Perguntas e respostas sobre a China como potência credora de primeira ordem

21 de Novembro de 2024 por Eric Toussaint


A China é diabolizada por numerosos/as comentadores/as: seria o principal credor de grande número de países do Sul e explorá-los-ia, enquanto o Banco Mundial, o FMI, o Clube de Paris, que agrupam as potências credoras tradicionais, fariam o que podiam para auxiliar esses países, que estão a afundar sob o peso da dívida.

Por seu lado, a China também faz a sua propaganda. Apresenta-se como aliada do Sul, anuncia periodicamente anulações ou reduções das dívidas e afirma que não impõe condicionalismos neoliberais, como fazem o FMI e o Banco Mundial. Além disso, chama a atenção para a sua eficácia.



  Sommaire  

 Qual a amplitude e montante dos empréstimos da China?

A China é o maior credor público dos países do Sul Global

Segundo um estudo publicado em novembro de 2023, a organização AidData recenseou 20.985 projectos relativos a empréstimos ou apoios da China em 165 países. O montante total desses créditos Créditos Montante de dinheiro que uma pessoa (o credor) tem direito de exigir a outra pessoa (o devedor). elevava-se, segundo AidData, a 1340 milhares de milhões de dólares ao longo de um período de 22 anos. [1] Isto faz da China o maior credor público em relação aos países do Sul Global. Os empréstimos da China ayingem um volume mais elevado do que a soma dos empréstimos concedidos por FMI, Banco Mundial e Clube de Paris [2]. A China ultrapassou os outros credores a partir de 2015 [3]. Mas atenção, os credores privados, e não a China, são os principais credores da dívida pública Dívida pública Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social. e privada, tanto nos países ditos desenvolvidos, como nos países em desenvolvimento.

Portanto é um erro dizer que a China é o principal credor a nível mundial ou ao nível do Sul. Os credores privados (nomeadamente os fundos de investimento como BlackRock ou Pimco, os fundos de pensões, os bancos privados, os fundos abutre, etc.) são os principais credores.

O que é correcto dizer é que a China é o principal credor público e portanto o principal colector público de dívidas dos países do Sul.

 A China é um credor mais importante que os EUA?

A China ultrapassou os EUA enquanto credor no início dos anos 2000

Sim. O volume dos créditos concedidos pela China a partir de 2020 ascende a cerca de 80 mil milhões de dólares por ano [4]. A título comparativo, os EUA, que nos últimos anos se têm esforçado por alcançar a China, concederam créditos num montante total de 60 mil milhões por ano. A China ultrapassou os EUA como credor no início dos anos 2000.

Como se vê no gráfico 1, em 2016 o volume anual de créditos concedidos pela China alcançou os 140 mil milhões de dólares, três vezes mais que os créditos cedidos pelos EUA. Em 2017 e 2018, o volume anual andou pelos 120 mil milhões, 100 mil milhões em 2019, para depois chegar aos 80 mil milhões. Verifica-se igualmente que os créditos oficiais concedidos pelos EUA foram inferiores ao montante anual de 40 mil milhões de dólares de 2016 a 2020 e em seguida aumentaram para atingir os 60 mil milhões em 2021. Os fluxos de créditos oficiais dos países do G7 (incluindo os EUA) foram inferiores aos da China de 2016; daí em diante, apesar de não aumentarem, foram superiores aos da China, devido ao facto de a China ter diminuído o seu volume anual de novos créditos. A partir de 2020 os créditos oficiais do G7 aumentaram consideravelmente, para fazerem concorrência à influência da China.

Gráfico 1: Fluxos financeiros oficiais da China, dos EUA e dos países do G7 para os países em desenvolvimento ao longo da era da Nova Rota da Seda, 2014-2021, em milhares de milhões de dólares US constantes 2021 [5]

Source : AIDDATA, “Belt and Road Reboot, Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative”, Novembre 2023, page 12, https://docs.aiddata.org/reports/belt-and-road-reboot/Belt_and_Road_Reboot_Full_Report.pdf

Fonte: AIDDATA, «Belt and Road Reboot, Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative», Novembre 2023, p. 12, https://docs.aiddata.org/reports/belt-and-road-reboot/Belt_and_Road_Reboot_Full_Report.pdf

Tradução do gráfico:
All G7 countries: Todos os países do G7
United States: Estados Unidos da América

Gráfico 2: Fluxos financeiros oficiais da China e dos países do G7 para os países em desenvolvimento durante a era da Nova Rota da Seda (BRI), 2014-2021. Em milhares de milhões de dólares US constantes 2021 [6]

Source : AIDDATA, “Belt and Road Reboot, Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative”, Novembre 2023, page 11, https://docs.aiddata.org/reports/belt-and-road-reboot/Belt_and_Road_Reboot_Full_Report.pdf

Fonte: AIDDATA, «Belt and Road Reboot, Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative», Novembre 2023, p. 11, https://docs.aiddata.org/reports/belt-and-road-reboot/Belt_and_Road_Reboot_Full_Report.pdf

Tradução do gráfico:
ODA: Ajuda Pública ao Desenvolvimento
OOF: Outros Fluxos Financeiros PúblicosVague: Vago, Impreciso
United States: Estados Unidos da América
Germany: Alemanha
United Kingdom: Reino Unido

O gráfico 2 mostra que o total dos créditos oficiais da China no período 2014-2021 equivale a mais do dobro do dos EUA. Verifica-se também que a parte da ajuda pública ao desenvolvimento (APD) nos créditos chineses é nitidamente inferior ao que ela representa, tanto em volume como em percentagem, nos créditos concedidos pelos EUA, Alemanha, Japão, Reino Unido e França.

 Quando é que a China se tornou um credor público importante? Qual é o papel do grande projecto chinês chamado Nova rota da Seda, em inglês Belt and Road Initiative (BRI)?

A partir de 2013/2014 a China lançou o Belt and Road Initiative, um vasto programa de investimentos e de créditos ao nível mundial. Trata-se designadamente de criar vastos corredores económicos que lhe permitam exportar e importar com menores custos, maior segurança e rapidez

Após a vitória da revolução chinesa de 1949, a China concedeu créditos e donativos aos países ditos do Terceiro Mundo nessa época. Esses créditos foram para países que a China procurava aproximar da sua área de influência e tinham um aspecto acentuado de cooperação solidária. A procura de rentabilidade ou de fontes de matérias-primas não fazia parte dos objectivos de Pequim. A partir dos anos 1980, com Deng Xiaoping, foram feitas reformas ditas «de mercado» de forma acelerada, donde resultou a criação de um sector capitalista importante na China, embora o Estado tenha conservado o controlo dos principais instrumentos económicos.

Nos anos 1990, a China transformou-se progressivamente na grande oficina do mundo. Acolheu imensos investimentos das transnacionais norte-americanas, europeias, japonesas, taiwanesas, etc., que reexportam a sua produção para o mercaso mundial. Nesse quadro, a China acumulou excedentes comerciais enormes em relação aos EUA e às potências económicas europeias. Esses superávites, principalmente sob a forma de reservas cambiais em dólares, foram-se acumulando e a China começou a emprestar cada vez mais massivamente esses excedentes em dólares aos países do Sul Global e, embora de forma mais marginal, a certos países do Norte. A China também utilizou uma parte consideráavel das suas reservas para adquirir empresas, tanto a norte como a sul. Apoiada numa taxa de cerscimento próxima ou superior a 10 % anuais durantee mais de 20 anos (entre 1990 e 2013 a atxa de crescimento anual da China oscilou entre 7,66 % e 14,23 %), transformou-se na segunda potência industrial do planeta, pronta a ultrapassar a economia dos EUA no futuro.

A partir de 2013-2014 a China lançou um vasto programa de investimentos e de créditos a nível mundial a que chamou Belt and Road Initiative, conhecido em português como Nova Rota da Seda. Tratava-se nomeadamente de criar largos corredores económicos que llhe permitissem exportar e importar a menores custos, com a maior segurança e rapidez possível. Tratava-se de importar as matérias-primas de que a sua indústria necessita, algumas delas de alta tecnologia, e reexportá-las pelos mesmos corredores para o mercado mundial.

