16 de Abril de 2024 por Fátima Martín
Os conflitos geopolíticos, que implicam um grande aumento das despesas de de-fesa, podem exacerbar a nova crise internacional, que já atingiu o nível recorde de 313 biliões [pt-br: trilhões] de dólares em 2023, segundo o Global Debt Monitor, publicado pelo Instituto da Finança Internacional (IFI) em fevereiro de 2024 [1].
Segundo este relatório recente, a dívida mundial total (dos governos, das empresas financeiras e não financeiras e das famílias) aumentou mais de 15 biliões [pt-br: trilhões] de dólares em 2023. Cerca de 55 % deste aumento provém dos chamados mercados «maduros», principalmente dos EUA, da França e da Alemanha. Nos mercados emergentes a acumulação de dívida concentra-se sobretudo na China, na Índia e no Brasil. Ao todo, os mercados maduros acumularam 208,3 biliões de USD de dívida, ou seja mais 103,7 biliões do que os mercados emergentes, que atingiram os 104,6 biliões de USD.
Por sector, os governos foram quem sofreu maior aumento da dívida em dólares, seguidos das sociedades não financeiras. No total da dívida mundial contabilizada no quarto trimestre de 2023, cerca de 94,4 biliões de dólares oneram as sociedades não financeiras, 89,9 biliões pesam sobre os governos, 69,4 biliões dizem respeito ao sector financeiro e 59,3 biliões às famílias.
A dívida mundial total aumentou mais de 15 biliões de dólares em 2023. Cerca de 55 % desse aumento provém dos mercados maduros, principalmente os EUA, a França e a Alemanha
O Global Debt Monitor de dezembro do ano pandémico de 2020 já alertava para o «assalto do tsunami da dívida». Nessa época a dívida mundial ascendeu a 233 biliões de euros e nós perguntávamo-nos se existiria um escudo contra tal tsunami [2].
A OCDE também publicou recentemente um relatório sobre a dívida mundial, intitulado Global Debt Report 2024: Bond Markets in a High-Debt Environment (Relatório Sobre a Dívida Mundial 2024: os mercados de obrigações
Obrigações
Parte de um empréstimo emitido por uma sociedade ou uma coletividade pública. O detentor da obrigação, ou obrigacionista, tem direito a um juro* e ao reembolso do montante subscrito. Obrigações também podem serem negociadas no mercado secundário.
num ambiente muito endividado). O relatório calcula que o rácio global dívida/PIB
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
na zona da OCDE aumentará ligeiramente este ano. Prevê também um aumento de mais de um ponto percentual em nove países, com os EUA à cabeça, onde o aumento deverá ser de três pontos percentuais. Em contrapartida, o rácio dívida/PIB de 12 países deve diminuir mais de um ponto percentual, nomeadamente no Japão, Portugal e Espanha, onde deve baixar mais de 5 pontos percentuais.
Por outro lado, o Relatório Sobre a Dívida Mundial da OCDE mostra que o rácio dívida/PIB em 2023 ultrapassou os níveis anteriores à pandemia em cerca de 5 pontos percentuais em média e de 10 pontos percentuais no conjunto da zona OCDE. Indica também que esse rácio é mais elevado em 24 países e aumentou mais de 8 pontos percentuais em todos os países do G7. Nota ainda que os rácios de dívida/PIB do Japão e dos EUA aumentaram mais de 24 e 22 pontos percentuais respectivamente, desde 2019. Durante o mesmo período, os rácios de dívida/PIB diminuíram em 14 países, caindo mais de 10 pontos percentuais na Irlanda, Polónia, Portugal e Suécia. Por fim, chama a atenção para o facto de os rácios de dívida/PIB e sua evolução variarem consideravelmente em função dos métodos de avaliação da dívida.
Larry Fink, director-geral da BlackRock, alerta para a dívida pública do seu país: «Não há memória de que a situação nos EUA tenha alguma vez sido tão grave.»
