Equador vai às urnas: a proposta do Governo
22 de abril de 2024 por Sergio Ferrari
Manifestación en Ecuador contra las demandas de Chevron.
Convulsionado internamente pelo aumento da violência e enfraquecido internacionalmente pela crise desencadeada contra o México, o Equador convoca às urnas para o próximo 21 de abril.
Mais de 13 milhões de eleitores terão a oportunidade de se pronunciar no terceiro domingo de abril, 21, sobre onze pontos, seis dos quais correspondem a uma Consulta Popular, e cinco a um Referendo. Este último pode levar a mudanças ou emendas na Constituição desse país sul-americano.
As questões que deverão ser decididas dizem respeito, essencialmente, à segurança, como a participação das Forças Armadas em funções de Polícia Nacional; nova legislação sobre armas; duração das penas (especialmente relacionadas a processos judiciais por terrorismo ou tráfico de drogas) e expropriação pelo Estado de bens de origem ilícita, entre outros. Um ponto propõe a flexibilização do Código do Trabalho, introduzindo o valor contratual do «trabalho por hora». E outro, entremeado nesse emaranhado de postulados diversos, mas de particular importância, refere-se ao sistema de solução de conflitos com empresas estrangeiras: «Você concorda que o Estado equatoriano deve reconhecer a arbitragem internacional como um método para resolver disputas em questões de investimentos, contratuais ou comerciais?». Essa não é uma questão trivial em uma nação na mira de multinacionais, principalmente de empresas petroleiras e de recursos naturais.
A arbitragem internacional, mecanismo concebido por e para investidores estrangeiros, proporciona-lhes uma via judicial internacional, paralela e privilegiada, sem a obrigação de passar pela justiça nacional. Um dos pilares do atual sistema de resolução de controvérsias entre investidores e Estado é um mecanismo essencial de muitos dos Tratados Bilaterais de Investimento (TBIs) e dos Tratados de Livre Comércio (TLC) existentes.
Se, no próximo 21 de abril, o eleitorado equatoriano aceitar esse novo postulado sobre o papel da arbitragem internacional, as consequências poderão ser desastrosas para a economia nacional, pois o artigo 422 da Constituição de 2008 será modificado. Esse artigo estabelece que «Não poderão ser celebrados tratados ou instrumentos internacionais em que o Estado equatoriano ceda jurisdição soberana a instâncias da arbitragem internacional, em disputas contratuais ou comerciais, entre o Estado e pessoas físicas ou jurídicas privadas».
A pesquisadora e cientista política alemã Bettina Müller, associada ao Instituto Transnacional (TNI, por sua sigla em inglês), com sede em Amsterdã e com larga experiência na América Latina, explica que a Constituição equatoriana proíbe a cessão de soberania a instâncias internacionais de arbitragem em caso de disputas com entidades privadas estrangeiras (investidores ou empresas transnacionais), entre eles, o Centro Internacional para a Resolução de Conflitos sobre Investimentos (CIRCI - ICSID), órgão dependente do Banco Mundial
Banco mundial
Creado en 1944 en Bretton Woods en el marco del nuevo sistema monetario internacional, el Banco posee un capital aportado por los países miembros (189 miembros el año 2017) a los cuales da préstamos en el mercado internacional de capitales. El Banco financia proyectos sectoriales, públicos o privados, con destino a los países del Tercer Mundo y a los países antes llamados socialistas. Se compone de las siguientes tres filiales.
Mas...
, que é o centro de arbitragem mais utilizado em todo o mundo [1].
Para além dos debates jurídicos, lembra Müller, a redação «dessa norma tem sido forte o suficiente para constituir um travamento para a assinatura de novos tratados internacionais que incorporem o mecanismo da arbitragem internacional». Na última década, grandes grupos econômicos internacionais e equatorianos atacaram sistematicamente o Artigo 422. Os governos ultraneoliberais do Equador fizeram o possível para derrubá-lo, argumentando que ele desencoraja o investimento estrangeiro devido à «insegurança jurídica» que propugna. Apesar da rejeição da Assembleia Nacional e das críticas abertas de grande parte da sociedade civil, em setembro de 2021, o Equador voltou a ratificar a Convenção do CIRCI [2].
Segundo Müller e tendo em vista a votação de 21 de abril, «é fundamental desmontar falsos mitos e promessas não cumpridas sobre a chegada do investimento estrangeiro e a segurança jurídica. Até agora, o Equador tem sido um exemplo internacional de resistência a esse sistema de arbitragem». Para ela, esse sistema tem um enorme impacto negativo nos cofres públicos. Prova disso são as ações arbitrais que já custaram ao Equador cerca de 3 bilhões de dólares.
Durante a última década e meia, argumenta Müller, esse país sul-americano foi um «exemplo global de como é possível frear juridicamente os privilégios de investidores estrangeiros e de empresas transnacionais a partir da própria Constituição Nacional». E defende ainda que é possível «realizar uma auditoria cidadã rigorosa sobre os impactos do sistema de proteção do investimento e da arbitragem». Para a pesquisadora do TNI, a elaboração de dados científicos nessas áreas é essencial para a promoção de políticas públicas que freiem as ações das corporações transnacionais para que não violem os direitos humanos e o meio ambiente.
O Equador, com vinte e nove processos contra si, é o quinto país da América Latina mais processado por investidores estrangeiros. Essas demandas são geradas, principalmente, no setor de empresas extrativistas de recursos naturais, além de empresas de gás e energia elétrica.