O gráfico 3 e o mapa mostram que mais de 140 países assinaram acordos com a China no âmbito da Nova Rota da Seda, a maior parte deles situados em África, no Médio Oriente e na Ásia.

Gráfico 3 e mapa: Os países da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative)

Source : Green Finance and Development Center, FISF Fudan University, extrait de Christoph Nedopil Wang, “Ten years of China’s belt and Road Initiative (BRI) : Evolution and the road ahead”, FISF, Griffith University, page 7.

Fonte: Green Finance and Development Center, FISF Fudan University, extraído de Christoph Nedopil Wang, «Ten years of China’s belt and Road Initiative (BRI): Evolution and the road ahead», FISF, Griffith University, p. 7.

África Subsaariana44 países
Europa e Ásia Central 35 países
Leste asiático e Pacífico 25 países
América Latina e Caraíbas 21 países
Médio Oriente e Norte de África 18 países
Sul da Ásia 6 países
Groupo de rendimento
Países de elevado rendimento 34
Países de rendimento médio superior 43
Países de rendimento médio inferior 41
Países de baixo rendimento 31
Fonte: Green Finance and Development Center, FISF Fudan University, extraído de Christoph Nedopil Wang, «Ten years of China’s belt and Road Initiative (BRI): Evolution and the road ahead», FISF, Griffith University, p. 7
Tradução do mapa e do gráfico:
Year of MoU signature: Ano da assinatura do acordo com a China para fazer parte da iniciativa Novas Rotas da Seda
Unclear: Pouco claro
Number of countries with BRI MoU: Número de países que assinaram o acordo para fazerem parte das Novas Rotas da Seda.
By April 2023, 141 to 148 countries have signed Memorandum of Understandings (MoU) with China to be part of the Belt and Road Initiative (BRI): Em abril de 2023, entre 141 e 143 países já já tinham assinado o acordo com a China para fazerem parte das Novas Rotas da Seda.

Gráfico 4: Fluxos financeiros oficiais da China para países em desenvolvimento, 2000-2021, em milhares de milhões de dólares US constantes 2021

Fonte: AidData, «Belt and Road Reboot, Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative», Novembro 2023, p. 8, https://docs.aiddata.org/reports/belt-and-road-reboot/Belt_and_Road_Reboot_Full_Report.pdf
Tradução do gráfico:
Early BRI: Primeiro período das Novas Rotas da SedaLate BRI: Segundo período das Novas Rotas da Seda
ODA: Ajuda pública ao desenvolvimento
OOF: Outros fluxos financeiros públicos
Vague: Vago, Impreciso

Gráfico 5: Fluxos financeiros oficiais cumulados da China para os países em desenvolvimento, 2000-2021, em milhares de milhões de dólares US constantes 2021

Fonte: AidData, «Belt and Road Reboot, Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative», Novembro 2023, p. 10, https://docs.aiddata.org/reports/belt-and-road-reboot/Belt_and_Road_Reboot_Full_Report.pdf
Tradução do gráfico:
Early BRI: Primeiro período das Novas Rotas da Seda
Late BRI: Segundo período das Novas Rotas da Seda
Grand Total: Total geral
ODA: Ajuda pública ao desenvolvimento
OOF: Outros fluxos financeiros públicos
Vague: Vago, Impreciso

O gráfico 5 indica que os créditos de ajuda pública ao desenvolvimento (APD, em inglês ODA) que são concedidos a taxas concessionais, ou seja inferiores às taxas de mercado, constituem apenas cerca de 10 % do total dos créditos chineses. O total acumulado dos créditos oficiais ao estrangeiro ascende, segundo o gráfico, a 1300 milhares de milhões de dólares.

Gráfico 6: O crescimento dos créditos da China ao exterior (em milhares de milhões de dólares US)

No gráfico abaixo, publicado pelo Federal Reserve Bank of New York, vemos claramente um aumento dos créditos chineses ao estrangeiro, que quadruplicam entre 2012 e 2022, passando de pouco mais de 500 mil milhões de dólares em 2012 para cerca de 2000 milhares de milhões em junho de 2022.

A parte a azul corresponde aos créditos que as empresas na posse da China implantadas no estrangeiro concedem entre si. A laranja, vemos o crédito comercial e a cinzento, os restantes créditos. São estes que aumentam mais. Os volumes apresentados no gráfico não coincidem inteiramente com os fornecidos por AidData, mas indicam a mesma evolução e incluem os créditos comerciais e os empréstimos entre empresas implantadas no estrangeiro mas na posse da China.

Fonte: State Administration of Foreign Exchange e Bank for International Settlements, ambos via CEIC (in https://libertystreeteconomics.newyorkfed.org/2022/11/a-closer-look-at-chinese-overseas-lending/ ).
Nota: Os dados vão até junho/2022.
Tradução do gráfico:
FDI debt claims: Empréstimos entre empresas na posse da China no estrangeiro (a azul)
Trade credit: Crédito comercial (a laranja)
Loans: Empréstimos (a cinzento)

 Os créditos chineses estão fortemente em baixa, como afirma o Banco Mundial nos seus relatórios de dezembro/2022 e dezembro/2023?

Segundo AidData, é falsa a afirmação de que os empréstimos chineses estejam fortemente em baixa desde 2021. AidData considera que os empréstimos chineses ascenderam a 75 mil milhões de dólares em 2021, enquanto o Banco Mundial afirma que foram 7,1 mil milhões nesse mesmo ano. AidData explica que esta enorme diferença se deve ao facto de a China ter alterado muito a sua maneira de emprestar e utilizar novos canais (ver AidData novembre 2023, cap. 2, p. 47 a 54).

 Quais são as principais entidades chinesas que concedem empréstimos?

A China empresta por meio de várias instituições públicas [7]: seus bancos públicos estratégicos (China Development Bank e China Eximbank), e também utiliza cada vez mais os recursos do banco central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). (People’s Bank of China) e dos bancos comerciais estatais (como o Industrial and Commercial Bank of China, o Bank of China e o China Construction Bank). Isso é complementado por empréstimos sindicalizados. Nos empréstimos sindicalizados, os bancos estatais chineses emprestam em conjunto com bancos ocidentais privados, como o banco francês BNP-Paribas ou o banco britânico Standard Chartered Bank, e/ou com a Corporação Financeira Internacional (IFC), que faz parte do Banco Mundial, ou com o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento (BERD)... [8].

Deve-se observar também que as entidades públicas chinesas estão comprando dívidas dos países do Sul no mercado secundário por meio de fundos de investimento como BlackRock, Pimco, AllianceBernstein, Fidelity Investments e Amundi Asset Management [9].

 Para quais tipos de projetos os empréstimos são concedidos?

O objetivo da China é fortalecer a capacidade dos países africanos que recebem créditos chineses de explorar seus recursos naturais e exportá-los com pouco ou nenhum processamento
Inicialmente, a maioria dos empréstimos chineses foi destinada a projetos de infraestrutura: estradas e autoestradas, pontes, aeroportos, ferrovias, portos marítimos, represas hidráulicas e usinas de energia, usinas de energia a carvão etc.

De acordo com uma matéria da agência de notícias oficial chinesa Xinhua, publicada em 7 de fevereiro de 2023: «Desde a criação do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), há 23 anos, as empresas chinesas construíram ou modernizaram mais de 10.000 km de ferrovias, quase 100.000 km de estradas, cerca de 1.000 pontes e 100 portos, além de vários hospitais e escolas na África.» Fonte: Xinhua, « Des faits clés sur la dette africaine que les États-Unis ignorent délibérément », 7/02/2023, https://french.news.cn/20230207/4d1e5c179b344ccb90307ddd72c28d3d/c.html

O objetivo é claramente fortalecer a capacidade dos países africanos que recebem créditos chineses de explorar seus recursos naturais e exportá-los com pouco ou nenhum processamento.

