Série Perguntas e Respostas sobre os BRICS 2025 (Parte 2)
9 de Setembro por Eric Toussaint

“Líderes dos BRICS na 15ª cúpula em 2023. Da esquerda para a direita: Lula da Silva, presidente do Brasil, Xi Jinping, presidente da China, Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, Narendra Modi, presidente da Índia e Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia". Fonte: https://www.flickr.com/photos/197960982@N04/53137049345/
Na primeira parte desta série “Por que os BRICS não denunciam o genocídio em curso em Gaza”, Éric Toussaint mostrou que, longe de romper relações comerciais com Israel, os BRICS+ mantêm e reforçam seus intercâmbios com o regime neofascista de Netanyahu, fornecendo-lhe combustíveis, alimentos e comprando-lhe armas. É preciso denunciar os principais responsáveis pela continuação do genocídio, que são o governo dos Estados Unidos, a Comissão Europeia, o governo britânico e os outros Estados da Europa Ocidental. Mas é importante criticar sem concessões a atitude dos BRICS+, pois eles permitem que as autoridades israelenses conduzam sua política criminosa sem aplicar a menor sanção econômica. Os BRICS+ são uma coalizão heterogênea que reúne 10 países (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, aos quais se juntaram em 2024 o Egito, os Emirados Árabes Unidos, a Etiópia, a Indonésia e o Irã), alguns dos quais são aliados diretos dos Estados Unidos.
Na segunda parte da série de perguntas e respostas sobre os BRICS BRICS O termo BRICS (acrónimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foi utilizado pela primeira vez em 2001 por Jim O’Neill, na altura economista da Goldman Sachs. O forte crescimento económico destes países, combinado com a sua importante posição geopolítica (estes 5 países reúnem quase metade da população mundial em 4 continentes e quase um quarto do PIB mundial), fazem dos BRICS actores importantes nas actividades económicas e financeiras internacionais. +, Éric Toussaint volta sucintamente às relações entre o Egito e Israel e aborda a política regional reacionária dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita. Em seguida, ele analisa a declaração final de julho de 2025 adotada pela cúpula dos BRICS+ sobre vários conflitos em curso.
O Egito, membro do BRICS+, fornece quantidades cada vez maiores de cimento que permitem a Israel desenvolver os seus assentamentos ilegais nos territórios ocupados
Certamente, por exemplo, o Egito fornece quantidades cada vez maiores de cimento que permitem a Israel desenvolver suas colônias ilegais em territórios ocupados, enquanto destrói sistemática e massivamente habitações e infraestruturas em Gaza e na Cisjordânia. De acordo com o site enterprise.news :“as exportações egípcias de cimento para Israel explodiram, multiplicando seu volume por mais de 16 em 2024, atingindo US$ 66,2 milhões, contra apenas US$ 3,8 milhões em 2023, de acordo com o Conselho de Exportação de Materiais de Construção [1]. ” (Fonte: https://enterprise.news/egyp...). Israel passou da 35ª posição entre os importadores de cimento egípcio em 2022 para a 4ª posição em 2024, o que coincide com a decisão tomada pela Turquia em abril-maio de 2024 de suspender suas exportações de cimento para Israel [2], tornando o Egito seu principal fornecedor alternativo. O Egito é cúmplice do genocídio ao ajudar Israel a enfrentar as sanções impostas pela Turquia.
Além disso, o Egito importa gás vendido por Israel. Em junho de 2025, seu governo reprimiu manifestantes que vieram de todos os cantos do mundo para tentar chegar à fronteira com Israel a fim de exigir o fim do genocídio e obter a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
Ressaltemos também que o Egito, conforme indicado na parte 1 desta série, que recebe ajuda militar de Washington no valor de US$ 1,3 bilhão por ano, coopera militarmente com Israel, nomeadamente na destruição dos túneis de comunicação entre o seu território e Gaza.
Examinamos agora ao papel dos Emirados Árabes Unidos (EAU), membro de pleno direito do BRICS+, e da Arábia Saudita, convidada a fazer parte do grupo.
Na Península Arábica, durante a maior parte da década de 2010, os Emirados Árabes Unidos (que são membros de pleno direito do BRICS+) e a Arábia Saudita (que foi convidada pelo BRICS para fazer parte) permaneceram aliados contrarrevolucionários próximos em sua oposição aos movimentos populares da “Primavera Árabe”. Juntamente com a Arábia Saudita, os EAU intervieram militarmente no reino do Bahrein para pôr fim aos fortes protestos populares em 2011 [3].
