Um Fórum Econômico sem brilho

Davos desvalorizado

16 de Janeiro por Sergio Ferrari


O Fórum Econômico Mundial de Davos não será o que foi no passado. Nem os protestos mornos do movimento antiglobalização contra esse think tank de pensamento hegemônico são os mesmos de antes.



Convocado para 15 de janeiro, nem a imprensa suíça nem a internacional deram especial atenção a Davos até uma semana antes, o que é ainda mais sugestivo se considerarmos que desde 1971 o Fórum Econômico Mundial tem sido um grande evento entre os principais empresários e gestores da economia global. Mais de mil participantes pagaram milhares de dólares por sua inscrição na 54ª edição deste encontro na cidade de Davos, a cerca de 270 quilômetros de Berna, capital suíça. Representantes de governos de cem países também confirmaram presença. De acordo com os organizadores, cerca de 2.500 participantes, entre jornalistas, funcionários de organismos internacionais e representantes de outras organizações, se reunirão durante quatro dias em Davos, no cantão alpino de Grisões. Um terço dos participantes, principalmente banqueiros, gestores de multinacionais e representantes governamentais, chegará e sairá em voos privados.

Entre os chefes de governo, a presença do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é quase certa. Como havia antecipado em dezembro durante sua viagem à Argentina e ao Uruguai, Zelensky vem a Davos e traz sua “fórmula de paz” (cuja versão original é do final de 2022) para discuti-la com os conselheiros de segurança de cerca de 80 países que viajaram à cidade suíça com esse propósito [1].

A questão ucraniana significaria uma “tábua de salvação midiática” para a reunião de Davos, que há várias edições vem perdendo relevância política e repercussão internacional devido à sua falta de resposta às últimas grandes crises econômicas e políticas, bem como sua insistência em um modelo global de sociedade que favorece a poucos.

Na quarta-feira, dia 10, o diário suíço gratuito 20 Minuten (20 Minutos) deu a capa a “Milei Motosserra” (título textual) e confirmou a sua viagem a Davos. De acordo com as informações oficiais do Fórum, apenas dois presidentes de países da América Latina confirmaram presença: o presidente argentino e seu homólogo colombiano, Gustavo Petro. Da União Europeia: o chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez; o presidente francês, Emmanuel Macron; e Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia. A delegação chinesa de alto nível será liderada pelo primeiro-ministro Li Chian. Apesar das surpresas de última hora, e não por conta dos presentes, a 54ª edição será avaliada pelas grandes ausências, ou seja, a ausência das principais personalidades políticas mundiais que este ano descartaram a viagem a Davos de suas agendas.

Embora seu próprio diagnóstico da complexa realidade internacional pareça coincidir com uma visão amplamente aceita em nível global, de qualquer forma, sua linguagem etérea em relação aos grandes desafios atuais e às questões do futuro reitera a essência de um conclave sem alternativas e diagramado, fundamentalmente, para ratificar o atual modelo hegemônico.

 Slogan ao vento

«Reconstruir a confiança» é o tema central do Fórum Econômico Mundial, que, como indicam seus promotores, busca proporcionar um espaço crucial para reforçar os princípios fundamentais de transparência, coerência e prestação de contas. E que, como resultado, busca incorporar um espírito de «volta ao básico», de diálogo aberto e construtivo entre governo, empresas e líderes da sociedade civil.

Com o objetivo específico de “ajudar a conectar os pontos em um ambiente cada vez mais complexo e oferecer uma visão de futuro, apresentando os últimos avanços da ciência, da indústria e da sociedade”, o Fórum 2024 propõe quatro áreas de debate e reflexão por meio de centenas de conferências e debates: “Segurança e cooperação em um mundo fraturado”, «Crescimento e emprego para uma nova era», “A inteligência artificial como motor da economia e da sociedade” e Uma estratégia a longo prazo para o clima, a natureza e a energia [2].

A questão da crise continua a preocupar os organizadores do Fórum Econômico. Recordam que no ano passado, em Davos, “a palavra policrise estava na boca de todos”, tantas eram as crises em cascata e profundamente interligadas naquele momento. Segundo eles, mesmo quando novas crises estão surgindo, as antigas ainda persistem. Como reconhecem no convite para este evento, “as fraturas geopolíticas, uma crise generalizada do custo de vida, a frágil segurança energética e alimentar e, claro, a intensificação da emergência climática, continuam a ser um foco de atenção”. E acrescentam: “Os conflitos devastadores, embora relativamente isolados, continuam a grassar e as turbulências financeiras continuam sendo uma preocupação, embora a economia global esteja evitando uma recessão”. Tudo isso leva à questão essencial com a qual o novo Fórum Econômico terá que lidar em poucos dias: o próximo ano será um período de permacrise (um longo período de instabilidade e insegurança devido a eventos catastróficos)? Ou 2024 será um momento de resolução e recuperação?

 Militarização davosiana

Em 9 de janeiro, mais de 5.000 militares foram destacados para a região de Grisões. Segundo fontes oficiais, permanecerão mobilizados até o dia 25 de janeiro. No dia 8 de janeiro, o Departamento Federal de Defesa informou que uma parte dessas forças será designada diretamente para o Vale do Rio Landwasser, onde Davos está localizada. Outra parte desse contingente vai proteger «infraestruturas importantes e prestará serviços em particular para manter a soberania aérea, assegurar a logística ou contribuir para a condução das operações». [3].