É impressionante notar que, nesse artigo da agência chinesa, o foco está na infraestrutura ligada ao modelo de exportação extrativista. O artigo menciona, por exemplo, «1.000 pontes e 100 portos», enquanto acrescenta «vários hospitais e escolas». A desproporção é óbvia. Fica muito claro onde estão as prioridades.
A construção de hospitais, universidades ou fábricas de produtos manufaturados não constitui uma prioridade dos investimentos chineses
No mesmo artigo e na mesma linha, encontramos esta passagem: «Quando altos funcionários americanos pegam [depois do poso dos seus aviões, nota de Eric T] uma passarela de desembarque na África, provavelmente estão indo para um terminal construído por uma empresa chinesa. E seus carros também estão rodando numa estrada ou ponte construída por um fabricante chinês... É possível encontrar infraestrutura moderna construída pela China em quase todo o continente». A agência chinesa não considerou interessante destacar laboratórios farmacêuticos, hospitais, universidades ou fábricas de produtos manufaturados de alto valor agregado construídos pela China. Isso não se deve ao fato de os créditos chineses excluírem totalmente esse tipo de investimento – seria um exagero dizer isso –, mas sim ao fato de não ser uma prioridade. Esse tipo de projeto é muito minoritário.

O que se aplica à África também se aplica aos países da América Latina e da Ásia. A África Subsaariana é vista pelos formuladores de políticas chineses como um território do qual as matérias-primas são extraídas e enviadas sem processamento para a China ou para outros países consumidores. Isso perpetua o papel atribuído à África na economia mundial pelas potências imperialistas tradicionais: uma fonte de matérias-primas baratas produzidas por mão-de-obra muito mal paga. A China está reproduzindo o tipo de política que as potências capitalistas ocidentais e instituições como o Banco Mundial e o FMI vêm adotando na África.

 Os empréstimos chineses são concedidos em condições financeiras mais vantajosas do que os empréstimos concedidos por outros credores?

As taxas chineses ficam num patamar similar às do FMI ou do Banco Mundial
Depende. Em todo caso, ao contrário do que afirmam vários autores, as taxas cobradas pela China não são o dobro das taxas dos empréstimos concedidos pelo FMI e pelo Banco Mundial. As taxas de empréstimo do FMI variam de um mínimo de 4 % a frequentemente até 8 % devido às sobretaxas do FMI [10]. As taxas cobradas pelo Banco Mundial, com exceção de seu braço de empréstimos concessionais, a AID, ficam em torno de 6 % a 8 %. As taxas chinesas são da mesma ordem de grandeza, embora algumas sejam concedidas a uma taxa concessional de pouco menos de 3 %. Em comparação com as taxas cobradas pelos credores privados nos mercados financeiros durante os cerca de dez anos de flexibilização quantitativa, de 2012 a 2022, as taxas chinesas eram iguais ou ligeiramente mais altas. De 2022 em diante, quando o Fed, o BCE Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
e o Banco da Inglaterra abandonaram essa política em favor do aperto quantitativo, as taxas subiram acentuadamente. A proporção de empréstimos chineses concedidos a uma taxa fixa está, portanto, em uma taxa mais baixa do que a taxa de mercado. Entretanto, uma proporção significativa dos empréstimos chineses é concedida a taxas variáveis e, nesse caso, segue a tendência das taxas ditadas pelos bancos centrais ocidentais (veja abaixo).

Há três fatores principais que tornam os empréstimos chineses atraentes:
1. Eles não estão vinculados às condicionalidades geralmente impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial e apoiados pela maioria dos credores bilaterais agrupados no Clube de Paris.
2. Eles são uma fonte complementar de financiamento para outros credores, permitindo que eles concorram entre si.
3. Os empréstimos chineses vêm com períodos de carência que variam de 5 a 7 anos, permitindo que o país inicie os pagamentos somente após esse período. Isso é muito prático para um governo em exercício no caso de uma alternância de governo no poder, pois os pagamentos só começam no final da legislatura ou no início da legislatura da força política alternada.

 Se as taxas cobradas pela China não são tão diferentes das de outros credores, há algum fator adicional na decisão de recorrer aos empréstimos chineses?

O prazo de execução dos projetos financiados a crédito pela China é muito menor do que o dos projetos financiados pelo Banco Mundial ou pelos credores do Clube de Paris. Em termos concretos, uma estrada, uma ponte ou um aeroporto financiados a crédito pelos chineses serão concluídos em um tempo muito menor do que o mesmo tipo de projeto financiado por outros.

  A China estabelece outras condições além daquelas impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial? Os empréstimos chineses são um meio de exercer soft power, aumentando sua influência?

A China, em troca dos créditos que concede, espera que um governo adote uma política nas relações internacionais que seja favorável à China ou, pelo menos, não hostil à China.
Está claro que a China, em contrapartida dos créditos que concede, espera que um governo adote uma política nas relações internacionais que seja favorável à China ou, pelo menos, não hostil à China. Graças a seus créditos, a China convenceu vários países a deixarem de reconhecer Taiwan como um estado independente e fecharem a embaixada taiwanesa em seu território. Na África, apenas Eswatini ainda reconhece Taiwan. De acordo com a AidData, quanto mais dinheiro um país recebe da China, maior a probabilidade de ele votar com a China na Assembleia Geral das Nações Unidas (consulte o relatório da AidData citado acima, p. 29, e o gráfico 1.16, p. 31 https://docs.aiddata.org/reports/belt-and-road-reboot/Belt_and_Road_Reboot_Full_Report.pdf ). A China está claramente exercendo soft power por meio de sua política de empréstimos.

 Em quais moedas os empréstimos chineses são concedidos?

Durante um período, a China reciclou suas enormes reservas de dólares usando-as na forma de empréstimos no exterior e também as usou para adquirir empresas no exterior. Desde 2013/2014, a China reduziu seus empréstimos bilaterais de longo prazo denominados em dólares para mutuários soberanos e aumentou seus empréstimos de curto e médio prazo denominados em Renminbi (RMB)/Yuan. Isso é mostrado no gráfico 7.

Gráfico 7: Composição da carteira de empréstimos da China por moeda. Porcentagem dos compromissos de empréstimos do setor público da China (em dólares constantes de 2021) para países de renda baixa e média

Tableau tiré de AidData, “Belt and Road Reboot: Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative”, Novembre 2023, chapitre 2.
Tradução do gráfico:
Early BRI : Primeiro período das Novas Rotas da Seda
Late BRI : Segundo período das Novas Rotas da Seda
RMB : Renminbi
USD : Dolares US
Other : Outras (incluindo o euro, a libra esterlina e as moedas locais dos países de renda baixa ou intermediária)

 Como a China financia os empréstimos que concede?

Ao contrário do Banco Mundial, a China não financia seus empréstimos tomando empréstimos nos mercados internacionais. Conforme mencionado acima, ela utiliza parte de suas colossais reservas de dólares para conceder empréstimos. A China também é credora dos Estados Unidos, detendo oficialmente pouco menos de US$ 1.000 bilhões na forma de títulos do Tesouro dos EUA.

E quando, como acontece na maioria das vezes, a China empresta em sua própria moeda, ela não tem dificuldade em fazê-lo – basta imprimir dinheiro ou abrir uma linha de crédito.

 Além dos empréstimos para projetos de infraestrutura etc., é verdade que a China concede empréstimos emergenciais?

Sim, a China concede uma quantidade significativa de empréstimos emergenciais para ajudar os países endividados a continuar pagando à China e também ao FMI (veja abaixo sobre o FMI). Isso é mostrado no gráfico 8.