No Iémen, os EAU colaboraram com a Arábia Saudita a partir de 2015 para restabelecer o regime derrubado no ano anterior por uma revolta popular. Aos poucos, os Emirados Árabes Unidos seguiram sua própria agenda separadamente da Arábia Saudita, tentando estabelecer seu controle sobre parte da costa do Iêmen.
Os Emirados Árabes Unidos passaram de um polo comercial e financeiro do Golfo para um ator ativo nos conflitos africanos
Na Líbia, em 2019 e 2020, os EAU apoiaram ativamente, financeiramente e com o envio de armas, o general Khalifa Haftar, um chefe militar líbio, depois que ele lançou um ataque contra Trípoli para derrubar o antigo governo apoiado pela ONU.
No Sudão, com base na análise de Husam Mahjoub citada anteriormente (ver parte 1 desta série), pode-se afirmar que o envolvimento dos Emirados Árabes Unidos na última década reflete suas crescentes tendências subimperialistas, especialmente em termos de domínio regional, exploração econômica e intervenção militar. Juntamente com a Arábia Saudita, recrutaram soldados sudaneses das Forças Armadas do Sudão (SAF) e das Forças de Apoio Rápido (RSF) para combater na guerra no Iémen. Os Emirados Árabes Unidos prestaram apoio financeiro ao regime ditatorial de Omar el Bechir em Cartum até sua destituição em abril de 2019, após os protestos em massa que começaram em dezembro de 2018 (revolução de dezembro).
Após a queda de Omar el Bechir, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita, bem como o Egito, incentivaram um processo que resultou na formação de um governo de transição, que não atendeu às aspirações do povo sudanês. Os três países minaram então a vertente civil do governo, apoiando os líderes militares com ajuda financeira, fornecimento de material militar e ações de lobby para consolidar o seu poder. Os Emirados Árabes Unidos também pressionaram o Sudão a normalizar suas relações com Israel por meio dos Acordos de Abraão, [4]alinhando assim o Sudão às estratégias regionais lideradas pelos Emirados Árabes Unidos. Em outubro de 2021, os três países apoiaram um golpe militar que reforçou ainda mais o domínio militar no Sudão. À medida que as tensões se intensificavam, o apoio dos Emirados Árabes Unidos voltou-se decisivamente para as Forças de Apoio Rápido (RSF), contribuindo para o início da guerra em 15 de abril de 2023, que desde então se transformou em uma das piores crises humanitárias do mundo. Os Emirados Árabes Unidos têm sido um centro nevrálgico para o financiamento, a logística, a comunicação social, as relações públicas e as atividades políticas das RSF.
Na Somália, os Emirados Árabes Unidos financiaram, treinaram e equiparam as forças somalis durante vários anos. As relações deterioraram-se em 2018, quando Mogadíscio sequestrou fundos dos Emirados, mas os Emirados Árabes Unidos restabeleceram posteriormente o seu apoio, em particular ao Puntland. Leia, em particular: Whashington Institute, “More Emirati Military Involvement in Somalia Could Help Curb al-Shabab”, publicado em 27 de junho de 2023, https://www.washingtoninstitute.org/policy-analysis/more-emirati-military-involvement-somalia-could-help-curb-al-shabab Em francês: Para uma descrição geral da intervenção dos Emirados Árabes Unidos na África, leia Oscar Lafay, “Les nouvelles routes africaines de l’influence émiratie” (As novas rotas africanas da influência dos Emirados), IE, publicado em 6 de julho de 2025, https://www.portail-ie.fr/univers/2025/les-nouvelles-routes-africaines-de-linfluence-emiratie/
Na Eritreia, os Emirados Árabes Unidos alugaram o porto e a base aérea de Assab, transformando-os num importante centro logístico para as suas operações militares no Iémen (2015-2019). Esta iniciativa reforçou a sua presença no Mar Vermelho.
Na Etiópia, os Emirados Árabes Unidos forneceram drones e apoio a Abiy Ahmed durante a guerra de Tigray (2020-2022), contribuindo assim, segundo algumas fontes, para alterar a dinâmica do campo de batalha contra a Frente Popular de Libertação de Tigray (FPLT).
Os Emirados Árabes Unidos passaram de um centro comercial e financeiro do Golfo para uma intervenção ativa nos conflitos africanos. Da Líbia e do Sudão à Somália, Eritreia, Etiópia e Sahel, eles usam uma combinação de armas, drones, recursos financeiros e mercenários para influenciar os resultados. Suas ações muitas vezes agravam os conflitos, fortalecem regimes autoritários e comprometem os processos de paz, ao mesmo tempo em que se apresentam na cena internacional como um “fiador da estabilidade”.
