Série: O contexto internacional das indignações mundiais (4/5)
28 de Janeiro de 2012 por Eric Toussaint
Encontramos algumas características comuns na primavera árabe, Occupy Wall Street, e nos Indignados, em 2011.
1. Os manifestantes tornam a investir a praça pública, chegando a instalar-se nela; multiplicam-se os protestos de rua. No passado, as acções radicais começavam frequentemente no local de trabalho ou de estudo e compreendiam a ocupação das instalações (fábricas, escolas, universidades, etc.). Embora as greves e as ocupações de fábricas ou estabelecimentos escolares se verifiquem em países tais como o Egipto e a Grécia, a forma de acção mais corrente consiste em reconquistar o espaço público. Uma parte considerável dos manifestantes não pode organizar-se no local de trabalho, nomeadamente por causa da repressão e da dispersão dos trabalhadores; um grande número de participantes não tem emprego (uma das razões do seu empenho na acção) ou tem de se contentar com um emprego precário. Nalguns países, esses manifestantes incluem um grande número de diplomados no desemprego. Na Espanha, gravemente atingida pela crise imobiliária, ou em Israel, onde a falta de habitação para pessoas de baixo rendimento é gritante, as vítimas da crise imobiliária estão fortemente representadas. Além destas razões, a vontade de ocupar a praça pública tem muito a ver com a vontade das pessoas de se reagrupar, contar forças, fazer uma demonstração de forças ao poder que, na Tunísia, Espanha, Grécia e no Egipto (e, para boa parte dos manifestantes, nos EUA) é encarado como completamente insensível às necessidades e reivindicações da maioria dos cidadãos e cidadãs do país. A exigência duma democracia autêntica está no cerne do movimento.
2. Em diversos países a comunicação e mobilização através das redes sociais digitais (facebook, twitter, etc.) desempenhou um papel importante, ainda que não se deva exagerar a apreciação do fenómeno.
3. A forma “assembleária” do movimento constitui uma característica comum. Nesse sentido, nota-se uma reticência, quando não recusa categórica, de eleger delegados. Procura-se a democracia directa e participativa.
4. Em vários países, a desobediência civil foi reivindicada e praticada sistematicamente enquanto acto de resistência ao poder totalitário (no caso da Tunísia e do Egipto) ou perante um poder autista que não hesita em recorrer à repressão para esvaziar as praças públicas ou pura e simplesmente impedir os ajuntamentos (como acontece regularmente nos EUA). Estamos a cem léguas dos protestos tradicionais que fazem lembrar mais as procissões que as marchas de protesto. De certa forma, esse movimento traduz um salto qualitativo. Ao passo que a ideologia dominante e a repressão tinham conseguido individualizar, fragmentar os comportamentos com base no medo (medo da repressão, medo de perder o emprego, medo de perder a habitação, medo de perder a reforma, medo de perder as poupanças, etc.) até então, a amplitude da crise e o facto de ter sido alcançada uma massa crítica de manifestantes levou muitas pessoas a quebrar o isolamento; a ideia de não ter muito a perder conta muito. Para a maioria dos participantes no movimento trata-se do seu primeiro combate colectivo com dimensão política.
5. Na maioria dos casos, não houve elaboração de um programa de reivindicações, ainda que os grupos de trabalho do movimento dos Indignados espanhóis tenham produzido propostas e declarações. Neste aspecto, convém sublinhar a importância da declaração comum entre a Puerta del Sol e a praça Syntagma intitulada “Apelo Sol-Syntagma”, onde se afirma, designadamente: “Não ao pagamento da dívida ilegítima. Esta dívida não é nossa! Não devemos nada, não vendemos nada, não pagaremos nada [1]!” . No caso da Tunísia e do Egipto, houve entretanto um acordo quanto a uma reivindicação central: a deposição do ditador, expressa numa exortação muito clara: “Desanda!”
6. Os manifestantes não se juntaram numa base identitária de etnia, religião, classe, geração, orientação política. A diversidade predomina, ainda que certas categorias dos mais explorados estejam sub-representadas em certos casos. A fórmula adoptada nos EUA por Occupy Wall Street alastrou rapidamente a todo o planeta: “Nós somos os 99%”.
Poder-se-ia acrescentar uma sétima característica comum: em nenhum caso o Fórum Social, o Fórum Social Europeu, o Fórum Social das Américas foram uma referência para os manifestantes. O termo antiglobalização (ou alter mundialismo) tão-pouco faz parte das referências. Deste ponto de vista, o ciclo aberto pela criação do Fórum Social Mundial em 2001 parece estar encerrado; abre-se um novo ciclo; a ver vamos no que dará. O importante é participar.
Para além dos pontos comuns, as diferenças saltam à vista. Nos países do Norte de África e do Próximo Oriente, os alvos principais são os regimes ditatoriais e autoritários (ainda que a questão social esteja bem presente e no alicerce do movimento). Nos países mais industrializados, o alvo são os banqueiros e os governantes ao seu serviço. A defesa do bem comum Bem comum Em economia, os bens comuns caracterizam-se pelo modo de propriedade colectiva, distinguindo-se da propriedade privada e da propriedade pública. Em filosofia, designam o que é partilhado pelos membros duma comunidade, do ponto de vista jurídico, político ou moral. é um ponto de convergência. A questão social exprime-se na forma de recusa do trabalho precário e da privatização dos serviços públicos (educação, saúde, etc.), da necessidade de encontrar uma solução para a habitação e as dívidas hipotecárias (em particular em Espanha e nos EUA, países onde se junta a dívida dos estudantes, que totaliza mil milhões de dólares), da recusa em pagar a crise provocada por 1% de muito ricos…
No meio dos países mais industrializados encontramos outra diferença muito grande entre a radicalização do movimento na Grécia, com uma possível crise pré-revolucionária à maneira da Argentina de 2001-2002, e a situação da Espanha, já para não falar dos EUA. A diferença histórica destes países e dos seus movimentos sociais, o diferente grau de implantação dos partidos políticos da esquerda dura (a esquerda radical grega, incluindo o partido comunista, pode representar perto de 25 a 30% do eleitorado e influenciar grande parte do movimento sindical, o mesmo acontecendo em Portugal; o panorama é bem diferente nos EUA), não são anulados pelo movimento nascido em 2011.
Traduccão: Rui Viana Pereira; Revisão: Noémie Josse Dos Santos
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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