Em suma, mais de duas semanas durante as quais uma parcela significativa do território suíço estará extremamente militarizada para garantir a realização do Fórum. Para o contribuinte suíço, isso representa uma conta de nada menos que 9 milhões de francos (quase US$ 11 milhões).

 Anti-Davos

Se o Fórum Econômico parece ter perdido sua importância, nos últimos anos aqueles que se opõem a ele também diminuíram seu potencial crítico.

Na última semana de janeiro de 2001, quando se reunia o Fórum Empresarial em Davos, Suíça, nascia em Porto Alegre, Brasil, o Fórum Social Mundial (FSM). Por causa dessa simultaneidade, que não teve nada de casual, não surpreendeu a ninguém que o Fórum Social se definisse como o “Anti-Davos do Sul”.

Sob a bandeira do orçamento participativo e como canal para crescentes protestos em diferentes partes do mundo contra a globalização neoliberal, o FSM expandiu-se em menos de duas décadas por meio de quinze fóruns mundiais e inúmeros eventos regionais, temáticos e continentais.

Tensões internas, um certo desgaste dos movimentos sociais e a pandemia da Covid-19 o prejudicaram, o que explica porque seu último encontro presencial com alguma relevância e capacidade de convocação foi em maio de 2018, na cidade brasileira de Salvador, na Bahia. Desde então, edições totalmente digitais ou híbridas – como a de 2023, no México – não conseguiram repetir a ampla participação histórica que ocorreu até 2018. Nos últimos cinco anos, a crise do FSM se aprofundou. No entanto, o FSM não aceita seu próprio desaparecimento e se reúne novamente em Katmandu, no Nepal, de 15 a 19 de fevereiro. Nessa ocasião, poderá avaliar, novamente, seu verdadeiro estado de saúde [4].

Não menos significativos foram os protestos contra Davos, na própria Suíça, a partir dos anos 1990. Grupos antiglobalização, sindicatos, movimentos associativos e ONGs de desenvolvimento, ambientais e religiosas promovem há anos uma mobilização crítica contra o Fórum Econômico Mundial. Também aqui, um certo desgaste participativo desses atores antiglobalistas, bem como a constante e crescente repressão contra o movimento anti-Davos, enfraqueceram o protesto.

No entanto, mesmo essas vozes críticas não aceitam desaparecer. Nos dias 13 e 14 de janeiro, a Greve contra Davos reuniu várias centenas de pessoas que participaram durante esses dois dias de uma caminhada de quilômetros no inverno alpino, em temperaturas congelantes até o local do Fórum Econômico. Como as prefeituras da região e as forças policiais não permitiram que utilizassem a principal via de acesso ao Cantão, essa marcha, que se define como “não violenta, pacífica e civil, pelo clima e pela justiça social”, decidiu percorrer trilhas na montanha. Os participantes fizeram ouvir, simbolicamente, suas vozes de protesto, mesmo que seus números não possam ser comparados aos milhares de manifestantes que viajavam para Davos nas mobilizações de duas décadas atrás [5].

De acordo com o site da Greve contra Davos, o Fórum Econômico constitui uma “elite que toma decisões que afetam nossas vidas. Embora se digam que estão voltados para o futuro, que são sustentáveis e sociais, todas as suas decisões colocam uma coisa em primeiro lugar: seus próprios interesses”. E ressalta que os interesses de poucos super-ricos e dos representantes políticos eleitos pelo Fórum Mundial não são os interesses da maioria. O que é o Fórum Econômico Mundial? Sua resposta: “É um círculo que opera longe das necessidades das pessoas”.

O Tour de la Lorraine (Caminhada pelo bairro operário de Lorraine, em Berna) também nasceu há vários anos como uma expressão de movimentos e organizações alternativas anti-Davos na capital suíça. De 15 a 28 de janeiro, e sob o lema “Cidade Solidária, somos todos Berna!”, o Tour promoverá um extenso programa político-cultural, embora menos centrado no debate altermundialista de antes. Os organizadores, no entanto, querem gerar espaços de reflexão em que a solidariedade com movimentos e povos em luta não seja excluída [6].

Nos dias 19 e 20 de janeiro, será realizado em Zurique O Outro Davos, um espaço de reflexão sobre o tema “A crise do capitalismo e nossas respostas”. Os organizadores enfatizam a resistência anticolonial, feminista, ecológica e abolicionista para oferecer uma alternativa solidária ao sistema. O primeiro O Outro Davos foi realizado em 1999, como um evento anti-Fórum Econômico Mundial, e desde então tem perdurado como um espaço de reflexão alternativa ligado a forças políticas da esquerda extraparlamentar suíça.

Davos, com seus torcedores, defensores e adversários. Uma dinâmica que tem uma longa história e que este ano se repete com atores menos pujantes dos dois lados ideológicos opostos. No entanto, continuam a marcar um espaço-espelho onde o Fórum Económico de Davos e os eventos anti-Davos – isto é, poder e o contrapoder – continuam a olhar-se uns para os outros, desconfiados e de lado.


Sergio Ferrari, desde Berna, Suiza

Tradução: Rose Lima

Sergio Ferrari

es periodista argentino radicado en Suiza. Acreditado ante la ONU en Ginebra. Miembro de la redacción del diario independiente «Le Courrier», editado en Ginebra. También es colaborador de UNITÉ... plataforma ONG de voluntariado solidario Norte-Sur y de diversos medios suizos y latinoamericanos

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