Bernie Sanders : um movimento de massas sem precedentes nos EUA ?

15 de Março de 2016 por Yorgos Mitralias


Está lançada uma interrogação sobre os Estados Unidos da América e, por consequência, sobre o mundo inteiro: o sobressalto popular sem precedentes provocado pela campanha de Bernie Sanders poderá transformar-se num movimento popular organizado que abalará o coração da superpotência imperialista e mudará o rumo da história?



Sem dúvida esta interrogação vai surpreender o leitor: um movimento popular nos EAU? Para mais “organizado”? Que se arrisca a abalar o coração da superpotência imperialista? Mas é possível que tais acontecimentos históricos se estejam a produzir nos EUA e que ninguém diga nada na Europa? É perfeitamente normal que o leitor esteja incrédulo. Não é sua culpa que haja falta tão crua de informação: ele é vítima duma verdadeira campanha de desinformação muito bem organizada a nível planetário. Além disso, não é por acaso que mesmo o mais informado, os que mergulham profundamente nessa informação, apenas ficam a saber que um senador norte-americano meio “excêntrico”, que se apresenta como “socialista”, de nome Bernie Sanders, causa surpresas umas atrás das outras e provoca alguma dificuldade na caminhada de Hillary Clinton para a “nomeação” do Partido Democrata e para a… Casa Branca. E é tudo.

Que dizer, então, se vos contar que de há meses para cá, esse mesmo Bernie Sanders não para de proclamar que “Esta campanha não é para que Bernie Sanders seja eleito presidente. Ela é para que se crie no país um movimento político popular”. Como ele mesmo explica todos os dias, o objectivo principal – senão exclusivo – da sua campanha é a de fazer sair da marginalidade política e social os trabalhadores e trabalhadoras, os jovens, as minorias nacionais e sexuais oprimidas, as mulheres e os camponeses pobres e médios, para que todos em conjunto tomem consciência da sua enorme força para tomar em mãos os seus destinos entrando “no processo político” e criando um “movimento de massas” que torne possível a “revolução política” pregada pelo Senador de Vermont!

Evidentemente que tudo isto nada tem a ver com a imagem simplista que mesmo os mais bem informados de entre nós tem sobre o “fenómeno Sanders” limitado às suas sucessivas vitórias eleitorais sempre “imprevisíveis” e à progressão geométrica da sua popularidade, que há um ano não ia além dos 3% e hoje atinge entre 40-47%! É preciso portanto ser claro: não veremos com certeza Bernie Sanders na Casa Branca, uma eventualidade completamente irrealista (bastaria um daquelas … balas assassinas que marcam as tradições políticas americanas para que um tal “milagre” seja evitado mesmo in extremis) mas a perspectiva de ver acordar a sociedade norte-americana e que seja uma realidade o movimento de massas dos seus cidadãos oprimidos e até agora mudos e atomizados.

Evidentemente, a criação de um tal movimento popular organizado constitui um empreendimento gigantesco e terrivelmente difícil. Para mais o sucesso não depende apenas da boa vontade e disposição de Bernie Sanders, como ele não para de declarar quando previne todos os dias os seus apoiantes para não acreditarem nos diferentes “salvadores” mas somente nas suas próprias forças: “Estas eleições não são para Bernie Sanders. Podem ter o melhor presidente da história do mundo – alguém coragoso, inteligente, audacioso. Essa pessoa não terá condições de lidar com sucesso as grandes crises que nos afectam a não ser que haja um movimento político de massas – uma revolução política- neste país”.

O que é muito encorajador é que já há milhares desses apoiantes que presentem a urgência de um movimento independente e que se ocupam disso na teoria e na prática. É assim que assistimos desde há meses à radicalização espectacular dos seus partidários e ao aumento continuo do número dos que se declaram decididos a abandonar o Partido Democrata (a imprensa fala em várias dezenas de milhar) ou que não vão votar Hillary Clinton ou noutro candidato do “sistema” no caso de Bernie Sanders não estar presente na confrontação final das eleições presidenciais. Segundo uma sondagem recente, eles representariam actualmente um terço (33%) dos partidários de Bernie Sanders, enquanto não passavam de 14% há três meses atrás!

O que é ainda mais importante é que se multiplicam actualmente as redes e as estruturas organizativas de toda a espécie de partidários de Sanders que querem continuar e existir, coordenando-se, para agir de modo independente mesmo depois das eleições presidenciais. É assim que de fora das estruturas organizacionais (mais ou menos “clássicas” nas campanhas eleitorais, mas que neste caso decorrem muitas vezes dos congressos nacionais com eleição dos seus delegados de base!) reagrupam todos os que são “por Bernie” como as “Mulheres”, os “Jovens”, os “Trabalhadores”, os “Veteranos”, os “Africanos”, os “Latinos”, os “Socialistas” ou os “Judeus por Bernie”, os partidários de Sanders encontram-se em várias organizações radicais tais como, p.ex., o poderoso “Fight for$15” (Lutar por salário mínimo de 15 dólares) e as redes locais de cidadãos, declaram abertamente que ambicionam dar continuidade organizacional e de movimento à campanha de Bernie Sanders!

