12 de Setembro de 2017 por Eric Toussaint
Maria II / Dom Miguel (CC - Wikimedia)
Após a luta pela sucessão, que durou de 1831 a 1834, a rainha dona Maria II repudiou o empréstimo emitido em 1833 pelo autoproclamado rei dom Miguel. Dona Maria II justificou o repúdio dizendo que os banqueiros não deviam ter emprestado a dom Miguel, por ele ter usurpado a coroa. O empréstimo tinha sido emitido em Paris em 1833, por intermédio dos banqueiros Outrequin e Jauche, no montante de 40 milhões de francos, a reembolsar em 32 anos, com 5 % de juros. Os banqueiros não tinham hesitado em correr riscos: aquando da emissão do empréstimo em Paris, defrontavam-se em Portugal dois exércitos em luta pela sucessão do trono.
Os banqueiros, tal como já tinham feito em relação a outros empréstimos, deduziram do montante emprestado em nome de Portugal a dom Miguel os juros referentes ao período de um ano e meio, que foram entregues aos detentores dos títulos. Dom Miguel não pôde prosseguir os pagamentos, por ter sido deposto em 1834. Depois disso, a rainha dona Maria II suspendeu o pagamento em 1835-36, antes de proceder ao repúdio puro e simples do empréstimo em 1837.
Os detentores dos títulos de dívida constituíram uma comissão que se desdobrou em iniciativas para obter o reembolso, sempre em vão durante 54 anos. [1] Em 1891, o sucessor de dona Maria II acabou por conceder um pagamento ridículo, equivalente a 2,5 milhões de francos (recorde-se que o empréstimo inicial elevava-se a 40 milhões). Esses 2,5 milhões correspondiam à soma que a rainha tinha conseguido recuperar dos cofres do usurpador dom Miguel.
É interessante verificar que, mal-grado a suspensão e o repúdio da dívida, e apesar dos protestos que suscitou, Portugal conseguiu emitir novos empréstimos em Paris e em Londres depois de 1836-37. Empréstimos sobre os quais Portugal entra em incumprimento de pagamento muito rapidamente, o que não impediu que entre 1856 e 1884 fossem emitidos 14 empréstimos, no montante de 58,4 milhões de libras esterlinas.
Tradução: Rui Viana Pereira
[1] Aliás, os detentores dos títulos perderam o primeiro processo que intentaram em França contra Portugal em 1879. Ver William Wynne, State Insolvency and Foreign Bondholders. Selected Case Histories of Governmental Foreign Bond Defaults and Debt Readjustments, vol. 2, New Haven, Yale University Press, 1951, pp. 361-386. Todas as informações sobre o repúdio das dívidas por Portugal provêm dessa obra.
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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