26 de Abril por CADTM
De 21 a 23 de abril de 2023 decorreram em Madrid as jornadas internacionais contra as dívidas ilegítimas e os fundos abutre. Foram três dias de trabalho intenso em que participantes de diversos sectores e países abordaram, presencial e remotamente, de maneira crítica, o problema da dívida e dos fundos abutre, a fim de fazer um diagnóstico, trocar experiências e encontrar soluções para os problemas identificados e suas consequências.
Foi uma iniciativa organizada pela Plataforma contra os Fundos Abutre, que integra a auditoria cidadã para o sector da saúde, El Pueblo que Queremos, ATTAC Espanha, a Coordinadora de Vivienda de Madrid, CADTM, Ecologistas en Acción, FRAVM y Observatorio CODE. Contaram com a participação da Fundação Rosa Luxemburgo e a Plataforma Auditoria Cidadã da Dívida (PACD).
As jornadas terminaram com o lançamento e leitura do «Manifesto de Madrid contra a Dívida Ilegítima e a Actuação dos Fundos de Investimento», que congrega as diversas propostas apresentadas e que passamos a transcrever:
Manifesto de Madrid contra a dívida ilegítima e a actuação dos fundos de investimento
A economia mundial das últimas décadas caracteriza-se pela supremacia do capital financeiro, tanto no plano político como económico. Isto não teria sido possível sem as grandes transformações ocorridas na década de 1980, que lançaram as bases de uma acumulação favorável aos interesses do capital, graças à mundialização das economias e a abertura das mesmas ao exterior, em particular a liberalização dos mercados financeiros internacionais, e também a liberalização e a privatização de sectores produtivos de base, bem como a constante descida dos rendimentos do trabalho no produto nacional.
A história mostra-nos a recorrência das crises, que dão prova das fraquezas intrínsecas do funcionamento do sistema capitalista. A natureza das crises financeiras tem como substrato comum que os sistemas financeiros entram em uma expansão de crédito muito além dos parâmetros racionais e que os recursos oferecidos pelas instituições financeiras, tanto públicas como privadas, provocam espirais de endividamento nos agentes económicos.
Há quinze anos surgiu uma das piores crises da dívida no sistema bancário americano, logo propagada a todos os sistemas financeiros. Na Europa rebentou sob a forma de crise bancária, porque os bancos detinham 80 % dos empréstimos hipotecários.
As autoridades europeias e o Estado espanhol reagiram com um conjunto de medidas para salvar os bancos. Resultado: milhões de pessoas perderam o emprego, a habitação, a protecção social, e as mulheres foram particularmente afectadas.
A receita do Banco Central
Banco central
Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE).
Europeu (BCE
Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
), da Comissão Europeia e do FMI consistiu em impor políticas de austeridade, traduzidas por cortes nos direitos sociais. A prioridade foi salvar o sistema e restaurar a confiança no sector financeiro.
Quinze anos volvidos, é caso para perguntar se a situação melhorou ou piorou.
O panorama da dívida pública
Dívida pública
Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social.
nos países europeus agravou-se consideravelmente, em relação aos níveis anteriores à pandemia. Três anos após a emergência sanitária do covid-19, e após quase dois anos de investimentos e ajudas públicas visando a recuperação económica e a contenção da crise energética, os estados-membros vêem-se a braços com um elevado nível de endividamento – no caso do estado espanhol, com uma dívida pública central de 116 % do PIB
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
; no caso de governos periféricos como o do país valenciano, mais de 50 % do seu PIB –, ao mesmo tempo que as grandes empresas obtêm máximos históricos nos seus lucros e grande parte da cidadania europeia entra em apuros.
A principal causa deste aumento é a decisão dos governos de não taxar as grandes empresas que tiraram proveito da crise sanitária e energética e da guerra para aumentar ilegitimamente os seus lucros. Em vez de financiar a despesa pública aumentando os impostos sobre os mais ricos, em especial os que enriqueceram durante a crise à custa da desgraça da população, os governos recorreram mais uma vez ao endividamento ilegítimo.
Actualmente, no Estado espanhol, as despesas anuais do serviço da dívida limitam de forma pronunciada o investimento na cobertura das necessidades sociais básicas essenciais para a cidadania, como por exemplo, a saúde, a habitação, os serviços sociais, a educação, etc. A dívida tornou-se insustentável.
