Comunicado de imprensa
5 de Setembro de 2022 por CADTM International
Foto de Jonathan Petersson en Unsplash
Muitos povos e países chegaram actualmente a uma situação crítica, devido ao aumento de preço dos alimentos e à impossibilidade de acederem a certos produtos alimentares de base em quantidade suficiente. Ao contrário do que veiculam numerosos meios de comunicação social, a causa principal não é a guerra na Ucrânia; a crise alimentar que enfrentamos resulta acima de tudo de uma crise profunda e estrutural do modo de produção capitalista na sua fase neoliberal.
Os factos são gritantes: entre 2014 e 2021, o número de pessoas vítimas de insegurança alimentar grave aumentou vertiginosamente, passando de 565 milhões para 924 milhões. Em maio de 2022, o Conselho das Nações Unidas fez soar o alarme: estamos perante o aparecimento de novas crises alimentares.
Embora a invasão da Ucrânia tenha fragilizado numerosos países, a crise alimentar começou muito antes do conflito. Paradoxalmente, há mais de meio século que a produção alimentar mundial aumenta mais rapidamente do que o crescimento demográfico e a colheita mundial de cereais bateu um recorde histórico em 2021. Ao mesmo tempo que as nossas sociedades produzem recursos alimentares abundantes, um ser humano em cada 10 passa fome no mundo.
Como chegámos aqui?
A crise alimentar que fustiga violentamente os países do Sul Global não resulta de uma penúria de cereais, mas sim de um problema de distribuição. É essencial recordar que uma grande parte desses países foi obrigada nas últimas décadas a ligar-se aos mercados internacionais, por pressão de instituições como o Banco Mundial e o FMI, tornando-se assim dependente das importações de cereais e outros alimentos de base. Em tempo de crise, brutalmente afectados pelo aumento dos preços, os países que reduziram em grande medida as suas actividades agrícolas locais já não conseguem obter cereais em quantidade suficiente. Note-se igualmente que embora haja populações inteiras sem cereais suficientes para se alimentarem, 10 % dos cereais produzidos em todo o mundo servem actualmente para produzir carburantes e 35 % destinam-se a alimentar a criação de gado.
A especulação
Trading
especulação
Operação de compra e venda de produtos financeiros (acções, futuros, produtos derivados, opções, warrants, etc.) realizada na mira de obter um lucro a curto prazo.
à custa da fome tem de acabar
O modelo neoliberal leva os países a serem violentamente afectados pela insegurança alimentar. Permite que as grandes sociedades capitalistas dominem o mercado financeiro Mercado financeiro Mercado de capitais a longo prazo. Inclui um mercado primário (o das emissões) e um mercado secundário (o da revenda). A par dos mercados regulamentados encontramos mercados fora da bolsa, onde não existe a obrigação de satisfazer regras e condições mínimas. e transformem o comércio e a distribuição dos produtos alimentares e agrícolas em um mercado altamente especulativo, tirando proveito da explosão de preços e da fome. Entre os mais recentes factores responsáveis pelo agravamento da crise alimentar, encontramos uma especulação massiva em curso nos mercados de cereais, desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia. Os preços do trigo e do milho aumentaram artificialmente cerca de 50 % numa quinzena de dias.
Conforme é demonstrado num artigo do CADTM, na conjuntura actual as populações rurais do Sul, desapossadas do valor das suas produções agrícolas, continuam a ser as mais pobres, enquanto a nível mundial quatro empresas do Norte controlam 70 % do mercado de cereais e obtêm lucros colossais.
Há décadas que a especulação sobre a fome e a lógica da acumulação de capital em proveito de uma minoria gera crises alimentares dramáticas. Ao recusarem atacar as causas profundas das crises pelas quais são responsáveis, as grandes instituições financeiras e os estados continuam a aplicar políticas que privilegiam os interesses do agronegócio, com desprezo pelo direito dos povos a disporem da sua soberania alimentar.
É possível erradicar a fome, desde que ataquemos as suas causas estruturais
Ninguém pode afirmar seriamente que luta contra a fome se não identificar as suas causas fundamentais e os responsáveis que se aproveitam da situação actual. O modelo agrícola capitalista assenta numa produção intensiva para exportação e no desenvolvimento do agronegócio. O açambarcamento de terras e de recursos hídricos tem acelerado em toda a parte do mundo. A utilização de energias fósseis, pesticidas e adubos químicos contribui para as mudanças climáticas e portanto para as secas recorrentes. As regulamentações sobre produção e comercialização das sementes monopolizadas por um punhado de multinacionais destroem os sistemas camponeses de sementes. A marginalização da agricultura camponesa, que no entanto é responsável por 70 % da produção alimentar a nível mundial, acentua-se.
A dívida e os acordos de livre troca são dois mecanismos de dominação que permitem generalizar este modelo neoliberal de produção agrícola, nomeadamente nos países do Sul Global.
Promover a soberania alimentar implica lutar contra os mecanismos do sistema produtivista e capitalista. A rede do CADTM reivindica a anulação da dívida ilegítima para satisfazer as necessidades humanas fundamentais, entre as quais o acesso a uma alimentação decente.
Ao apoiar as soluções formuladas pela Via Campesina, o CADTM concorda que a solução para a crise assenta na aplicação urgente de um projecto de soberania alimentar alternativo ao actual reinado do agronegócio. Para erradicar a fome, é vital apoiarmo-nos num modelo de justiça económica. Um modelo em ruptura radical com as políticas neoliberais que destroem as agriculturas do Sul e os ecossistemas, ao mesmo tempo que sacrificam a segurança alimentar de milhões de pessoas no altar dos mercados financeiros.
Da lista de propostas da Via Campesina desenvolvidas em pormenor no nosso artigo «A Crise Alimentar Internacional e as Propostas para Sair Dela», citamos:
Para mais informações, consultar o artigo do CADTM «A Crise Alimentar Internacional e as Propostas para Sair Dela», da autoria de Éric Toussaint e Omar Aziki.
Tradução: Alain Geffrouais e Rui Pereira
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