelo menos quatro óbices: 1. Os credores querem que daqui a 3 anos todas as reformas sofram uma redução mensal de 130 €. As reformas já tiveram uma redução de 40 %, donde resulta que 45 % recebem uma reforma inferior a 660 €, o que os coloca abaixo do limiar de pobreza. Por seu lado, o Governo comprometeu-se a dar aos pensionistas com uma reforma inferior a 700 € (ou seja, 67 % dos reformados) uma pequena parte do que a Troika Troika A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. lhes roubou para reembolsar a dívida. 2. Os credores querem que o Governo vá ainda mais longe que os seus predecessores na precarização do «mercado» de trabalho, ao passo que o Governo começou lentamente a reverter certas medidas tomadas pelos governos anteriores. 3. Embora Tsipras já tenha cedido no prosseguimento da privatização do porto Pireu, os credores querem que ele recue ainda mais, ao que muitos dos seus ministros se opõem. 4. Os credores não querem anular uma parte substancial da dívida. Quando muito, se o Governo de Tsipras se rendesse, eles poderiam conceder a reestruturação de uma parte da dívida, que mais não faria do que prorrogar as prestações e obrigaria as autoridades gregas a vergar definitivamente às suas exigências.
IV. A concessão de ajuda condicionada pelos credores não adia os problemas económicos com que a Grécia se debate, em vez de os resolver?
O adiamento dos pagamentos (não se trata de uma ajuda) visa asfixiar a economia e o sistema financeiro gregos, a fim de fazer vergar o governo.
V. Paralelamente à negociação com os credores, o Parlamento grego constituiu uma comissão para apurar a verdade sobre a dívida grega. Em que pé estão os trabalhos da comissão?
A comissão para apurar a verdade sobre a dívida grega, da qual eu coordeno os trabalhos, avança rapidamente com as suas tarefas. As dívidas gregas, que foram acumuladas antes de 2010, são ilegítimas ou ilegais na sua maior parte: contratos de armamento eivados de fraudes e corrupção, grandes obras ligadas aos Jogos Olímpicos de 2004 semeadas de sobrefacturações e corrupção, benefícios fiscais para uma minoria privilegiada, resgates bancários, taxas exageradas. Salta à vista que as dívidas contraídas depois de 2010 estão viciadas.
Os memorandos impostos pela Troika a partir de 2010, a reestruturação da dívida de 2012 e o processo de acumulação da dívida pública
Dívida pública
Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social.
grega estão manifestamente manchados de irregularidades, de ilegitimidade, de ilegalidade e têm muito possivelmente um carácter odioso.
Os novos credores, com a cumplicidade das autoridades locais (os governos gregos), empurraram a Grécia para uma situação em que o reembolso é impossível. As políticas económicas e sociais que eles impuseram provocaram uma queda de 25 % do produto interno bruto
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
(PIB), ao passo que a Grécia teve um crescimento contínuo e sustentado até 2008. Em 2009, pouco antes da crise, o crescimento tinha caído para zero, mas deve sublinhar-se que o PIB dos outros países da zona euro tinha caído 4 %. Os credores fizeram disparar o desemprego, reduziram o consumo privado e público. A dívida pública passou de 110 % do PIB em 2009, para 185 % em 2014. Os credores (a Troika) impuseram as famosas «condicionalidades» que de facto tinham dois objectivos essenciais: a) salvar os bancos privados estrangeiros (a começar pelos franceses e alemães) e gregos, os quais foram grandemente responsáveis pela crise; b) impôs políticas macroeconómicas neoliberais recessivas e regressivas (privatizações, despedimentos, redução radical dos salários, etc.), com a correspondente perda de direitos económicos, sociais e culturais, bem como civis e políticos, precarização e empobrecimento da população. Só no ano de 2015 os credores exigem à Grécia o montante de 23.000 milhões de euros. Já foram efectuados diversos pagamentos e, desde a assinatura dos acordos de fevereiro de 2015, o país aproxima-se duma situação financeira insustentável.
VI. A anulação de uma parte da dívida grega é uma hipótese a considerar e é uma solução com futuro para os países europeus mais endividados?
A anulação, ou, se não houver acordo, o repúdio unilateral de uma grande parte da dívida é uma condição necessária para a Grécia. O mesmo se pode dizer para os outros países. É uma condição necessária mas não suficiente. É preciso tomar outras medidas: socializar os bancos, taxar fortemente o património e os rendimentos do 1 % dos mais ricos, realizar uma reforma fiscal profunda e atacar a fundo a fraude de grande porte, controlar os movimentos de capitais, desprivatizar, reforçar os serviços públicos, criar empregos decentes e úteis...
Tradução: Rui Viana Pereira
Revisão: Maria da Liberdade
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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