Quando a campanha de BernieSanders espoleta uma cosmogonia social e politica norte-americana !

20 de Abril de 2016 por Yorgos Mitralias


O espetáculo de candidato à investidura do Partido Democrata que para em frente a um piquete de greve e toma a palavra para apoiar a luta dos grevistas é suficientemente rara para isso não passe desapercebido nem mesmo aos media dos EUA. Isso aconteceu segunda-feira, 11 de abril no Times Square de Nova Iorque. O piquete de greve era dos 40 mil trabalhadores do gigante de telecomunicações Verizon, em luta para obterem uma convenção coletiva recusada com obstinação pelo patronato, e o candidato era – evidentemente – BernieSanders. Eleitoralismo?Demagogia? « Populismo » ? Nada disso, apenas coerência e continuidade de uma vida passada ao lado dos trabalhadores. De facto, a última vez que Sanders tinha feito precisamente a mesma coisa foi apenas a alguns meses atrás, em Outubro passado, junto a outro piquete de greve, também em Manhattan…



Pode ser que a esquerda europeia – que brilha pela sua indiferença a respeito do que se passa nos EUA – ignore estes acontecimentos, mas os trabalhadores e patrões norte-americanos estão bem atentos. Por isso o CEO de VerizonLowellMcAdam se apressou a atacar violentamente BernieSanders, classificando-o de “ignorante”, “desligado da realidade” e “desprezível”. Ao contrário, os grevistas de Verizon aclamaram Bernie e o seu grande sindicato CWA decidiu apoiar a sua candidatura, dizendo mesmo que ele é “o campeão dos interesses da classe trabalhadora”! Na verdade, não é um acaso BernieSanders se dirigiu aos grevistas com esta frase lapidar: “Da aparte de cada trabalhador na América, em nome dos que sofrem as mesmas pressões, agradeço-vos pelo que estão a fazer. Venceremos!”

No mesmo dia, um outro grande sindicato , desta vez local, o dos trabalhadores dos transportes de Nova Iorque (TransitWorkersUnion-Local 100), decidiu apoiar BernieSanders, para grande desgosto do aparelho do Partido Democrata de Nova Iorque, que considerava este sindicato como sendo-lhe fiel. A decisão dos lideres sindicais foi praticamente unanime (42-1) e é um sintoma das grandes mudanças que a campanha de Sanders está a produzir no seio da classe trabalhadora norte-americana e do seu movimento sindical. Mas a adesão dos 40 000 membros do TWU ao campo de Sanders tem uma importância ainda maior quando se pensa que se trata, na sua grande maioria, de trabalhadores afro-americanos e latinos, que costumam seguir quase cegamente as diretivas do Partido Democrata e do clã Cinton.

Dez dias antes, o tom do reencontro organizado em Chicago pela rede sindical Labor for Bernie, que representa mais de 12.000 aderentes, entre os quais 5 grandes sindicatos nacionais e 90 uniões sindicais locais, foi dado pela seguinte declaração introdutória: “Nós trabalhamos para ver Sanders alcançar a investidura do Partido Democrata. Entretanto, fazemos mais do que isso. Estamos a ir mais longe, a contruir um movimento democrático neste país”. A frase foi clara e foi pronunciada por Larry Cohen, antigo presidente do sindicato (600.000 membros) CommunicationsWorkersofAmerica, o maior sindicato dos trabalhadores das comunicações e dos media nos EUA. Detalhe muito significativo: Larry Cohen é também “Conselheiro Superior” de BernieSanders.

Este encontro sindical de Chicago [1] nunca escondeu que para além da sua contribuição para a campanha de BernieSanders, o seu objetivo é construir um movimento operário independente capaz de regenerar ou mesmo refundar o movimento operário norte-americano em base de classe. Não, portanto, por acaso que ele se intitulou « Labor for BernieandBeyond », isto é “Trabalhadores por Bernie e para depois disso”. Em particular, diz muito sobre a sua orientação politica e social a proposta que foi discutida a respeito dos “cinco princípios” em torno dos quais se deverá construir esta “nova força para uma economia democrática”:

· A luta contra adesigualdadeeconómica

· O combate contra as discriminações de cor de pele, de género e de orientação sexual

· A oposiçãoàeconomia de guerra permanente eà política externa militarizada

· A luta contra as alterações climáticas globais

· A defesa do direitode organizaçãono quadro do movimento operário protagonista na promoção dos interesses de classe

Também merece atenção o facto de a rede Labor for Bernie ter decidido organizar, em conjunto com outras organizações e movimentos sociais, uma grande Assembleia Popular em Chicago a 17 de Junho, enquanto o seu porta-voz Larry Cohen anunciou que a batalha final para a investidura da Convenção do Partido Democrata em Julho próximo se fará tanto no interior como no exterior da sala de congressos, pois a Convenção será “cercada” pelo maior número possível de partidários de Sanders!