Os Emirados Árabes Unidos desempenharam um papel central na repressão dos movimentos democráticos no mundo árabe. Se opuseram aos movimentos populares que exigiam mais justiça social e apoiaram regimes autoritários. Paralelamente, prosseguiram com a expansão militar e econômica, intervindo no Iêmen e na Líbia, estabelecendo bases estratégicas e utilizando sua riqueza para consolidar sua influência regional. Também apoiaram forças contrárias às revoluções e colaboraram com outras potências contrarrevolucionárias (Israel, Arábia Saudita) para bloquear qualquer transição democrática e limitar os direitos dos povos de decidir seu futuro. Os Emirados constituem um pilar da contrarrevolução na região. Ao mesmo tempo em que adotam uma política que corresponde aos seus próprios interesses de potência regional em ascensão, eles privilegiam a estabilidade despótica na região, bem como o respeito aos interesses do imperialismo dos Estados Unidos e de Israel, em detrimento da mudança democrática e das aspirações populares.
Os Emirados Árabes Unidos (EAU) aderiram oficialmente aos BRICS em janeiro de 2024, ao lado de quatro países (Indonésia, Irã, Egito, Etiópia), no âmbito de uma expansão histórica do grupo.
Os Emirados Árabes Unidos aderiram ao BRICS para aumentar sua influência global. Eles continuam sendo aliados dos Estados Unidos e de Israel e, ao ingressarem no BRICS, ganham importância no cenário internacional. Para os EAU, a adesão ao BRICS amplia as oportunidades de investimento e comércio, especialmente com a China.
Veremos no futuro que pressão Donald Trump exercerá sobre os EAU no que diz respeito à sua participação no BRICS. Até o momento, não há nenhum testemunho ou declaração pública direta de Donald Trump denunciando especificamente a adesão dos Emirados Árabes Unidos (EAU) ao BRICS. Embora tenha feito comentários virulentos contra o BRICS em várias ocasiões, nenhum artigo, postagem ou discurso oficial menciona que Trump tenha visado especificamente a adesão dos EAU (ver quadro sobre as declarações de Trump sobre o BRICS).
Trump e os BRICS
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Para ampliar sua influência, os líderes dos países fundadores do BRICS consideraram útil integrar uma potência petrolífera e financeira que, ao mesmo tempo, é um aliado tradicional dos Estados Unidos. Pelo mesmo motivo, eles desejavam a adesão da Arábia Saudita.
Esses dois países são potências subimperiais na região que decidiram não aderir ao BRICS, mantendo, no entanto, relações estreitas com ele
Faz sentido levar em conta o papel da Arábia Saudita e da Turquia, pois esses dois países são potências subimperiais na região que decidiram não aderir ao BRICS, mas mantêm relações estreitas com o grupo, participando de suas cúpulas. O presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, esteve presente em outubro de 2024 na cúpula de Kazan, e a Arábia Saudita foi representada por seu ministro das Relações Exteriores tanto em Kazan quanto na cúpula do Rio.
A Arábia Saudita, que também foi convidada a aderir ao BRICS como membro de pleno direito, acabou não confirmando sua adesão. É provável que a Arábia, que esteve presente no Rio em julho de 2025 para a cúpula do BRICS, esteja aumentando a pressão sobre Washington, que quer evitar que essa enorme reserva de petróleo e esse poder financeiro também se juntem a essa coalizão heterogênea vista por Washington como inimiga. A Arábia tem todo o interesse em manter-se em uma situação ambígua e não aderir ao BRICS+.
A Turquia, que também foi convidada pelos BRICS para se associar sem se tornar membro, também joga nos dois lados. Ela ocupa uma posição geopolítica na OTAN e conduz uma política relativamente autônoma em relação a Washington, Moscou e as capitais da Europa Ocidental. Ela defende seus próprios interesses na região, mas sabe que, se aderisse oficialmente aos BRICS+, isso aumentaria enormemente as tensões com Washington. Para mostrar sua autonomia e recuperar a legitimidade junto à população muçulmana, a Turquia é um dos únicos países que realmente reduziu suas relações comerciais com Israel, enquanto os BRICS+, com exceção do Irã, reforçam seu comércio com Israel.
