Série Perguntas e Respostas sobre os BRICS 2025 (Parte 5)

Os BRICS e a desdolarização

7 de Outubro por Eric Toussaint


Source : infobrics.org

Muita gente vê nos BRICS um contraponto à ordem monetária dominada pelo dólar. No entanto, os factos são irrefutáveis: na cimeira dos BRICS, no Rio de Janeiro (6-7 de julho de 2025), não foi expressa qualquer vontade de romper com a divisa «americana». A desdolarização está fora do horizonte visível.



 Muitos apoiantes dos BRICS afirmam que estes países estão a avançar para a desdolarização. O que se passa realmente?

Os BRICS BRICS O termo BRICS (acrónimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foi utilizado pela primeira vez em 2001 por Jim O’Neill, na altura economista da Goldman Sachs. O forte crescimento económico destes países, combinado com a sua importante posição geopolítica (estes 5 países reúnem quase metade da população mundial em 4 continentes e quase um quarto do PIB mundial), fazem dos BRICS actores importantes nas actividades económicas e financeiras internacionais. (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) reuniram-se no Rio De Janeiro a 6 e 7 de julho de 2025. Na sua declaração final em 126 pontos, não é mencionada a «desdolarização». Nenhum ponto refere a necessidade de reduzir o âmbito do dólar. Afirma-se a necessidade de estimular as trocas em moeda local, mas de forma vaga e muito limitada, que nada tem a ver com a criação de uma moeda comum dos BRICS. Os BRICS não dão sinal de querer fundar uma moeda comum e a declaração final da cimeira do Rio não refere a criação de uma moeda comum.

De todos os dirigentes dos 5 países fundadores dos BRICS, só Lula continua a falar de uma moeda de referência comum e mesmo ele cada vez mais raramente a menciona.

Como prova, eis o que Vladimir Putin declarou, aquando de uma importante reunião pública organizada pelo Kremlin após a cimeira dos BRICS realizada em Kazan em finais de outubro de 2024 e dois dias após a eleição de Trump:

«Ouvi muitos debates entre peritos e nos círculos jornalísticos, segundo as quais deveríamos reflectir na criação de uma moeda única. Mas ainda é cedo para falarmos disso. Não está nos nossos objectivos.» (Fonte: Reunião do Clube de Debate Valdaï: respostas de Vladimir Putin às perguntas dos participantes – http://kremlin.ru/events/president/news/75521)

Mais adiante, na mesma reunião, acrescentou:

«Não procurámos abandonar o dólar e não está nos nossos planos.»

E ainda:

«As nossas propostas não visam lutar contra o dólar.»

Vladimir Putin, a 7 de novembro de 2024: «Ouvi muitos debates entre peritos e nos círculos jornalísticos, segundo as quais deveríamos reflectir na criação de uma moeda única. Mas ainda é cedo para falarmos disso. Não está nos nossos objectivos (…) Não procurámos abandonar o dólar e não está nos nossos planos»

Putin fez estas declarações em novembro de 2024, em resposta a Paulo Nogueira Batista, que de 2015 a 2017 foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento criado pelos BRICS. Uma das perguntas que Paulo Nogueira Batista colocou a Putin tinha precisamente a ver com a criação de uma nova moeda dos BRICS e foi formulada da seguinte maneira:

«Estaria de acordo em dizer que os pagamentos em moeda nacional apresentam certos limites e que passaremos progressivamente, etapa a etapa, com prudência, para um novo meio de pagamento, uma nova moeda de referência? Aliás, o presidente Lula falou disso na sua declaração durante a cimeira de Kazan.»

É preciso notar, como foi mencionado anteriormente, que Lula tinha advogado uma moeda comum, tanto na cimeira dos BRICS de 2023 em Joanesburgo (África do Sul), como numa intervenção à distância durante a cimeira de Kazan (Rússia) em 2024. Forçoso é constatar que Putin, que parecia ter sido favorável a essa perspectiva, a abandonou. Por que razão? Para além da grande dificuldade da criação de uma moeda comum entre economias muitos diversas situadas em quatro continentes, Putin procura dar garantias a Trump, que declarou alto e bom som que qualquer iniciativa a favor da redução da influência do dólar seria objecto de represálias.

Na mesma perspectiva, Putin procura reduzir as sanções impostas contra a Rússia na sequência da invasão da Ucrânia e portanto reduzir os antagonismos com Trump. Até meados de 2025 (incluindo o encontro entre Trump e Putin no Alasca em agosto de 2025), isso parece ter funcionado, pelo menos em certa medida. Abordei os pontos de convergência entre Trump e Putin a propósito da Ucrânia, quanto ao açambarcamento dos recursos naturais, em um artigo intitulado «A apropriação dos recursos naturais na Ucrânia e no leste da República Democrática do Congo. O imperialismo na ofensiva» (23495).

Mas a relação entre os dois pode se deteriorar a qualquer instante, como aconteceu em 23 de setembro de 2025, quando Trump publicou na sua rede social Truthsocial:

«Após ter tido conhecimento e compreendido plenamente a situação militar e económica da Ucrânia e da Rússia, e depois de ter constatado as dificuldades económicas que isso causa à Rússia, penso que a Ucrânia, com o apoio da União Europeia, está à altura de se bater e reconquistar a totalidade do seu território na sua forma inicial.»

O futuro das relações Putin-Trump é difícil de prever. Mas mesmo que as relações se degradem fortemente, a criação de uma moeda comum não entrará na ordem do dia, porque outros membros importantes dos BRICS não são favoráveis a essa solução.