Vinte e uma dessas demandas já têm uma resolução do Tribunal designado para arbitrar. Em catorze casos, o Tribunal beneficiou investidores estrangeiros e condenou o país a pagar-lhes mais de US$ 2,906 bilhões. A esse montante devem ser adicionados quase 1,5 bilhões de dólares adicionais em pagamentos de juros, de defesa legal e custos do processo de arbitragem.
Essas são algumas das conclusões do estudo «Equador. Impactos da Arbitragem Internacional», patrocinado pelo TNI e conduzido pela própria Bettina Müller em conjunto com sua colega, a argentina Luciana Ghiotto. Publicado recentemente, esse estudo contou com o apoio de oito organizações de direitos humanos e ambientalistas do Equador: Acción Acción Título mobiliario emitido por una sociedad de acciones. Este título representa una fracción del capital social. En particular otorga a su titular (el accionista) el derecho a percibir una parte de los beneficios distribuidos (el dividendo) y de participar en las asambleas generales de la empresa. Ecológica, União das Pessoas Afetadas pelas Operações Petrolíferas da Texaco (UDAPT/Amigos da Terra), Aliança pelos Direitos Humanos, Centro de Documentação «Segundo Montes Mozo, S.J.» (CSMM), Centro de Direitos Econômicos e Sociais (CDES), FIAN-Equador, Coordenadora Equatoriana de Organizações de Defesa da Natureza e do Meio Ambiente (CEDENMA) e as Organizações Camponesas de Muisne-Esmeraldas (OCAME) [3].
O relatório detalhado do TNI e seus homólogos locais também se projeta para o futuro e analisa o eventual custo dos oito processos pendentes (um dos quais é promovido pela multinacional petrolífera estadunidense Chevron, sexta do mundo nessa área). Embora apenas o valor reclamado em três desses oito processos pendentes seja conhecido, o valor exigido pelos investidores é de 9,986 bilhões de dólares. Esse valor equivale à soma dos orçamentos da saúde, educação básica e bacharelatos de todo o país para 2024.
O relatório destaca que o fato de serem conhecidos apenas os valores pleiteados em três das oito ações judiciais pendentes «mostra o sigilo desse sistema de arbitragem», que não exige a publicação de qualquer informação sobre as demandas, apesar de que os custos causados pelas mesmas fazem a dívida pública explodir.
Outro aspecto nefasto analisado pelo mesmo relatório é que, paradoxalmente, seis das ações judiciais contra o Estado equatoriano foram registradas após 2017, após a decisão do Equador de denunciar todos os seus tratados bilaterais de investimento, e graças a uma cláusula de caducidade (sunset clause), um mecanismo que faz parte dos Tratados Bilaterais de Investimento, que permite a instauração de processos, retroativamente, em até dez ou mesmo quinze anos após a denúncia de um tratado.
Até o momento, valendo-se desse mecanismo, investidores da Argentina, Canadá, Chile, China, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos, Venezuela, Peru, França, Alemanha, Itália, Suíça, Bolívia, Holanda e Espanha continuam processando o Equador.
O Relatório do TNI resume as principais deficiências desse sistema de arbitragem internacional: falta de transparência nos procedimentos arbitrais; falta de imparcialidade e independência dos árbitros e custos da arbitragem, que são muito mais onerosos do que um julgamento nos tribunais nacionais. Por outro lado, é um sistema unilateral: o investidor é o único que pode iniciar uma ação judicial; Os Estados só podem se defender. Não menos importante, as vítimas de abusos por parte de empresas transnacionais não têm nenhum mecanismo de acesso à justiça.
Importantes atores da sociedade civil equatoriana pedem um voto «Não» contra o referendo sobre a arbitragem internacional no próximo domingo (21). Entre eles, as oito organizações que acompanharam, apoiaram e participaram da elaboração do relatório do TNI, e que já estão cientes dos efeitos negativos dessa forma de arbitragem sobre os direitos humanos e o meio ambiente.
Como lembrado no mesmo relatório, em 2017, o governo criou a Comissão de Auditoria Integral sobre Tratados de Investimento e Sistema de Arbitragem do Equador (CAITISA) para analisar se os compromissos do Equador com o investimento estrangeiro estavam cumprindo os objetivos de desenvolvimento do país estabelecidos pela Constituição progressista de 2008 e pelo Plano Nacional para o Bem Viver executado durante boa parte da década, no governo do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017).
Nesse mesmo ano, a CAITISA apresentou suas conclusões, que mostraram os efeitos nocivos do sistema de arbitragem no país andino. Fundamentalmente, o fato do sistema não ter conseguido atingir o objetivo de promover o investimento direto estrangeiro. Significativamente, apesar das promessas de investimento e desenvolvimento não se concretizarem; ainda assim, os custos públicos foram extraordinários, e os investidores saíram na frente em seus processos contra o país. Após o anúncio dos resultados da auditoria, o governo aceitou a recomendação de encerrar os dezesseis Tratados Bilaterais de Investimento então em vigor.
Em meio a uma acentuada crise institucional, o resultado da votação do próximo domingo, 21, pode ter um impacto notável. E se a proposta de abrir as portas à arbitragem internacional for aprovada – em detrimento da justiça nacional – o impacto pode ser duplo. Um, concreto, jurídico, econômico, que debilitará ainda mais o Estado e o erário público. Outro, ideológico, de narrativa. O Equador terá que renunciar à sua corajosa resistência de quase duas décadas contra os sofisticados mecanismos de dominação internacional, como a arbitragem. E se pode se tornar uma das nações do mundo que aceita abrir mão de seus interesses nacionais em favor de grandes investidores estrangeiros.
Tradução: Rose Lima
es periodista argentino radicado en Suiza. Acreditado ante el Gobiero suizo. Colaborador regular de diversos medios suizos, europeos y latinoamericanos.
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