Enquanto o Irã, que é membro do BRICS+, é agredido militarmente, a coalizão BRICS+ não toma nenhuma medida concreta para defendê-lo
Na declaração final da cúpula do Rio de 6 de julho de 2025, os BRICS criticam, no ponto 21, os ataques contra o Irã, mas não apontam os Estados Unidos e Israel como responsáveis por eles. Enquanto o Irã, que é membro do BRICS+, é atacado militarmente, a coalizão BRICS+ não toma nenhuma medida concreta para defendê-lo, o que mostra que eles estão na defensiva em relação à ofensiva militar de Washington e Israel e que são incapazes de adotar uma postura comum forte sobre a questão. Para explicar isso, é preciso levar em conta as pressões exercidas pelos Emirados Árabes Unidos que, embora façam parte dos BRICS+, são opostos ao Irã e, portanto, favoráveis ao seu enfraquecimento e, certamente, a uma mudança de regime em Teerã. Os Emirados Árabes Unidos têm todo o interesse em que os BRICS não tomem nenhuma iniciativa para defender o Irã. Além disso, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita ajudaram, em diferentes momentos, Israel e os Estados Unidos a impedir que os mísseis iranianos atingissem seu alvo em Israel. Leia: The Times of Israel, “Report: Gulf states, including Saudi Arabia, provided intelligence on Iran attack” (Relatório: Estados do Golfo, incluindo a Arábia Saudita, forneceram informações de inteligência sobre o ataque ao Irã), publicado em 15 de abril de 2024, https://www.timesofisrael.com/report-gulf-states-including-saudi-arabia-provided-intelligence-on-iran-attack/
Na declaração final, os BRICS+ não mencionam os ataques dos Estados Unidos e de Israel contra os Hutis porque, com exceção do Irã, eles se opõem às ações dos Hutis em solidariedade com a luta do povo palestino. De fato, essas ações, que visam principalmente Israel e os interesses dos Estados Unidos, prejudicam o comércio dos BRICS com Israel e os obrigam a desviar um número significativo de navios para evitar a região. Vários navios que transportavam mercadorias provenientes ou com destino à Rússia, Índia e até mesmo China foram atacados pelos Hutis desde o início de 2024. Leia um estudo bastante completo sobre o assunto: Michael Knights, “A Draw Is a Win: The Houthis After One Year of War”, CTCSentinel, outubro de 2024, Volume 17, Edição 9 Autores:https://ctc.westpoint.edu/a-draw-is-a-win-the-houthis-after-one-year-of-war/# Leia sobre uma ação dos Hutis relacionada aos interesses da China, o ataque de 19 de julho de 2024 contra o Pumba, um navio que voltava da Turquia e partia para a China: https://www.sh-sgl.com/en/news/info.aspx?itemid=2751
Na declaração final da Cúpula do Rio, não há nenhuma crítica nem menção aos ataques militares realizados pelos Estados Unidos e Israel em território iemenita controlado pelos Hutis. No entanto, esses ataques causaram a morte de muitos civis.
Ressaltemos que, na declaração de Kazan de outubro de 2024, os líderes do BRICS condenaram, sem nomeá-los, as ações dos Hutis que atacam os navios que comercializam com Israel. Os BRICS afirmaram: “é importante garantir o exercício dos direitos e liberdades de navegação dos navios de todos os Estados no Mar Vermelho e no Estreito de Bab Al-Mandab”.
Para saber mais sobre a ação dos Hutis, leia a opinião de Gilbert Achcar publicada em março de 2025: “O Iêmen à beira do abismo”, https://blogs.mediapart.fr/gilbert-achcar/blog/190325/le-yemen-au-bord-du-gouffre
Em relação à Síria, a declaração final da cúpula do BRICS+, no ponto 29, se congratula com a suspensão das sanções contra a Síria. Embora o regime em vigor em Damasco, aliado de Moscou e Teerã, tenha sido derrubado em dezembro de 2024 e Bashar al-Assad tenha encontrado refúgio na Rússia, os BRICS+ comemoram o fim das sanções. Os BRICS+ pedem que Israel saia do território sírio que ocupa, ou seja, o planalto de Golã. Na declaração, não há qualquer denúncia das centenas de ataques aéreos realizados por Israel desde dezembro de 2024. Isso também mostra que os BRICS+ não desejam tomar uma posição dura em relação ao regime neofascista em vigor em Israel. Sem sanções contra Israel, como é possível forçar o governo de Netanyahu?