De facto, a Índia e a China, as duas das maiores potências entre os BRICS, por razões específicas, não têm interesse em desenvolver uma moeda comum dos BRICS.

 A Índia opõe-se a uma moeda comum?

A Índia afirmou por diversas vezes, durante as negociações internas dos BRICS, que não deseja uma moeda comum. Depois, certamente sob a ameaça de represálias alfandegárias e de outro tipo por parte de Trump, afirmou publicamente, na véspera da cimeira dos BRICS no Rio (ver Republic World, revista indiana em linha: «India Not Supporting Russia in BRICS Currency Plan — Here’s Why» https://www.youtube.com/watch?v=07Q8sWcTlFg ). Depois de Trump ter proclamado as ameaças tarifárias em agosto de 2025, o primeiro-ministro não fez qualquer declaração a favor da moeda comum.

 A China também não é a favor da moeda comum?

Por seu lado, a China considera que a sua moeda, o renminbi, se vai tornando pouco a pouco uma moeda com estatuto internacional e que não é útil participar na criação de uma nova moeda dos BRICS. A moeda chinesa é uma das cinco reconhecidas para reembolsos ao FMI e a China aumentou fortemente os seus empréstimos no estrangeiro em renminbi (ver o estudo publicado pela Reserva Federal dos EUA em maio de 2025: «Chinese Banks’ Dollar Lending Decline», https://www.federalreserve.gov/econres/notes/feds-notes/chinese-banks-dollar-lending-decline-20250516.html).

No entanto, é do conhecimento geral que se a China internacionalizasse a sua moeda, perderia o controlo sobre os movimentos transfronteiriços de capitais. Devido à especulação financeira e às quedas da bolsa chinesa de meados da década de 2010, a manutenção e reforço do controlo das trocas foram instrumentos essenciais para disciplinar os membros da «burguesia antipatriótica» numa sociedade onde abundavam regularmente os fluxos financeiros ilícitos (FFI).

Antes do reforço do controlo de capitais em 2016-2017, a ONG Global Financial Integrity calculou os fluxos financeiros ilícitos saídos da China em 258 mil milhões de dólares em 2013. Ver https://financialtransparency.org/wp-content/uploads/2015/12/IFF-Update_2015-Final.pdf, Quadro C, p. 8.

 Qual a posição da África do Sul a propósito da desdolarização?

A elite financeira sul-africana também fez campanha contra a desdolarização, aquando da cimeira dos BRICS de 2023 em Joanesburgo, e o embaixador sul-africano nos EUA, Ebrahim Rasool, também alertou, em março de 2025:

«Devemos evitar acções que desafiem os EUA, como a desdolarização. Até a China não fala de desdolarização, e a Rússia ainda menos. Não só é teatral, como também não é prático nem economicamente viável. O simples facto de falarmos disso poderia provocar medidas punitivas imediatas.» https://www.youtube.com/watch?v=J1ILz1S_AdQ&t=1147s

 Conclusão

Os BRICS não estão a dar passos colectivos em direcção à desdolarização. Por detrás da retórica de uma ordem multipolar, os interesses nacionais, a dependência do comércio internacional e o medo de represálias americanas trava a dinâmica colectiva dos BRICS.

Lula permanece isolado na sua defesa de uma moeda comum, enquanto Pequim, Nova Deli, Moscovo e Pretoria privilegiam as estratégias nacionais. Definitivamente, os BRICS de 2025 parecem mais uma coligação de interesses divergentes, que um bloco coerente capaz de transformar a ordem monetária mundial.

 Resumo

Aquando da última cimeira dos BRICS no Rio de Janeiro (6-7 de julho de 2025), não se registou nenhum avanço sério concreto para a desdolarização. A declaração final não evoca nem a criação de uma moeda comum, nem uma estratégia concertada para reduzir a utilização do dólar. O que os BRICS fazem na realidade é muito mais modesto: regulam certas transacções comerciais em divisas locais, a fim de reduzirem os custos e diminuírem a sua dependência do dólar americano em certas transacções específicas (ver parte 6 desta série).

De todos os dirigentes dos BRICS, apenas Lula continua a mencionar a ideia de uma moeda de câmbio comum, mas cada vez mais raramente. Vladimir Putin, que no passado mostrou interesse, claramente abandonou essa perspectiva. Em novembro de 2024 declarou publicamente que a Rússia não procura afastar-se do dólar, tentando assim apaziguar as tensões com Donald Trump, hostil a qualquer iniciativa que ameace a supremacia do dólar.

Esta prudência reflecte também as divergências no seio dos BRICS. A Índia opôs-se à ideia da moeda comum, temendo represálias comerciais americanas. A China, por seu turno, aposta na internacionalização progressiva do renminbi, conservando o controlo estrito dos fluxos de capitais. A África do Sul acha que a política de desdolarização seria economicamente arriscada e susceptível de provocar sanções imediatas vindas de Washington.

Assim, apesar de um discurso frequente em certos meios avançados dos BRICS quanto à dominação do dólar, a realidade política e económica mostra a ausência de vontade de se dotarem de uma moeda comum.

O autor agradece a releitura e os conselhos de Patrick Bond, Sushovan Dhar e Maxime Perriot. O autor é inteiramente responsável pelas opiniões que exprime neste texto e pelos eventuais erros que ele contenha.


Tradução: Rui Viana Pereira

Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

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