Gráfico 8: Comparação da carteira de empréstimos da China por instrumentos financeiros Instrumentos financeiros Os instrumentos financeiros são os títulos financeiros e os contratos financeiros.
Os títulos financeiros são: títulos de capital emitidos por sociedades de acções (acções, parcelas de capital social, certificados de investimento, etc.), os títulos de dívida – com exclusão das letras comerciais e dos títulos de pensão e vales de caixa (obrigações e títulos semelhantes) –, as parcelas de capital ou acções de organismos de investimento colectivo em valores mobiliários.
Os contratos financeiros designados «futuros financeiros» são os contratos a longo prazo sobre taxas de juro, as permutas financeiras (swaps), os contratos a prazo sobre todas as mercadorias, os contratos de opção de compra ou venda de instrumentos financeiros e todos os outros instrumento do mercado de futuros.
. Porcentagem dos empréstimos do setor público da China para países de renda baixa e média

Ce graphique provient du chapitre 2 du rapport d’AidData de novembre 2023 voir https://www.aiddata.org/publications/belt-and-road-reboot.
Tradução do gráfico:
Emergency lending : Empréstimos de emergência
Infrastructure projet lending : Empréstimos para financiamento de projetos de infraestrutura
Early BRI : Primeiro período das Novas Rotas da Seda
Late BRI : Segundo período das Novas Rotas da Seda
Other : Outros

Em 2013, um ano antes do primeiro ano de implementação total da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), os empréstimos de assistência emergencial representavam apenas 5 % dos empréstimos da China no exterior para países de baixa e média renda. Até 2021, os empréstimos de assistência emergencial representam 58 % dos empréstimos da China para essa categoria de países. Isso é mostrado no gráfico 8. O Banco Popular da China (PBOC) – o banco central da China – é, de longe, o maior financiador das operações internacionais de empréstimo de ajuda emergencial, o que explica por que ele se tornou gradualmente uma parte dominante do portfólio de empréstimos de Pequim. Em março de 2023, uma equipe de pesquisadores da AidData, do Banco Mundial, da Harvard Kennedy School e do Kiel Institute for the World Economy publicou um estudo que explica por que Pequim realizou operações de empréstimo de assistência no valor de quase US$ 250 bilhões em 22 países (Fonte: Horn, Sebastian, Bradley C. Parks, Carmen M. Reinhart e Christoph Trebesch. 2023a. China as an International Lender of Last Resort. Documento de trabalho do NBER nº 31105. Cambridge, MA: NBERhttps://www.aiddata.org/publications/china-as-an-international-lender-of-last-resort).

Eles constatam que a maioria dessas operações ocorreu em países participantes da iniciativa do BIS e com altos níveis de dívida pendente (projetos de infraestrutura) com bancos e empresas chinesas. Eles também constatam que os resgates de Pequim são direcionados a tomadores de empréstimos governamentais em dificuldades, em momentos em que suas reservas cambiais estão baixas e suas classificações de crédito são ruins [11].
AidData estima que 80 % da carteira de empréstimos da China aos países em desenvolvimento corresponde a países com dificuldades financeiras
De acordo com o relatório da AidData publicado em novembro de 2023, a China está desempenhando um papel desconhecido e desconfortável para ela: o de maior cobrador oficial de dívidas do mundo. 55 % de seus empréstimos a países de baixa e média renda já entraram no período de reembolso do principal, e esse número aumentará para 75 % até 2030. O total da dívida pendente – incluindo o principal, mas excluindo os juros – com a China por parte dos países em desenvolvimento mutuários é de pelo menos US$ 1.100 bilhões e, possivelmente, de até US$ 1.500 bilhões (em dólares nominais). Pequim está encontrando seu lugar como organismo intrenacional de cobrança de dívidas em um momento em que muitos de seus maiores tomadores de empréstimos estão enfrentando graves problemas de liquidez ou estão insolventes. A AidData estima que 80 % da carteira de empréstimos da China aos países em desenvolvimento corresponde a países com dificuldades financeiras. Os atrasos nos pagamentos de empréstimos à China estão aumentando – tanto em termos absolutos quanto em proporção ao total de pagamentos de empréstimos em atraso aos credores oficiais (ou seja, bilaterais e multilaterais).

 Entre os créditos emergenciais, como caracterizar as linhas de crédito de swap?

Trata-se para a China de oferecer a possibilidade de ter acesso a uma linha de crédito em caso de necessidade. A Argentina é um exemplo disso. A Argentina, que deve mais de US$ 40 bilhões ao FMI e está cruelmente com poucas reservas em dólares, usa a linha de crédito com a China para tomar emprestada uma grande quantidade de renminbi (RMB), para conseguir pagar ao Fundo Monetário Internacional dentro do prazo. Isso é possível porque a moeda chinesa é uma das cinco moedas em que o FMI aceita o pagamento (dólares, euros, libras esterlinas, ienes japoneses e renminbi). Lembre-se de que durante a crise bancária e financeira de 2007-2008, quando ela se espalhou dos Estados Unidos para os principais bancos privados da Europa, o Federal Reserve (FED) dos EUA permitiu que o Banco Central Europeu usasse esse tipo de swap para obter dólares e fornecê-los aos bancos privados da Europa, que, de outra forma, corriam o risco de falência. Isso, por sua vez, teria levado a outras falências de grandes bancos nos Estados Unidos.

Pelo menos 17 países usaram os swaps oferecidos pelos chineses. Isso é significativo, mas cuidado: os empréstimos emergenciais concedidos pelo FMI são de maiores volumes do que os concedidos pela China.

 Os contratos assinados com a China e suas instituições de empréstimo são transparentes?

A China está se comportando como a maioria dos credores, impondo cláusulas de confidencialidade aos governos e entidades que recorrem a seus créditos. Enquanto há cerca de vinte anos certos contratos eram públicos, a China agora está claramente exigindo sigilo sobre as condições sob as quais seus empréstimos são concedidos. Embora deva ser possível exercer o direito à informação para que os cidadãos possam formar uma opinião tanto sobre os termos do contrato quanto sobre a relevância e a qualidade dos projetos e políticas apoiados pelos empréstimos chineses, o sigilo imposto pelos credores chineses é um obstáculo que os movimentos sociais e os representantes eleitos devem tentar superar. Essa política de sigilo aplicada pela China não é excepcional, pois outros credores a praticam há muito tempo. No entanto, isso não deve, de forma alguma, justificar os obstáculos colocados no caminho do direito a uma auditoria.

  É verdade que a China pode recorrer a uma conta de depósito de garantia para se reembolsar em caso de não cumprimento de um prazo de pagamento?

Sim. Nos últimos 10 anos, a China tem exigido que as autoridades públicas dos países que recebem créditos abram uma conta específica na qual devem depositar o equivalente a uma ou mais parcelas de reembolso. Em alguns casos, essa conta é alimentada por parte da receita gerada pelo projeto financiado pela China. Em caso de atraso no pagamento, a China tem o direito de sacar unilateralmente essa conta para se reembolsar.

Outros credores impõem as mesmas condições, mas parece que a China usa esse procedimento com muito mais frequência.

A China é diabolizada por numerosos/as comentadores/as: seria o principal credor de grande número de países do Sul e explorá-los-ia, enquanto o Banco Mundial, o FMI, o Clube de Paris, que agrupam as potências credoras tradicionais, fariam o que podiam para auxiliar esses países, que estão a afundar sob o peso da dívida.

Por seu lado, a China também faz a sua propaganda. Apresenta-se como aliada do Sul, anuncia periodicamente anulações ou reduções das dívidas e afirma que não impõe condicionalismos neoliberais, como fazem o FMI e o Banco Mundial. Além disso, chama a atenção para a sua eficácia.

 Nos últimos 3 anos, os créditos da China e do FMI reduziram a escala e o número de incumprimentos do pagamento das dívidas? Trouxeram soluções?

Desde 2020, com a sucessão de choques externos (pandemia de corona-vírus e os efeitos da guerra da Ucrânia, nomeadamente sobre o preço dos cereais, dos fertilizantes químicos e dos combustíveis), o número de países em dificuldades financeiras aumentou bastante. Isto só não produziu uma crise generalizada de pagamentos da dívida, porque o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a China multiplicaram os créditos de urgência ou reescalonaram os reembolsos. O FMI e a China não foram os únicos a fazê-lo, mas são eles os principais intervenientes, dado o seu peso financeiro.

Isto permitiu oferecer soluções a curto prazo aos credores que, até à data, evitaram uma crise generalizada de pagamentos, mas não proporcionou quaisquer soluções estruturais. Pior ainda: no caso do FMI, este aproveitou para impor o aprofundamento de políticas neoliberais aplicadas há 40 anos: redução das despesas sociais, supressão de subsídios a produtos de primeira necessidade, aumento do IVA, mais privatizações, menos protecção aos produtores/as locais face aos produtos importados, etc. Tudo isto contribuiu para o agravamento das condições de vida de centenas de milhões de pessoas.

No caso da China, que não impõe este tipo de condicionalismos, o que é positivo, o adiamento dos prazos de pagamento não constitui uma solução de fundo, uma vez que o stock da dívida dos países «beneficiários» destes adiamentos continua a aumentar. Em certos casos a China obteve o controlo directo das infraestruturas – foi o caso de uma linha de caminho de ferro no Quénia e outra no Sri Lanka, e de uma concessão de exploração por 99 anos do porto de Hambantota [12].

