La Libre – Artigo de opinião publicado a 26 de abril de 2017

Moçambique no menu dos fundos abutre ?

3 de Maio de 2017 por Rémi Vilain


CC - Flickr - Frédéric Glorieux

Cerca de trinta organizações pedem a anulação das dívidas ilegais. Mas os países em causa, entre os quais Moçambique, devem também adoptar leis para combater os efeitos nefastos destes fundos litigiosos.



No final da semana passada tiveram lugar em Washington as reuniões anuais de Primavera realizadas conjuntamente com o FMI e o Banco Mundial. A nova crise da dívida que está iminente nos países do Sul, sendo Moçambique o primeiro da lista, foi um dos principais pontos discutidos.

De facto, em 2013, membros do governo moçambicano contraíram ilegalmente empréstimos em nome de três empresas públicas, no valor de dois mil milhões de dólares, uma ilegalidade perfeitamente conhecida pelos credores. Depois de o governo declarar oficialmente o não pagamento desses empréstimos, o país ficou refém dos fundos abutre.

Aproveitando circunstâncias globalmente favoráveis para os países exportadores de matérias-primas, a situação macroeconómica em muitos países da África subsariana recuperou nos últimos anos, tendo na mira o aumento dos empréstimos. No entanto, a situação inverteu-se devido à queda acentuada dos preços do petróleo, ao aumento das taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. – estando a Reserva Federal dos Estados Unidos na liderança – e ao colapso de várias moedas africanas. Moçambique, considerado por alguns o «milagre» da região, não fugiu a este contexto, que lembra a crise da dívida que ocorreu no início dos anos oitenta.


Feridos de ilegalidade

Uma das principais consequências é um aumento significativo do stock da dívida dos países da região, que duplicou, no caso de Moçambique, entre 2010 e 2015, de 4,130 biliões de dólares para mais de 10 biliões de dólares. Entre os empréstimos obtidos desde 2013, pelo menos três estão feridos de ilegalidade. EMATUM, ProIndicus e MAM, três empresas públicas, contraíram junto do Credit Suisse e do banco russo VTB Capital mais de 2 mil milhões de dólares de empréstimos, não aprovados pelo parlamento de Moçambique, a única instância com competência para contrair empréstimos a nível estatal. De notar que os bancos, na qualidade de credores, têm o dever de vigiar a validade dos empréstimos, não podendo, por essa razão, reclamar dívidas contraídas ilegalmente.

Contratados para a compra de barcos de pesca de atum aos estaleiros navais Constructions mécaniques de Normandie, estes empréstimos foram na realidade usados, sobretudo, na compra de equipamento militar. Na altura em que estes empréstimos ilegais e escondidos foram trazidos à luz do dia, em abril de 2016, depois de o FMI ter suspendido o seu financiamento aos países com baixo rendimento, onde 54 % da população vive abaixo do limiar de pobreza, a agência Standard&Poor’s baixou o rating da dívida soberana para SD/D, ou seja, o mais baixo possível (significando incumprimento ou forte probabilidade de incumprimento).


2000 % de rendimento

Entretanto, o Governo moçambicano anunciou que não estava em condições de pagar aos seus credores e entrou em incumprimento parcial em janeiro 2017, devido à insustentabilidade da sua dívida. Enquanto isto, tendo em conta a responsabilidade e o envolvimento que tinham no negócio tanto o Crédit Suisse como o VTB, estes últimos venderam no mercado secundário as obrigações Obrigações Parte de um empréstimo emitido por uma sociedade ou uma coletividade pública. O detentor da obrigação, ou obrigacionista, tem direito a um juro* e ao reembolso do montante subscrito. Obrigações também podem serem negociadas no mercado secundário. que possuíam relativas às empresas EMATUM, ProIndicus e MAM. Apesar de o FMI, devido às suas responsabilidades, ter conhecimento da situação, exigiu a realização duma auditoria a posteriori para dar a conhecer a dívida externa de Moçambique.

Entretanto, o Governo moçambicano tenta negociar o reembolso destes empréstimos, apesar de ilegais, com os novos titulares das obrigações, entre os quais se encontra o muito influente BlackRock, um dos maiores fundos de investimento do mundo, envolvido nomeadamente em operações de compra de dívida em Espanha e em Portugal. Mas, para além deste, outros fundos abutre poderiam também ser citados.

Os fundos abutres são fundos de investimento que compram a preços muito baixos – no mercado secundário – a dívida dos Estados em dificuldades – a uma fração do seu valor de origem – e, em seguida, exigem o pagamento a 100 %, mais juros e multas. Com essa finalidade, lutam pelo assunto nos tribunais que protegem sobretudo os interesses dos credores. Os lucros que obtêm são, em média, 3 a 20 vezes superiores ao seu investimento, ou seja, conseguem rendimentos de 300 % a 2000 %, realizados à custa das populações que pagam a conta duma dívida de que não vêem a utilidade. Devido ao facto de as obrigações inicialmente detidas pelo Crédit Suisse e o VTB terem sido contratadas ao abrigo da lei britânica, Moçambique encontra-se particularmente ameaçado.


A Bélgica pioneira

Apesar de actualmente cerca de trinta organizações nacionais e internacionais se mobilizarem para reclamarem legitimamente a anulação dessas dívidas ilegais, é necessário que todos os países, incluindo Moçambique, aprovem leis para combater a acção especulativa e prejudicial dos fundos abutre. A Bélgica é pioneira nesse campo, depois de ter aprovado, a 12 de junho de 2015, uma lei que permite lutar contra os fundos abutre. Recomendada especialmente pela ONU, essa lei permite limitar o reembolso dos fundos abutre ao valor a que foram comprados. Com o objectivo de dissuadir outros estados a aprovarem leis semelhantes, esta lei está a ser contestada no Tribunal Constitucional belga pela NML Capital, um fundo abutre com domicílio nas ilhas Cayman, que pertence ao milionário Paul Singer, conhecido por ter apreendido o dinheiro da cooperação para o desenvolvimento belga, que se destinava inicialmente às populações do Congo-Brazzaville.

Para completar esta indispensável acção, o CADTM recomenda, contrariamente àquilo que é patrocinado pelo FMI no momento, a realização duma auditoria integral à dívida moçambicana, independente dos credores e levada a cabo pelos moçambicanos-as com o objectivo de repudiarem todas as dívidas ilegais, ilegítimas e odiosas do país. A auditoria permite demonstrar a origem fraudulenta e ilegítima das dívidas compradas pelos fundos abutre.

O autor agradece as leituras prévias do artigo e as sugestões feitas por Renaud Vivien, Broulaye Bagayoko e Claude Quémar.


Tradução: Maria da Liberdade, Revisão: Rui Viana Pereira


Para ajudar os Estados a fazerem face aos fundos abutre, assinem, por favor, a nossa Petição para defender e internacionalizar a lei belga sobre os fundos abutre.


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