Enquanto Israel, que realizou ataques mortais no Líbano de forma sistemática, ocupa parte do território desse país, os BRICS+ apelam, no ponto 28, ao Estado sionista para que respeite os acordos firmados com o governo libanês e lhe pedem que retire suas tropas de ocupação. No entanto, é importante ressaltar que os BRICS não anunciam nenhuma medida concreta para tentar forçar Israel a atender ao seu apelo. Ressaltemos que o governo libanês denuncia a ocupação israelense.
Os ataques do exército ucraniano contra civis em território russo são denunciados, mas não os ataques russos contra civis ucranianos
Apenas os pontos 22 e 35 abordam a guerra na Ucrânia e não há condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia. Além disso, não há menção à OTAN. Os ataques do exército ucraniano contra civis em território russo (ponto 35) são denunciados, mas os ataques russos contra civis ucranianos não. No entanto, esta guerra causou centenas de milhares de mortos entre ucranianos e russos.
Também não há qualquer anúncio de uma iniciativa dos BRICS+ para pôr fim ao conflito, o que permite a Trump apresentar-se como o único árbitro, aquele que permite chegar a um cessar-fogo ou a uma paz duradoura.
Ele faz o mesmo em relação ao resultado das negociações entre a Armênia e o Azerbaijão, anunciado durante uma reunião na Casa Branca no início de agosto de 2025 por Trump, na presença dos líderes dos dois países beligerantes.
Como mencionado acima, a declaração final do Rio não contém nenhuma menção ou crítica à OTAN. O mesmo aconteceu na declaração final da cúpula de Kazan, em outubro de 2024.
Os BRICS apelam a um cessar-fogo, mas, como mencionado acima, os Emirados Árabes Unidos apoiam as Forças de Apoio Rápido (RSF), que desempenham um papel importante na continuação da guerra em curso e são responsáveis por crimes contra a humanidade em grande escala, tal como as forças governamentais contra as quais lutam. [7]
Nada é dito sobre a situação no leste da República Democrática do Congo (RDC) e dos Grandes Lagos, que é apenas mencionada entre outros conflitos no ponto 31 da declaração, ao lado dos conflitos no Corno de África e no Sudão (nos quais os Emirados Árabes Unidos estão envolvidos).
Na declaração final, não há qualquer menção ao conflito entre o Paquistão e a Índia (membro proeminente dos BRICS), que atingiu um ponto crítico em maio de 2025 em relação à Caxemira. Isso também permite que Trump possa afirmar ser o árbitro que pôs fim à escalada do conflito (versão contestada por N. Modi). E isso num contexto em que as autoridades paquistanesas o propõem para o Prêmio Nobel da Paz.
Também nada é dito sobre o conflito em curso na Birmânia entre a ditadura militar (que mantém boas relações com Pequim) e a resistência, nem sobre as tensões no Mar da China e em relação a Taiwan.
Um ponto específico da declaração é dedicado à situação no Haiti, afirmando que “a crise atual exige uma solução liderada pelos haitianos, que inclua o diálogo nacional e a busca de um consenso entre as forças políticas locais, as instituições e a sociedade”. Isso não é ruim.
Não há nenhuma referência à AES na declaração final. Não havia representantes oficiais da AES (que existe desde 2024) ou de seus países membros entre os convidados oficiais.
Os BRICS+ constituem uma coalizão heterogênea e contraditória
Nesta segunda parte, Éric Toussaint mostra que os BRICS+ constituem uma coalizão heterogênea e contraditória: embora pretendam encarnar uma alternativa ao campo liderado pelo imperialismo dos Estados Unidos e ao domínio que este exerce sobre os povos do Sul, mantêm relações estreitas com Israel e regimes reacionários. O Egito e os Emirados Árabes Unidos, aliados de Washington e Telavive, desempenham um papel central neste compromisso. Diante do genocídio em Gaza e das guerras (Iêmen, Irã, Ucrânia, Síria, Líbano, Sudão, Leste do Congo, etc.), a declaração final da cúpula de 2025 se limita a apelos gerais, sem sanções contra Israel nem iniciativas fortes. Isso revela a falta de vontade da coalizão BRICS+ de tomar medidas claras e decisivas para enfraquecer o governo neofascista de Netanyahu, pôr fim ao genocídio em Gaza e encerrar as guerras em curso, enquanto vários de seus membros participam ativamente delas, como a Rússia e os Emirados Árabes Unidos, que lideram agressões contra seus vizinhos.