Se acordo com todas as sondagens e outros inquéritos à cerca da sua campanha (e há dezenas), Bernie Sanders é apoiado por uma grande maioria de cidadãos de menos de 50 anos, e esse apoio aproxima-se ou ultrapassa mesmo os 80% na faixa etária dos 18-35 anos! Esse apioi, deve notar-se, não é passivo Passivo Parte do balanço composta pelos recursos de que uma empresa dispõe (capitais próprios reunidos pelos accionistas, provisões de risco e encargos, dívidas). mas entusiástico e activo Activo Em geral o termo «activo» refere um bem que possui um valor realizável, ou que pode gerar rendimentos. Caso contrário, trata-se de um «passivo», ou seja, da parte do balanço composta pelos recursos de que dispõe uma empresa (os capitais próprios realizados pelos accionistas, as provisões para risco e encargos, bem como as dívidas). . Sem esses jovens activistas a campanha de Bernie Sanders seria praticamente impossível pois arrancou sem um cêntimo e é praticamente ignorada pelos media americanos …

Depois dos jovens, o segundo grande apoio da camoanha de Bernie Sanders são os trabalhadores. Trata-se sobretudo de “trabalhadores brancos” que, na sua maioria, desconfiam das respectivas burocracias sindicais que optaram por apoiar Hillary Clinton ou por manter-se neutrais. Há que sublinhar que recentemente é visível o aumento da parte de trabalhadores “latinos” que passam para o lado de Sanders, ao mesmo tempo que se assiste ao início – muito encoragador – dos trabalhadores afro-americanos do “sistema” do Partido Democrata na parte norte e industrial do país.

Como afirma a prestigiosa revista americana de esquerda The Nation (fundada em 1865!) num longo e muito detalhado inquérito centrado no Estado da Florida, a campanha de Bernie Sanders tem três pilares de apoio: o movimento Occupy Wall Street, a ala esquerda do movimento sindical e os “Democratas Progressivos”. Não é portanto por acaso que estes três apoios e os seus activistas se desdobram para a transformação da campanha eleitoral em movimento radical de massas independente do Partido Democrata! Segundo a reportagem de The Nation (com o título e subtítulo evocadores “Vencedor ou vencido, a campanha de Sanders está a criar um movimento na Florida – Quando Sanders diz que não se trata da eleição de um presidente, ele pensa isso mesmo, como de resto os seus partidários”) esse movimento está mesmo a preparar-se para apresentar os seus próprios candidatos às diversas eleições locais que se seguem!...

Em geral, o que impressiona o cidadão de esquerda europeia habituado faz muitos anos aos encontros – eleitorais e outros – rotineiros, esquálidos, sem cor da sua própria esquerda é o extraordinário entusiasmo dos partidários nos comícios de Bernie Sanders, que frequentemente atingem as dezenas de milhar! E é preciso ter em atenção que esse Sanders tem 74 anos (!) e fez centenas de comícios, até 4-5 por dia, esgalhando de um lado ao outros dos EUA! Trata-se, sem dúvida, duma verdadeira explosão popular que combina a combatividade com uma emoção devida ao facto de a multidão tem o sentimento de estar a participar por que se espera faz muito tempo com dimensões “históricas”. E tudo isto sem demagogia e palavras de ordem fáceis, mas com o Bernie Sanders a dirigir-se ao instinto de classe dos participantes, martelando na tecla de que não se pode acreditar em “salvadores” mas somente na força colectiva dos de “baixo”. [1]

Tradução: Antonio Dores

https://www.youtube.com/watch?v=-FH_CVBIa_A
https://youtu.be/hnaZ3F6C5Go


Notas

[1Como é sempre preferível julgar sobre dados, anexo dois links dos discursos de Bernie Sanders. O primeiro dura 5,5 minutos, da sua conferência de imprensa no Senado americano, em fim de Julho de 2015, consagrado totalmente à crise da dívida grega, à tragédia do povo grego, e aos seus carrascos como o FMI (ler também o nosso artigo de Novembro passado http://cadtm.org/Bernie-Sanders-M-Voutsis-et-la). O segundo link dura 15 minutos e é um discurso eleitoral, semelhante a tantos outros, que esclarece o conteúdo e a forma da campanha de Bernie Sanders. Os dois vídeos são em inglês com subtítulos em grego.

Yorgos Mitralias

jornalista, Yorgos Mitralias é membro fundador do Comitê contra a Dívida Grega, organização afiliada do Comitê para a Anulação das Dívidas Ilegítimas (CADTM) e da Campanha grega para a auditoria da dívida.

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