 A China inspirou-se no que os EUA fizeram nos anos 1980-1990 com os países da América Latina confrontados com uma grave crise da dívida?

O Banco Popular da China concede cada vez mais créditos de urgência, a fim de evitar o mais possível o descalabro dos credores públicos chineses em caso de incumprimento

Em muitos aspectos, a China recorreu às receitas utilizadas pelos Estados Unidos face à crise da dívida latino-americana a partir do início da década de 1980. A fim de proteger os interesses dos credores norte-americanos, em particular os bancos americanos, que eram os principais credores da América Latina, os EUA intervieram activamente na reestruturação das dívidas, concedendo empréstimos de urgência aos países afectados, de modo que eles pudessem manter ou retomar os reembolsos aos bancos.

O Tesouro americano interveio com dinheiro público para salvar os credores privados norte-americanos, ou seja, os grandes bancos privados [13]. No caso da China, verificamos que o Banco Popular da China (o banco central chinês) concede cada vez mais empréstimos de urgência, para evitar o mais possível o descalabro dos credores públicos chineses em caso de incumprimento.

Contudo, há uma grande diferença entre a China e os EUA: no caso da China, a esmagadora maioria dos credores chineses é pública; no caso dos EUA e da crise dos anos 1980, os credores eram quase exclusivamente privados.

 A quanto montam os empréstimos chineses em África?

Segundo Eugène Berg, ex-embaixador francês na Namíbia e no Botsuana, «Entre 2000 e 2018, cinquenta dos 54 países africanos receberam da China um total de 132 mil milhões de dólares, dos quais 80 % provenientes do Ex-Im Bank of China e do China Development Bank (CDB), sob diversas formas. Em 2018, a China detinha quase 21 % da dívida pública externa pendente do continente, com uma grande proporção desses empréstimos a financiar infraestruturas de relevância questionável» (fonte: Eugène Berg, «La percée chinoise en Afrique a des effets délétères», 31 de dezembro de 2021, https://www.lemonde.fr/idees/article/2021/12/31/eugene-berg-la-percee-chinoise-en-afrique-a-des-effets-deleteres_6107775_3232.html).

A agência chinesa Xinhua fornece números diferentes, inferiores, no que diz respeito ao volume dos empréstimos chineses: «Um relatório publicado em julho passado pela ONG britânica Debt Justice mostra que 12 % da dívida externa dos países africanos é detida por credores chineses, contra 35 % de credores ocidentais privados, enquanto a taxa de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. média desses credores privados é de 5 %, contra 2,7 % dos credores públicos e privados chineses» (fonte: Xinhua, «Des faits clés sur la dette africaine que les Etats-Unis ignorent délibérément», 7/02/2023, https://french.news.cn/20230207/4d1e5c179b344ccb90307ddd72c28d3d/c.html).

O peso da China como credor dos países africanos é relativizado em um relatório da Debt Justice

Um relatório da Debt Justice com data de julho de 2022 [14], apoiado na base de dados do Banco Mundial, relativiza o lugar da China e a sua diabolização como credor dos países africanos.

A China tem um peso muito menor que os credores privados no endividamento do continente africano. Em 2022, estes detinham 35 % da dívida externa dos países africanos, contra «apenas» 12 % para a China (este número inclui os credores públicos e privados chineses). Por seu lado, os credores multilaterais (principalmente o Banco Mundial e o FMI) representavam 39 % da dívida externa pública desses países. Por outro lado, segundo a Debt Justice, a China pratica, em média, uma taxa de juro de 2,7 % sobre os empréstimos aos países africanos, contra 5 % no caso dos credores privados. Veremos mais adiante que neste aspecto o relatório da Debt Justice se engana, pois uma parte dos créditos chineses tem taxas mais elevadas.

Da mesma forma, mais de um terço do serviço da dívida externa dos países africanos no período 2022-2028 é devida aos credores privados, contra 19 % para os credores chineses, que no entanto se fazem reembolsar, durante esse período, a totalidade do stock da dívida externa que lhes era devida em finais de 2020. Também neste caso é preciso notar que os montantes que deveriam ser reembolsados à China até 2028 são mais elevados do que previam o Banco Mundial e a Debt Justice. De facto, uma grande parte dos créditos chineses tem taxas de juro variáveis, geralmente indexadas ao Libor, e, com a subida brutal das taxas de juro desde 2022 (provocada pela decisão unilateral da Reserva Federal dos EUA, pelo BCE e pelo Banco de Inglaterra), as taxas a que os países africanos têm de reembolsar a China aumentaram muito (ver mais adiante).

Para apurar a sua análise, Debt Justice debruçou-se sobre os 15 países que gastam mais de 15 % dos seus rendimentos no reembolso da sua dívida externa, os que estão mais endividados. Entre esses países, a quota da China nos reembolsos é mais uma vez bastante inferior à parte correspondente aos credores privados no período 2022-2028.

No entanto, o autor faz notar que mais de um terço do serviço da dívida externa de Angola, Camarões, República Democrática do Congo, Djibuti, Etiópia e Zâmbia, durante esse período, é devido a credores chineses. Por exemplo, entre 2022 e 2028, 59 % do serviço da dívida externa de Angola e 45 % do serviço da dívida externa da Etiópia são devidos à China.

Em suma, segundo este relatório, é preciso relativizar o lugar da China como credora em África. Os credores maioritários da dívida externa pública africana são ocidentais. Neste aspecto, Debt Justice tem toda a razão.

 Quais são as consequências de a China emprestar a taxas variáveis?

Uma parte significativa dos créditos concedidos pela China tem taxas de juro variáveis, correspondente ao Libor, a que acrescem 2 a 3 % suplementares. Isto dá hoje em dia entre 7 e 9 % de taxa de juro

De facto, ao longo dos últimos anos, cada vez mais empréstimos são concedidos a taxas variáveis. Os contratos chineses a taxas variáveis adoptam o índice chamado Libor (London Interbank Offered Rate) que foi posta em prática pelos grandes bancos privados nos anos 1970. assinale-se que, durante a crise da dívida do Terceiro Mundo na década de 1980, uma das causas da crise foi a decisão da Reserva Federal dos EUA de aumentar radicalmente as taxas, o que se repercutiu num aumento radical do Libor, que servia de índice aos créditos bancários a taxas variáveis concedidos pelos bancos privados do Norte aos países ditos do Terceiro Mundo.

De certa maneira, assistimos agora ao mesmo fenómeno. Os créditos a taxas variáveis concedidos pela China desde o lançamento do projecto Nova Rota da Seda (BRI em inglês) foram acordados quando o Libor estava próximo de zero, pois correspondia às taxas praticadas pelo banco central dos EUA, pelo Banco Central da Europa e pelo Banco de Inglaterra entre 2012 e 2022. Depois da decisão unilateral desses três grandes bancos centrais de subirem as suas taxas, indo até aos 5,5 % no caso da Reserva Federal dos EUA e Banco de Inglaterra, o Libor passou de 0 a mais de 5 %. Ver gráfico abaixo.

Gráfico 9: Evolução do Libor entre 1999 e 2024

Parte significativa dos empréstimos concedidos pela China indica que a taxa de juro variável corresponde ao Libor, ao qual acrescem 2 a 4 % suplementares. É o caso, por exemplo, de um crédito do China Ex-Im Bank nos Camarões, concedido em 2014. O contrato prevê que a taxa de juro segue o Libor, acrescida de 3 a 4 %. Significa isto, hoje em dia, se esta cláusula do contrato for aplicada, uma taxa de 8 a 9 %, visto que o Libor está a mais de 5 %.

Outro crédito concedido aos Camarões, neste caso pelo China Development Bank, prevê que a taxa variável corresponda ao Libor, acrescida de 2 a 3 %. Um terceiro crédito aos Camarões, proveniente do banco público chinês ICBC, prevê uma taxa correspondente ao Libor mais 1 a 4 %.