Na prática, o BRICS+ deixa amplamente a iniciativa para Trump, que se apresenta como pacificador (Índia/Paquistão, RDC/Ruanda, Ucrânia/Rússia, Armênia/Azerbaijão, etc.), enquanto ele está na ofensiva de forma agressiva por diferentes meios (militares, alfandegários, tentativas de controle de zonas ricas em matérias-primas, etc.) e não hesita em recorrer à força, apoiando Israel em seus crimes.
Diante dessa situação, se deve priorizar à ação independente dos povos e às mobilizações mais fortes e massivas possíveis contra o genocídio em curso contra o povo palestino e em solidariedade com todas as vítimas de conflitos, independentemente do local do planeta onde ocorram. Trata-se também de se mobilizar em escala internacional e local contra a ascensão das forças de extrema direita e neofascistas. A construção de uma alternativa anti-imperialista, feminista, internacionalista, ecologista e socialista continua mais necessária do que nunca.
Nas próximas partes da série, o autor abordará a posição dos BRICS+ em relação ao FMI, ao Banco Mundial, à OMC, ao “livre” comércio, à “livre” concorrência... Ele analisará as ferramentas que os BRICS se dotaram, como o Novo Banco de Desenvolvimento. Ele abordará a posição dos BRICS+ em relação ao dólar. Sua posição sobre os desafios ecológicos.
O autor agradece a Omar Aziki, Patrick Bond, Sushovan Dhar, Jawad Moustakbal e Maxime Perriot pela revisão e pelos conselhos. O autor é inteiramente responsável pelas opiniões expressas neste texto e por quaisquer erros que ele possa conter.
Tradução: Alain Geffrouais
[1] “Egyptian cement exports to Israel skyrocketed by more than 16x in 2024, reaching USD 66.2 mn from just USD 3.8 mn in 2023, according to the Export Council for Building Materials.” (Source : https://enterprise.news/egypt/en/news/story/55498e50-8e41-47d9-8781-8abf16961180/the-cement-industry-is-recovering,-but-challenges-remain )
[2] Apesar dessa suspensão, dados do Instituto Turco de Estatística (TurkStat) mostram que, em abril de 2024, as exportações de produtos como cimento, ferro, aço e outros materiais de construção continuaram, totalizando vários milhões de dólares. Por exemplo, as exportações para Israel incluíram cerca de US$ 6,6 milhões em “gesso, cal e cimento”, além de outros materiais, como ferro e aço.
[3] Ver o resumo das ondas do levante popular no Bahrein em 2011https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_no_Bar%C3%A9m_de_2011
[4] Os Acordos de Abraão são dois tratados de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, por um lado, e entre Israel e Bahrein, por outro. O primeiro, entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, foi anunciado em 13 de agosto de 2020 pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Eles foram assinados em 15 de setembro de 2020 na Casa Branca, em Washington, acompanhados por uma declaração tripartite também assinada pelo presidente americano como testemunha. Esses acordos foram ampliados com os acordos com o Sudão e Marrocos. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_de_Abra%C3%A3o
[5] “Donald Trump is already failing the implicit geography test that is taking office as the president of the United States.
Just hours after being sworn in Monday, a reporter asked Trump about his demand that NATO member states spend at least five percent of their GDP on defense, citing Spain’s defense spending level. The president responded completely incorrectly.
“Spain is very low [in defense spending]. And yet, are they a BRICS nation ?” Trump asked.
“What ?” the reporter replied.
“They’re a BRICS nation, Spain. You know what a BRICS nation is ? You’ll figure it out,” Trump said, managing to be both snide and wrong.
“But uh, and if the BRICS nations want to do that, that’s OK, but we’re gonna put at least 100 percent tariff on the business they do with the United States,” Trump said. The ‘S’ in BRICS does not stand for Spain at all.” (Source : https://newrepublic.com/post/190476/donald-trump-basic-geography-spain-brics )
[6] «When I heard about this group from BRICS, six countries, basically, I hit them very, very hard. And if they ever really form in a meaningful way, it will end very quickly» Trump said without naming the countries. «We can never let anyone play games with us.» (Source : Reuters, https://www.reuters.com/world/africa/trump-says-brics-would-end-quickly-if-they-ever-form-meaningful-way-2025-07-18/ )
[7] Para um balanço humano do conflito no Sudão: https://unric.org/fr/crise-au-soudan-la-reponse-de-lonu/ consultado em 3 de setembro de 2025. Leia também: https://news.un.org/fr/story/2025/04/1154666
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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