O que vem depois do acordo deste fim de semana entre o PS, o Bloco e o PCP?

11 de Novembro de 2015 por Francisco Louça


Durante o fim de semana foi concluído o acordo entre o PS e o PCP, depois de ter sido estabelecido entre o BE e o PS. Há assim uma maioria no parlamento para derrotar o governo mais breve da história da democracia e para interromper a saga de Passos Coelho e de Portas. O resultado é fundamental e é histórico: depois da sangria da austeridade, começa-se a virar a página.



Nas últimas semanas, critiquei tanto a demora em fechar este acordo quanto a pouca ousadia na sua conclusão, porque só por falta de escolha de uma afirmação forte é que pode aceitar que haja dois acordos separados – dizendo aliás o mesmo – ou até três moções de rejeição distintas. Mas agora há acordo, ele é público e por isso os temas mais importantes passam a ser o seu conteúdo e a sua durabilidade, que discuto a partir do único ponto de vista que (me) interessa, o das respostas para a crise social agravada pelo tormento da austeridade.

Começo pelo conteúdo do acordo.

As três condições de Catarina no debate com Costa, o abandono pelo PS da redução da TSU patronal e da TSU dos trabalhadores com diminuição da pensão, o arquivamento do despedimento conciliatório e o fim do congelamento de pensões, foram, ainda antes da campanha eleitoral, o ponto de partida do acordo deste fim de semana. Perante os resultados eleitorais em que a direita perdeu a maioria, o PS aceitou estas condições. Muitos socialistas respiraram de alívio, porque não concordavam com estas três ideias do seu partido.

Mas os acordos agora revelados e incluídos no programa para o novo governo vão mais longe, até muito mais longe. Criam uma resposta de urgência com medidas de urgência mas vão mais além, com respostas duradouras na alternativa à austeridade se houver determinação para tanto.

Determinam o fim das privatizações. Não haverá mais privatizações. Incluem ainda a reversão dos recentes processos de concessão dos transportes urbanos de Lisboa e Porto. Protegem a água como bem público essencial.

Quanto aos rendimentos do trabalho, beneficiam milhões de trabalhadores. Os salários função pública são repostos (a restituição é concluída já em 2016) e todos os salários do sector privado são beneficiados (acima de 600 euros pela redução da sobretaxa, que é extinta em 2017, abaixo de 600 euros pelo abatimento da dedução para a segurança social, sem efeito nas pensões futuras e sem reduzir o financiamento do sistema previdencial). São repostos os quatro feriados, cuja perda significava mais horário de trabalho com o mesmo salário. Todos os trabalhadores são beneficiados, são 4,5 milhões.

Todas as pensões são beneficiadas (abaixo de 600 euros pelo descongelamento e pequena recuperação, acima dos 600 euros pelo fim da sobretaxa em IRS), são dois milhões de pessoas. Em contrapartida, a direita propunha-se cortar 4000 milhões de euros na segurança social (1600 milhões por via do congelamento das pensões, 2400 por abatimento de prestações anuais de 600 milhões prometidos a Bruxelas). A diferença é gigantesca.

São estabelecidas novas normas fiscais: repor a progressividade com mais escalões no IRS, o fim do quociente familiar que favorecia as famílias mais ricas e a sua substituição por uma dedução em IRS em valor igual por cada criança, uma cláusula barreira nos aumentos do IMI, que não poderão ultrapassar 75 euros num ano, a interrupção da redução de IRC, a redução do prazo para reporte de prejuízos das empresas para cinco e não doze anos e ainda a alteração às regras de modo a reduzir os benefícios fiscais de dividendos. Finalmente, reduz-se o IVA da restauração para 13%.

Na resposta à pobreza, é aumentado o Salário Mínimo para 557 euros já em 1 de janeiro de 2017 e para 600 euros até ao fim da legislatura, e é reduzida a tarifa da electricidade para as famílias mais pobres. Um milhão de pessoas beneficia destas medidas.

São tomadas medidas para que os falsos recibos verdes passem a contratos efectivos e é relançada a contratação colectiva. Termina o regime de mobilidade especial na função pública, que conduzia ao despedimento.

É proibida a penhora de habitação própria por dívidas ao Estado e, quando se trata de dívida hipotecárias ao banco, a entrega da casa liquida a dívida, quando não houver outra alternativa de alteração de prazos e juros.

Foi apresentada uma lista de medidas na saúde e educação, da redução das taxas moderadoras até à reutilização dos manuais escolares.

O PS retirou ainda a sua proposta de nova lei eleitoral com círculos uninominais.

Finalmente, fica assente um procedimento de cooperação parlamentar e de consultas mútuas, incluindo a criação de comissões sobre a sustentabilidade da dívida externa e sobre o futuro da segurança social, que devem apresentar relatórios trimestrais.

O que se consegue deste modo é estabilidade na vida das pessoas, alívio para os pensionistas, recuperação de salário, protecção do emprego e mais justiça fiscal. Por outro lado, com este aumento da procura agregada, a economia vai reagir positivamente de imediato.

O que falta então?

Faltam ainda respostas estruturais para o investimento, para gerir a conta externa e para melhorar a balança de rendimentos, o que só se fará com uma reestruturação da dívida. E, sem ela, não se vê como possa haver suficiente margem de manobra para resistir a pressões externas e para relançar o emprego. É preciso investimento e criação de capacidade produtiva e o Estado tem que ter um papel estratégico na resposta à prolongada recessão que temos vivido.

Além disso, não se pode ainda antecipar o que serão as condições de Bruxelas e de Berlim, do BCE Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
ou das agências de rating, mas não serão favoráveis. É de recordar que a Comissão Europeia publicou um comunicado dois dias depois das eleições exigindo novas medidas para a segurança social e que o tema continuará a ser um terreno de disputa, ou que as agências de rating têm vindo a ameaçar a República Portuguesa. Finalmente, o dossier do Novo Banco vai explodir antes do Verão, com perdas importantes para o saldo orçamental ou com exigências de recapitalização Recapitalização Reconstituição ou aumento de capital duma sociedade para reforçar os fundos próprios, postos em cheque por perdas. No quadro do resgate dos bancos nos Estados europeus, o mais frequente, os Estados recapitalizaram os bancos sem impor condições e sem exercer o poder de decisão que lhes confere a participação no capital bancário. , ou de um processo de resolução bancária feito segundo exigências técnicas que protejam o bem público e abatam a dívida externa.

Estes são os problemas que nos vão bater à porta nos próximos meses e anos. A nova maioria sabe que assim é, porque assina uma cláusula de salvaguarda que garante que, perante imprevistos orçamentais ou novas situações, a resposta nunca será o aumento de impostos sobre o trabalho ou a redução de salários e pensões. Convém então que comece já a preparar o que vai ser essa resposta porque os imprevistos chegarão mais depressa do que o novo Orçamento.


Fonte : Publico

Francisco Louça

economista, membro da direcção e ex-porta-voz do Bloco de Esquerda, partido que dispõe de 19 deputados na Assembleia da República portuguesa (2015). Militante da 4ª Internacional.

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