A China não é a única a adoptar taxas variáveis e o Libor como referência. É o caso, por exemplo, do Export Credit Bank da Turquia, que também concedeu um crédito aos Camarões com uma taxa de juro indexada ao Libor, mais 4 %. É também o caso do crédito concedido pela International Islamic Trade Finance Corporation, que prevê a taxa Libor mais 3 %. situação similar em um crédito cedido aos Camarões pelo banco privado CommerzBank AG Paris que prevê que a taxa seja a do Libor, mais 1,6 %.

Outros credores indexam as taxas de juro ao índice chamado Euribor. No caso dos Camarões, foi o que aconteceu com a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), que prevê que a taxa seja a do Euribor mais uma margem que não foi tornada pública. Note-se que no caso deste crédito a AFD impôs aos Camarões uma cláusula equivalente à que explicámos mais acima no caso da China, ou seja, a criação de uma conta na qual é depositada uma parte das receitas geradas pelo projecto e da qual a AFD pode sacar em caso de suspensão do pagamento.

Voltando ao índice Euribor, no caso dos Camarões, ele é utilizado pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que prevê o Euribor mais 0,6 %, pelo Banco Mundial (BIRD), que prevê o Euribor mais 1,3 %, e pelo banco privado Deutsche Bank, que prevê o Euribor mais 3,05 %. O recurso ao Euribor como índice tem as mesmas consequências da utilização do Libor, como se vê no gráfico abaixo.

Gráfico 10: Evolução do Euribor entre 1999 e 2024

Estes dois gráficos mostram claramente que durante o período do chamado de quantitative easing, as taxas Libor e Euribor rondavam os 0 % e que a partir de 2022 o aumento é forte e súbito.

A China não é responsável pelo aumento brutal das taxas. A responsabilidade cabe unicamente aos bancos centrais dos EUA, da Zona Euro e da Inglaterra

Sublinhe-se que a China não é responsável pelo aumento brutal das taxas. A responsabilidade cabe unicamente aos bancos centrais dos EUA, da Zona Euro Zona euro Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia. e da Inglaterra. Mas não podemos deixar de lastimar e criticar que a China tenha decidido adoptar o Libor e o princípio das taxas variáveis, quando já se sabia as consequências, desde a precedente crise de 1980; além disso o Libor foi alvo de manipulações aquando da crise financeira de 2008-2010, donde resultou a multa aplicada a diversos bancos que congeminaram entre eles essa taxa.

É fundamental saber se a China, face aos efeitos catastróficos do aumento do Libor, irá rever a aplicação dos contratos, a fim de atenuar radicalmente o impacto dessa subida. Até à data, não surgiu nenhum anúncio oficial de a China deixar de exigir o aumento das taxas.

 O FMI e o Banco Mundial apelam à China para que desempenhe um papel mais ativo na reestruturação da dívida. Que se passa?

A China não é pior do que os outros credores, e no fundamental não se distingue deles

A crescente importância da China como credor de primeira ordem modificou radicalmente a relação de forças entre credores. Até aos anos 2010, no que diz respeito aos países pobres, em caso de acordo entre o FMI, o Banco Mundial e o Clube de Paris, era difícil um país pobre encontrar uma fonte financeira alternativa, e não havia nenhum governo do Sul, à excepção do de Cuba, que tivesse a coragem de suspender unilateralmente os pagamentos. É certo que o governo do Equador suspendeu o pagamento de uma parte da sua dívida e impôs aos credores uma grande redução da mesma [15], mas aí estavam em causa dívidas detidas por credores privados e não as do Banco Mundial, do FMI ou do Clube de Paris.

A partir dos anos 2010, o crescimento vertiginoso dos créditos chineses modificou as relações entre credores. A China foi ocupando um lugar cada vez mais importante em um número significativo de países e em certos casos suplantou os credores tradicionais, como as antigas potências coloniais (França, Grã-Bretanha, Bélgica, Japão, Espanha, etc.), e outras grandes potências imperialistas, como os EUA e a Alemanha, ou o Banco Mundial e o FMI.

Os EUA dispõem de 16,5 % dos direitos de voto no FMI e de 15,51 % no Banco Mundial, ao passo que a China apenas dispõe de 6,08 % dos direitos de voto no FMI e de 5,92 % no Banco Mundial

A China não faz parte do Clube de Paris. E embora seja membro do FMI e do Banco Mundial, os EUA e seus aliados impedem-na de satisfazer o seu legítimo direito de obter um aumento do direito de voto proporcional ao peso da sua economia. Recordemos que os EUA dispõem de 16,5 % dos direitos de voto no FMI e de 15,51 % dos direitos de voto no Banco Mundial, ao passo que a China apenas dispõe de 6,08 % dos direitos de voto no FMI e de 5,92 % no Banco Mundial [16]. Por consequência, a China, como é compreensível, não concorda em vergar-se aos acordos realizados entre o Clube de Paris e as duas instituições de Bretton Woods, sendo os três dominados pelos EUA e as potências europeias ocidentais. Prefere negociar de maneira bilateral e separadamente com cada um dos países endividados. As críticas que os/as dirigentes do Banco Mundial e do FMI endereçam à China, acusando-a de egoísmo, têm fraca credibilidade, já que estas duas instituições recusam sistematicamente que, no caso de acordo para a anulação de dívidas, esse acordo se aplique aos créditos que detêm sobre os países em causa. De facto, o Banco Mundial e o FMI não anulam dívidas. Criam um fundo específico financiado por um certo número de países, geralmente os mais ricos, ao qual vão buscar dinheiro para se reembolsar [17]. Do lado do Cube de Paris, as críticas em relação à China não são mais fundamentadas que as do FMI e do Banco Mundial, dado que negoceia com cada país endividado separadamente, à semelhança da China.

Apesar de ter criticado a má-fé dos dirigentes do FMI, do Banco Mundial e do Clube de Paris em relação à China, no seu comportamento, convém notar que, no fundamental, a China não se distingue dos outros credores. A China mostrou ser um credor capaz de fixar as condições que lhe convêm. Com isso mudou a relação de forças entre os credores. Mas não alterou a relação de forças entre o credores e os países endividados. Situa-se no mesmo campo dos outros credores e pretende ver os seus interesses tão respeitados como os EUA e outras grandes potências. Poderia tomar partido pelos povos do Sul Global e dar o exemplo, concedendo anulações de dívida, praticando uma política transparente nos seus contratos, e recusando a disciplina ou as políticas nefastas impostas pelo Banco Mundial e pelo FMI. Ora, com toda a regularidade, a China exige que os países que lhe são devedores respeitem os condicionalismos e as políticas impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Não os impões ela própria, mas dá-lhes apoio.

Em suma, a China não é pior que os outros credores, mas no fundamental também não se distingue deles.

 A China poderia adotar uma política diferente da que está adotando?

Os discursos sobre solidariedade Sul-Sul não batem com a realidade da política chinesa nas últimas décadas
A China tem o poder econômico para tomar a iniciativa de desenvolver uma verdadeira alternativa ao Banco Mundial, ao FMI e aos principais países imperialistas, mas não está fazendo isso. Os discursos sobre solidariedade Sul-Sul não batem com a realidade da política chinesa nas últimas décadas. Isso é o oposto do que aconteceu na década de 1950, durante a era de Mao Tsé Tung, Chou En-lai e o Movimento dos Países Não Alinhados Movimento dos Países Não Alinhados
Movimento dos Não Alinhados
MPNA
MNA
Um grupo de países defendendo, a partir dos anos 50, a neutralidade face aos blocos liderados pelas duas superpotências (Estados Unidos e União Soviética), então em plena Guerra Fria. Em Abril de 1955, uma conferência de países asiáticos e africanos reuniu-se em Bandoeng (Indonésia) para promover a unidade e independência do Terceiro Mundo, a descolonização e o fim da segregação racial. Os iniciadores foram Tito (Jugoslávia), Nasser (Egipto), Nehru (Índia) e Sukarno (Indonésia). O movimento não-alinhado nasceu realmente em Belgrado em 1961. Seguir-se-iam outras conferências no Cairo (1964), Lusaka (1970), Argel (1973), Colombo (1976).