Perante este preocupante endividamento público, a Comissão Europeia (CE) apresentou em novembro de 2022 uma proposta de reforma no âmbito da governação económica europeia, para debater e negociar com os estados o regresso ao Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Trata-se do princípio sacrossanto de não superar os «3 % de défice» e «60 % de dívida pública» em nome da estabilidade da economia europeia e do euro.
Segundo a Comissão, chegou o momento de saldar contas e pensar em regressar ao PEC. Isto é preocupante, porque levanta uma pergunta: quem irá pagar toda esta dívida? Estaremos à beira de uma nova onda de cortes e políticas de austeridade?
Entretanto, o casino financeiro global segue o seu rumo e continua a representar um risco importante para a sociedade; os lobbies corroem a democracia e a dívida mundial continua a crescer; a evasão aos impostos é sistemática, endémica e estrutural; o grande capital privado apoderou-se da chamada transição ecológica; os grandes fundos de investimento colonizaram os serviços públicos essenciais e a economia produtiva.
Com a decisão do BCE de subir bruscamente as taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. , seguindo o exemplo da Reserva Federal norte-americana, agudizou-se a nova crise da dívida pública e privada, que afecta principalmente os países do Sul. Pouco a pouco, a subida das taxas de juro tornará cada vez mais insuportável o reembolso das dívidas públicas e privadas. Os movimentos contra as dívidas ilegítimas, que tinham retrocedido nos últimos anos, durante o período de dinheiro barato, tenderão a reactivar-se.
Pensamos que este encontro em Madrid nos oferece a oportunidade de abrir um novo espaço para o debate público sobre as causas profundas da crise e o que pretendemos fazer com o sector financeiro. Devemos defender o nosso futuro e impor uma solução socialmente justa para a dívida actual. Estamos decididos a intensificar a luta pelo controlo democrático das finanças e pela socialização da banca. A economia deve estar ao serviço da política e a política deve satisfazer as necessidades humanas.
Denunciamos o impacto negativo das visões de curto prazo sobre os mercados financeiros, que dominam as formas de desenvolvimento das sociedades, alimentam as desiguladades sociais, a pobreza, as soluções políticas estatalmente centralizadoras, autoritárias e austeritárias, o colapso dos serviços públicos e as alterações climáticas.
Em relação à dívida, exigimos:
Em relação aos fundos de investimento e aos fundos abutre:
Sonhemos um pouco… O que propomos acima pressupõe que os avisos e exigências do movimento social e cívico foram finalmente escutadas pelas autoridades internacionais, europeias e nacionais, o que por sua vez implica a aplicação de reformas radicais para regular o sistema económico-financeiro. As suas decisões devem ser inspiradas pelo interesse público, pela voz dos cidadãos. Além disso, é prioritário acabar com as desigualdades e com os problemas do meio ambiente.
Traduzido por Rui Viana Pereira
26 de Maio, por CADTM
Declaração
Razões para o CADTM não concordar com a troca de «dívida por ação climática»13 de Dezembro de 2022, por CADTM
26 de Maio de 2022, por CADTM
7 de Fevereiro de 2022, por CADTM
Comunicado de imprensa do CADTM internacional
Mais de 350 personalidades de todo o mundo apoiam o Manifesto "Fim do Sistema de Patentes Privadas”10 de Junho de 2021, por CADTM
Série : L’ABC du Capital au XXIe siècle de Thomas Piketty
Thomas Piketty e o Capital no Século XXI: rigor na investigação, confusão na teoria8 de Abril de 2021, por CADTM
Série: ABC do Capital no Século XXI de Thomas Piketty
Thomas Piketty: um imposto mundial e progressivo sobre o capital29 de Março de 2021, por CADTM
Série: ABC do Capital no Século XXI de Thomas Piketty
Piketty, o CADTM e a dívida pública26 de Março de 2021, por CADTM
Série: ABC do Capital no Século XXI de Thomas Piketty
Neoliberalismo: alargamento do leque salarial e benefícios fiscais para o Capital24 de Março de 2021, por CADTM
Série: ABC do Capital no Século XXI de Thomas Piketty
A evolução das desigualdades patrimoniais no decurso dos dois últimos séculos14 de Março de 2021, por CADTM