16 de Junho de 2011 por Yorgos Mitralias
Duas semanas depois de começar, o movimento grego dos «indignados» lota as praças principais de todas as cidades com multidões que gritam sua ira e fazem tremer o governo de Papandreu e seus partidários locais e internacionais. Já é mais que um movimento de protesto ou inclusive uma mobilização em massa contra as medidas de austeridade. Se transformou em uma genuína rebelião popular que se espalha pelo país. Uma rebelião que pregoa a negativa de um povo de pagar pela «sua crise» ou «sua dívida» enquanto faz perder compostura não apenas aos dois grandes partidos neoliberais, mas a todo o mundo político.
Quantos estiveram na praça Syntagma (praça da Constituição) no centro de Atenas, diretamente em frente ao edifício do Parlamento, no domingo 5 de junho de 2011? Custa dizer, já que uma das características destas mobilizações populares é que não há um evento chave (discurso ou show) e as pessoas vão e vêm. Mas segundo as pessoas responsáveis pelo metrô de Atenas, que sabem calcular a quantidade de passageiros, pelo menos 250.000 pessoas convergiram em Syntagma nessa noite memorável. Na realidade, centenas de milhares de pessoas, se acrescentamos as manifestações «históricas» que aconteceram nas praças principais de outras cidades gregas.
No entanto, nesta situação devemos fazer a pergunta: como é possível que um movimento de massas semelhante, que estremece o governo grego (no qual a UE tem um interesse particular), não seja mencionado em absoluto na mídia ocidental? Durante estes primeiros doze dias não houve praticamente nem uma palavra, nem uma imagem dessas multidões sem precedentes que manifestavam a sua ira contra o FMI, a Comissão Europeia, a «Troika
Troika
A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
» [FMI, Comissão Europeia e Banco Central
Banco central
Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE).
Europeu (BCE
Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
)] e contra Frau Merkel e os dirigentes neoliberais internacionais. Nada. Com a exceção ocasional de umas poucas linhas sobre «centenas de manifestantes» nas ruas de Atenas, seguindo um chamado dos sindicatos gregos. Isto demonstra uma estranha predileção por esquálidas manifestações de burocratas sindicais enquanto, a centenas de metros, imensas multidões se manifestaram até a noite durante dias e semanas.
Voltando aos «indignados» gregos ou Aganaktismeni, é preciso apontar que o movimento se enraiza cada vez mais entre as classes humildes contra uma sociedade grega que foi formada por 25 anos de total dominação de uma ideologia neoliberal cínica, nacionalista, racista e individualista que converteu tudo em mercadorias. Por isso a imagem resultante é muitas vezes contraditória, já que mistura o melhor e o pior entre ideias e ações. Como por exemplo quando a mesma pessoa mostra um nacionalismo grego que beira o racismo enquanto agita uma bandeira tunisiana (ou espanhola, egípcia, portuguesa, irlandesa, argentina) para mostrar solidariedade internacionalista a esses povos.
Devemos, portanto, concluir que esses manifestantes são esquizofrênicos? Claro que não. Como não existem milagres, ou rebeliões populares politicamente «puras», o movimento se torna gradualmente mais radical enquanto continua marcado por esses 25 anos de desastre moral e social. Mas cuidado: todos os seus «defeitos» se incorporam na sua característica principal, isto é, sua rejeição radical ao Memorando, à Troika, à dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. , ao governo, à austeridade, à corrupção, à uma democracia parlamentar fictícia, à Comissão Europeia, resumindo, a todo o sistema!
Certamente não é por casualidade que nas últimas duas semanas os manifestantes tenham gritado frases como «Não devemos nada, não vendemos nada, não pagamos nada!», «Não vendemos nem nos vendemos!», «Que todos vão embora: Memorando, Troika, governo e dívida!» ou «Vamos ficar até eles irem embora!». Semelhantes consignas unem todos os manifestantes em sua negativa de pagar a dívida pública. Por isso a campanha por uma Comissão de Auditoria da dívida pública é um grande sucesso em todo o país. O seu lugar no meio da praça Syntagma é sitiado constantemente por uma multidão ansiosa para assinar o chamado ou para oferecer serviços como voluntário.
Apesar de que no começo estavam totalmente desorganizados, os Aganaktismeni de Syntagma desenvolveram gradualmente uma organização que termina na Assembleia Popular realizada cada noite às 9 e que atrai centenas de oradores diante de uma atenta audiência de milhares de pessoas. Os debates são frequentemente de grande qualidade (por exemplo sobre a dívida pública), na realidade muito melhores do que qualquer coisa que possa ser vista nos principais canais de televisão. Isto, apesar do barulho nas imediações (estamos no meio de uma cidade de 4 milhões de habitantes), dezenas de milhares de pessoas em constante movimento, e principalmente a variada composição dessas enormes audiências no meio de um acampamento permanente que às vezes parece uma Torre de Babel.
Todas as qualidades da democracia direta como é vivida dia a dia em Syntagma não nos cegam diante das suas debilidades, ambiguedades e defeitos, como a sua alergia inicial a qualquer coisa que soe a partido político, sindicato ou coletividade estabelecida. Ainda que devamos reconhecer que esta rejeição é uma característica dominante entre os Aganaktismeni, que tendem a rejeitar o mundo político em seu conjunto, é preciso destacar o dramático desenvolvimento da Assembleia Popular, tanto em Atenas como em Tessalônica, que passou de uma rejeição aos sindicatos ao convite de que viessem e se manifestassem com eles em Sytnagma.
Obviamente, à medida que passaram os dias, a paisagem política na praça Syntagma se esclareceu, com a direita popular e a extrema direita localizadas na seção superior, na frente do Parlamento, e a esquerda anarquista e radical na própria praça, com controle da assembleia popular e do acampamento permanente. Ainda que a esquerda radical domine e tinja de um vermelho profundo todos os eventos e manifestações em Syntagma, isto não significa que os diversos componentes da direita, de populistas a nacionalistas, de racista e inclusive neonazista, não continuem tentando se apropriar deste movimento popular.
Vão perserverar e vai depender em grande parte da capacidade da vanguarda do movimento o fato que este se enraize adequadamente nas vizinhanças, nos locais de trabalho e escolas, enquanto define claros objetivos que relacionem as imensas necesidades imediatas e uma ira reivindicativa contra o sistema.
Ainda que seja bem diferente do movimento espanhol por suas dimensões, sua composição social, sua natureza radical e sua heterogeneidade política, o movimento de Syntagma compartilha com a praça Tahrir do Cairo e a Puerta del Sol de Madri o mesmo ódio à elite econômica e política que se apropriou e esvaziou de todo significado a democracia parlamentar burguesa em tempos de neoliberalismo arrogante e desumano. O movimento é empurrado pelo mesmo desejo ardente, não violento, democrático e participativo, que está em todas as rebeliões populares do começo do Século XXI.
Yorgos Mitralias é membro fundador do Comitê Grego contra a Dívida, que está filiado à rede internacional de CADTM. Veja o site do Comitê Grego: http://www.contra-xreos.gr/
O jornalista, Yorgos Mitralias é membro fundador do Comitê contra a Dívida Grega, organização afiliada do Comitê para a Anulação da Dívida dos Países do Terceiro Mundo (CADTM) e da Campanha grega para a auditoria da dívida.
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