A acção do movimento não-alinhado, composto por 120 países, teve nos últimos anos um alcance muito limitado.
, os Acordos de Bandung, quando o governo chinês apresentou uma orientação oposta à ideologia e aos programas capitalistas-imperialistas e,criticou duramente a partir do início da década de 1960, a estratégia de coexistência pacífica de Moscou. Isso foi há muito tempo, e a perspectiva de promover uma revolução anticapitalista e anti-imperialista foi abandonada. Mas se realmente quisermos encontrar uma saída para a crise capitalista global, para a catástrofe ecológica e para a barbárie praticada pelo Estado sionista contra o povo palestino, por exemplo, precisamos colocar novamente em pauta uma perspectiva revolucionária socialista, de autogestão, ambientalista, feminista e verdadeiramente internacionalista.

Devemos nos inspirar na fala de Ernesto Che Guevara disse conferência de Argel [18], em fevereiro de 1965 , sobre o tipo de relacionamento que deve ser estabelecido entre os países em desenvolvimento, os países imperialistas desenvolvidos e os chamados países socialistas da época. Esse discurso foi proferido no Segundo Seminário Econômico de Solidariedade Afro-Asiática. A conferência, realizada em Argel, contou com a participação de representantes de 63 governos africanos e asiáticos, além de 19 movimentos de libertação nacional. A reunião foi aberta pelo presidente argelino Ahmed Ben Bella. Cuba foi convidada como observadora da conferência e Ernesto Che Guevara, que representava o governo cubano (onde era então Ministro da Indústria), foi membro do comitê de presidência. Ele afirmou que, entre países que deveriam ser irmãos e solidários, não se poderia aplicar os preços do mercado mundial capitalista. Che Guevara disse: «Como podemos chamar de ’benefício mútuo’ a venda, a preços do mercado mundial, de produtos brutos que custam aos países subdesenvolvidos esforço e sofrimento ilimitados, e a compra, a preços do mercado mundial, de máquinas produzidas nas grandes fábricas automatizadas que existem hoje? Se estabelecermos esse tipo de relação entre os dois grupos de nações, teremos de concordar que os países socialistas são, até certo ponto, cúmplices da exploração imperialista». Che Guevara estava se referindo principalmente ao bloco de países liderados por Moscou.

Nessa conferência, Che Guevara pediu então o cancelamento de dívidas e a concessão de doações em vez de empréstimos. Ele declarou: «Poderíamos começar uma nova etapa na luta contra o imperialismo: poderíamos começar uma nova etapa de uma verdadeira divisão internacional do trabalho, baseada não na história do que foi feito até agora, mas na história futura do que pode ser feito. Os Estados cujos territórios receberiam os novos investimentos teriam todos os direitos inerentes à propriedade soberana sobre eles, sem qualquer obrigação de pagamento ou crédito». Che Guevara também disse: «O comércio exterior não deve determinar a política, mas deve estar subordinado a uma política fraterna em relação aos povos».

Os Estados cujos territórios receberiam os novos investimentos teriam todos os direitos inerentes à propriedade soberana sobre eles, sem qualquer obrigação de pagamento ou de crédito (Che Guevara, Argel, fevereiro 1965)
Uma ultima citação do discurso de Che Guevara em Argel: «Devemos conseguir estabelecer novas relações em pé de igualdade entre nossos países e os países capitalistas, estabelecendo uma jurisprudência revolucionária para nos proteger em caso de conflito e dar um novo significado às relações entre nós e o resto do mundo. Falamos uma linguagem revolucionária e lutamos honestamente pela vitória dessa causa. Mas, muitas vezes, ficamos presos nas armadilhas do direito internacional criado como resultado dos confrontos entre potências imperialistas, e não como resultado das lutas dos povos. Por exemplo, nossos povos são submetidos à dolorosa pressão de bases estrangeiras estabelecidas em seus territórios ou têm de suportar o pesado fardo de uma dívida externa maciça. A história dessas regressões é bem conhecida por todos nós. Governos fantoches, governos enfraquecidos por longas lutas pela libertação ou pela funcionamento das leis do mercado capitalista, autorizaram tratados que ameaçam nossa estabilidade interna e põem em risco nosso futuro. Chegou a hora de sacudir o jugo, forçar a renegociação de dívidas externas opressivas e obrigar os imperialistas a abandonar suas bases de agressão». As palavras de Che em Argel provocaram fúria em Moscou e Washington, mas foram bem recebidas na região árabe, na África subsaariana e em Pequim. Suas propostas deveriam voltar mais uma vez na agenda dos povos do mundo.

Um ano antes do discurso de Argel, em março de 1964, na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, realizada em Genebra, Che Guevara também fez declarações que permanecem totalmente válidas. Aqui está um trecho:

"É inconcebível que os países subdesenvolvidos (...) que, por meio da sangria permanente dos pagamentos de juros, reembolsaram cem vezes mais o valor dos investimentos imperialistas, tenham de enfrentar o fardo cada vez mais pesado da dívida e do seu reembolso, enquanto suas reivindicações mais justas são ignoradas.

A delegação cubana propõe que todos os pagamentos de dividendos, pagamentos de juros e reembolsos (...) sejam suspensos" [19].

Sessenta anos depois do discurso de Che Guevara em Genebra, é hora de comparar o conteúdo de suas propostas com o conteúdo e os efeitos da política externa da China em relação ao crédito e investimento. Não é aceitável dizer que, diante das políticas prejudiciais dos Estados Unidos, da Europa Ocidental, do Japão, do Banco Mundial e do FMI, que devem ser combatidas, a política chinesa constitui uma alternativa.

Os créditos e investimentos chineses perpetuam o modelo capitalista de exploração da natureza e dos povos
Os créditos e investimentos chineses perpetuam o modelo capitalista de exploração da natureza e dos povos, um modelo que reforça a dependência dos chamados países em desenvolvimento em relação aos países industrializados, dos quais a China faz parte, um modelo que esgota os recursos naturais, impõe baixos salários, agrava a crise ecológica e mantém a maioria da população na pobreza.

Evidentemente, devemos denunciar os ataques malvolentes contra a China por parte dos Estados Unidos, da Europa Ocidental, do Japão e de seus aliados e exercer nosso direito de crítica intransigente ao modelo promovido pela China, que amplia e reforça o modelo implementado pelas potências que a demonizam.

Os créditos concedidos pela China, assim como os concedidos por outros países, devem ser auditados com a participação ativa dos cidadãos dos países envolvidos. Seus efeitos sobre as condições de vida da população e sobre a natureza devem ser avaliados. Essa auditoria, com a participação dos cidadãos, deve ter como objetivo identificar a parte ilegítima das dívidas exigidas do país a fim de obter seu cancelamento.

A China poderia desenvolver uma solidariedade com os povos do Sul e adotar outro modelo de desenvolvimento que também atendesse aos interesses do povo chinês
A China deveria dar o exemplo, tornando público o conteúdo de todos os contratos de crédito que assinou. Isso desafiaria os países do Norte a fazer o mesmo e ajudaria muito a combater a corrupção e o enriquecimento ilícito das elites governantes.

A China, que tem 3.000 bilhões em reservas oficiais de moeda estrangeira, além de uma quantia equivalente por meio de outros canais, é perfeitamente capaz de cancelar as dívidas ilegítimas que lhe são devidas pelos países do Sul Global, especialmente porque uma proporção considerável dessas dívidas é denominada em moeda chinesa e mantida pelo Banco Central Chinês e outros órgãos públicos. A China poderia manter linhas de crédito de swap em renminbi. Se realmente quisesse, poderia desenvolver uma solidariedade com os povos do Sul e adotar outro modelo de desenvolvimento que também atendesse aos interesses do povo chinês.

O autor agradece a Gilbert Achcar, Maxime Perriot e Claude Quémar pela pesquisa de documentos e revisão.