O facto é que não se trata de uma intenção mas antes de uma decisão de transformar a campanha eleitoral do senador do Vermont num processo de construção de um movimento operário independente e de massas. Manifestamente, estamos em presença de um desenvolvimento extraordinário de importância histórica. O que não é tudo. Pois estamos a verificar a multiplicação de iniciativas semelhantes vindas do interior da campanha de Sanders e estabelecendo processos de construção de movimentos independentes sectoriais e mesmo até do tão esperado “terceiro partido” que destruiria o bipartidarismo tradicional nos EUA. Por exemplo, a iniciativa da rede Berniecrats de lançar um processo de construção de uma enorme lista de candidatos alternativos e independentes a todas as eleições, na condição desses candidatos se empenhem a apoiar e defender publicamente o programa de BernieSanders. O processo parece estar a avançar. Está já em colisão com o bipartidarismo tradicional e, mais diretamente, como o Partido Democrata, pois a sua dinâmica desagua na construção de um (terceiro) grande partido que se apresentará os seus próprios candidatos em todos os níveis da vida pública norte-americana!...

Sabendo da construção deste movimento de massas independente e radical se combina com a série de recentes e esmagadoras vitórias de BernieSanders e da sua crescente popularidade apoiada em imensas multidões que participam em comícios eleitorais empolgados, não nos podemos admirar nem da grande inquietação – quase pânico – do sistema americano, nem do nervosismo manifestado por Hillary Clinton, que tem endurecido os seus ataques a B. Sanders.

Como se poderia esperar, a situação estimula a cólera de milhões de partidários de Sanders, acelerando a evidência da armadilha do bipartidarismo e, evidentemente, contribuindo para a sua posterior radicalização. Uma das consequências deste estado de coisas é que os “consensos” interclassistas tradicionais bem como os seus célebres representantes mais ou menos “progressistas” gastam-se rapidamente e vêm as respetivas máscaras cair em tempo record. Eis como o Nobel da economia Paul Krugman, conhecido como o grande defensor do povos do Sul da Europa perante os seus carrascos, é nos EUA um adversário sanguíneo de Sanders e um dos principais apoios de Hillary Clinton, utilizando mesmo uma argumentação que não difere muito dos que usam os credores dos Estados do Sul da Europa. Eis também porque os grandes meios de comunicação americanos, por excelência liberais, como o Times de New York, o Washington Post ou a CNN, perdem as boas maneiras e utilizam todos os meios, incluindo os mais ignóbeis, para neutralizar a ameaça mortal chamada BernieSanders.

Perante estes acontecimentos que consideramos sem hesitação históricos, esperar-se-ia que toda a esquerda internacional se manifestasse e se mobiliza-se para exprimir em atos a sua solidariedade e apoio. Porém, não se passa absolutamente nada! Com raras exceções, e não será por acaso que as vamos encontrar na América Latina que conhece por experiência própria o imperialismo norte-americano, a esquerda europeia está queda e muda, completamente indiferente, mostrando-se incapaz de entender o alcance tanto da dinâmica do “fenómeno Sanders” quanto as suas consequências políticas e sociais. Todavia, ainda que muito importante e promissor, nem o grande e tão radical movimento de jovens e assalariados que se está a desenvolver nas últimas semanas em França, nem a grande e promissora crise com epicentro na Catalunha cada vez mais radicalizada, não se podem comparar aos acontecimentos que tem lugar hoje no coração das superpotência mundial. Acontecimentos que, como escrevemos faz um mês, podem mudar o curso da história [2].

A nossa conclusão é irredutível: a esquerda europeia tem a obrigação de se mobilizar para apoiar em atos e com todas as suas forças o movimento de massas sem precedentes que está a ser construído nos EUA. Tanto por que, nestes tempos tão adversos, esta movimentação representa a maior esperança para os de baixo, para a humanidade e para o planeta, como porque a esquerda europeia tem muito a aprender e tudo a ganhar aliando-se a ele.

tradução: Antonio Dores


Notas

[1Paramais informações sobre este encontrosindical de Chicago, lero excelenteartigo de Dan La Botz : http://newpol.org/content/labor-bernie-and-beyond-plans-primaries-and-future

Yorgos Mitralias

O jornalista, Yorgos Mitralias é membro fundador do Comitê contra a Dívida Grega, organização afiliada do Comitê para a Anulação da Dívida dos Países do Terceiro Mundo (CADTM) e da Campanha grega para a auditoria da dívida.

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