O artigo em chinês :




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 Éric Toussaint, Banque mondiale et FMI : huissiers des créanciers, publié le 14 août 2020, https://www.cadtm.org/Banque-mondiale-et-FMI-huissiers-des-creanciers ou le chapitre 15 du livre Banque mondiale : une histoire critique, Syllepse, 2022

 Éric Toussaint, « En 2007-2008, l’Équateur a osé dire « non » aux créanciers et a remporté une victoire », publié le 15 mars 2015, https://www.cadtm.org/En-2007-2008-l-Equateur-a-ose-dire

 Christoph Nedopil Wang, “Ten years of China’s belt and Road Initiative (BRI): Evolution and the road ahead”, FISF, Griffith University

Xinhua, « Pourquoi les Etats-Unis sont la superpuissance mondiale du piège de la dette », 21/01/2022, http://french.news.cn/2022-01/21/c_1310434898.htm

 Xinhua, «Des faits clés sur la dette africaine que les Etats-Unis ignorent délibérément», 7/02/2023,
https://french.news.cn/20230207/4d1e5c179b344ccb90307ddd72c28d3d/c.html

 Xinhua, «La Chine n’est pas source de»piège de la dette«pour les pays africains», 11 avril 2023,
https://french.news.cn/20230411/6d641d96128f45e78d089cb02aeb53c4/c.html


Tradução: Rui Viana Pereira, Alain Geffrouais

Notas

[1AidData, «Belt and Road Reboot: Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative», Novembro/2023, p. 12, https://www.aiddata.org/publications/belt-and-road-reboot

[2AidData, ibid. cap. 2.

[3Sebastian Horn, Carmen M. Reinhart e Christoph Trebesch, «China’s Overseas Lending», NBER Working Paper No. 26050 July 2019, Revised May 2020.

[4Dentro deste montante há uma parte de ajuda pública ao desenvolvimento (APD), sendo outra parte considerada na categoria OOF (Other Official Flows), ou seja, os outros fluxos oficiais (por outras palavras, os créditos concedidos pelo sector público, sem que sejam considerados como ajuda). A APD é composta principalmente por subsídios e empréstimos concessionais (portanto inferiores às taxas de juro praticadas no mercado) destinados a projectos e actividades de desenvolvimento financiadas pelas instituições do sector público. A OOF é composta principalmente por empréstimos não concessionais emitidos por instituições do sector público. Ao longo dos últimos anos, mais de 90 % dos compromissos anuais da China em matéria de financiamento ao desenvolvimento internacional são constituídos por OOF.

[5Este gráfico mede os fluxos financeiros oficiais (APD e outros fluxos financeiros) da China, dos EUA e dos países do G7 para os países de baixo rendimento e os países de rendimento médio de 2014 a 2021. AidData apoia-se nos critérios do CAD (Comité de Ajuda ao Desenvolvimento) da OCDE para determinar a APD e os outros fluxos financeiros (conforme é descrito na secção A-2 do anexo). Os dados sobre a APD e os outros fluxos financeiros dos EUA e do G7 representam os desembolsos brutos do CAD da OCDE.

[6AidData apoia-se nos critéerios de medida do CAD da OCDE para determinar a APD (ODA em inglês) e os outros fluxos financeiros (OOF em inglês). A categoria «vaga» é uma categoria residual para os coompromissos financeiros oficiais da China que não puderam ser categorizados de maneira fiável como APD (ODA) ou «outros fluxos financeiros oficiais» (OOF) devido à insuficiência de informações detalhadas. Os dados relativos à APD e aos outros fluxos financeiros do G7 representam os desembolsos do CAD da OCDE.

[7É possível que, nos últimos 3 ou 4 anos, algumas empresas privadas chinesas que investiram no exterior tenham concedido créditos, mas isso é, de fato, marginal.

[8De acordo com o relatório da AidData publicado em novembro de 2023, a maior parte do volume de empréstimos não urgentes da China nos países com renda baixa ou intermediária é concedida por meio de acordos de empréstimos sindicalizados - e mais de 80% desses acordos envolvem bancos comerciais ocidentais e instituições multilaterais. Fonte: Ponto 3 do Resumo Executivo: Quelles mesures Pékin a-t-il prises pour réduire son exposition aux dettes en difficulté dans les pays en développement ? https://www.aiddata.org/publications/belt-and-road-reboot )

[9Voir AidData, novembre 2023, chapitre 2 l’encadré sur SAFE «SAFE a ouvert un bureau sur la Cinquième Avenue à New York en 2013, et peu de temps après, il est devenu un secret de polichinelle parmi les plus grands gestionnaires d’actifs du monde - comme PIMCO et BlackRock - que SAFE était l’un de leurs clients confidentiels les plus importants.» «A SAFE abriu um escritório na Quinta Avenida, em Nova York, em 2013, e pouco depois se tornou um segredo aberto entre os maiores gestores de ativos do mundo - como a PIMCO e a BlackRock - que a SAFE era um de seus clientes confidenciais mais importantes.»

[10Maxime Perriot, «Surcharges ou surtaxes du FMI : Comment le Fonds monétaire international s’enrichit sur le dos des pays les plus en difficultés dans l’opacité la plus totale», CADTM, 19 décembre 2023,22115.

[11Em 2013, um ano antes do primeiro ano completo de implementação da BRI, os empréstimos de resgate emergencial representavam apenas 5% dos empréstimos da China no exterior para LICs e MICs. Em 2021, 58% dos empréstimos da China no exterior para LICs e MICs consistiam em empréstimos de resgate emergencial. O Banco Popular da China (PBOC) - o banco central da China - é, de longe, o financiador mais importante das operações internacionais de empréstimos de resgate emergencial, o que explica o fato de ter assumido um papel dominante na carteira de empréstimos de Pequim para PBRs e PMIs em 2020. Em março de 2023, uma equipe de pesquisadores da AidData, do Banco Mundial, da Harvard Kennedy School e do Kiel Institute for the World Economy publicou um estudo que explica por que Pequim realizou operações de empréstimo de resgate no valor de quase US$ 250 bilhões em 22 países (Horn et al. 2023a). Eles constatam que a maioria dessas operações ocorreu em países participantes da BRI com altos níveis de dívida pendente (projeto de infraestrutura) com bancos e empresas chinesas. Eles também constatam que os resgates de Pequim são direcionados a tomadores de empréstimos governamentais em dificuldades nos momentos em que seus níveis de reservas cambiais são baixos e suas classificações de crédito são fracas. Fonte: Horn, Sebastian, Bradley C. Parks, Carmen M. Reinhart e Christoph Trebesch. 2023a. China as an International Lender of Last Resort. Documento de trabalho do NBER nº 31105. Cambridge, MA:NBER https://www.aiddata.org/publications/china-as-an-international-lender-of-last-resort

[12Pierre-François Grenson, «RDC, Burundi, Angola, Sri Lanka: Quatre exemples pour comprendre la présence chinoise en Afrique et en Asie», CADTM, 21 juin 2023, 21718.

[13Ver Éric Toussaint, «O Banco Mundial e o FMI: As agências financeiras dos credores», 14/08/2020, 17555, ou o cap. 15 do livro História Crítica do Banco Mundial, Ed. Movimento, Brasil, 2022.

[14Debt Justice, «The growing debt crisis in lower income countries and cuts in public spending», julho/2022, https://debtjustice.org.uk/wp-content/uploads/2022/05/Debt-and-public-spending_May-2022.pdf.

[15Ver Éric Toussaint, «En 2007-2008, l’Équateur a osé dire “non” aux créanciers et a remporté une victoire», 15/03/2015, 11383. Ver também os vídeos: «Équateur: Historique de l’audit de la dette réalisée en 2007-2008. Pourquoi est-ce une victoire ? (vidéo de 14 minutes)», 8/11/2016, 14179 e «Vidéo: L’audit de la dette en Équateur résumé en 7 minutes», 27/11/2015, 12626.

[16Mais informações em CADTM, «ABC do Fundo Monetário Internacional (FMI)», 31/10/2023, 18431 e CADTM, «ABC do Banco Mundial», 28/10/2022, 18085.

[17Ouvir: «A propos de la prétendue annulation de dettes, Éric Toussaint interviewé par la BBC dénonce les effets d’annonce de Macron et du FMI», publicado em 16/04/2020, 18403

[18] Ernesto Che Guevara, « Discours d’Alger 26 février 1965 » https://archive.org/details/alger_202105/page/n7/mode/2up , consultado 10 de fevereiro 2024.

[19Trechos do discurso proferido em Genebra em 25 de março de 1964: A posição de Cuba na Conferência Mundial sobre Comércio e Desenvolvimento (publicado em Cuba Socialista, nº 33, maio de 1964).

Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

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