Larry Fink, director-geral da BlackRock, alertou para o problema da dívida nos EUA na sua descarada Carta Anual aos Investidores. Uma missiva em que ele volta a pôr em causa a idade de reforma aos 65 anos (mais de metade dos 10 biliões de dólares de activos da BlackRock são gerados pelas pensões de reforma); justifica com «pragmatismo energético» o seu abandono do termo hipócrita ESG (investimento social responsável), face aos desinvestimentos republicanos (a BlackRock investiu mais de 300 mil milhões de dólares nas empresas tradicionais de energia e 138 mil milhões nas estratégias de transição energética); e exalta as benfeitorias do capitalismo para … salvar as pessoas da pobreza!
Com o título «Debt Matters», o director-geral da maior empresa de gestão de fundos a nível mundial alerta para a dívida pública no seu país: «Não há memória de que a situação nos EUA tenha alguma vez sido tão grave». Acrescenta que «desde o início da pandemia os EUA emitiram cerca de 11,1 biliões de dólares de nova dívida, sendo este montante apenas uma fracção da emissão». A isto acresce a taxa de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. que o Tesouro tem de pagar sobre essa dívida: «Se as taxas actuais se mantiverem, isto representa um bilião de dólares a mais para pagamento de juros ao longo da próxima década», calcula ele.
«Porque é que essa dívida é um problema hoje em dia? Porque, historicamente, os EUA reembolsaram as suas dívidas anteriores por meio da emissão de novas dívidas, sob a forma de títulos do Tesouro. É uma estratégia viável enquanto as pessoas quiserem comprar esses títulos, mas no futuro os EUA não podem partir do princípio que os investidores queiram comprar um tal volume de dívida ou que se contentem com os juros que recebem actualmente. Hoje em dia, cerca de 30 % dos títulos do Tesouro americano são detidos por governos ou investidores estrangeiros. Esta percentagem é susceptível de diminuir à medida que cada vez mais países construam os seus próprios mercados de capitais e invistam inter-namente», responde ele.
O que Larry Fink não diz na sua carta, é que os interesses que ele representa não só contribuíram para as crises, mas também são os beneficiários directos da conversão da dívida privada em dívida pública, provocando a escalada desta
Segundo o director-geral da BlackRock, vem aí um mau cenário para a economia americana, no qual «começa a haver semelhanças com a crise do Japão em finais dos anos 1990 e início dos 2000, quando o volume da dívida ultrapassou o do PIB e provocou períodos de austeridade e estagnação». A receita proposta pelo mestre da bolsa mundial, além da disciplina orçamental (aumentar os impostos ou reduzir a despesa) é um crescimento médio de 3 % em termos reais. Como? «Apelando aos mercados de capitais para construir um dos melhores catalisadores do crescimento: as infraestruturas. Em particular as infraestruturas de energia»…
O que Larry Fink não diz na sua carta, é que os interesses que ele representa não só contribuíram para as crises, mas também são os beneficiários directos da conversão da dívida privada em dívida pública, provocando a escalada desta. Recordemos que em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19, a Reserva Federal americana (Fed) recorreu a um ramo da BlackRock, o Financial Markets Advisory, para gerir milhares de milhões de dólares de compras de obrigações e de activos endossados a créditos hipotecários, como medida suplementar para pretensamente amortecer o impacto económico e financeiro do coronavírus. Aquando da crise precedente de 2008, já então a BlackRock tinha sido contratada para gerir os activos do Bear Stearns e do American International Group (AIG). Em ambos os casos não houve concurso público formal, o que suscitou muitas críticas na altura.
Falemos agora do presidente da CaixaBank (antigo Bankia), José Ignacio Goiri-golzarri. A entidade dopada que preside (também propriedade da BlackRock) é a maior beneficiária do resgate público dos bancos espanhóis, que ascendeu no papel a cerca de 100.000 milhões de euros, uma hipoteca que não foi reembolsada e que contribuiu para o aumento da dívida pública espanhola, tanto em 2012, ano do resgate, como em 2020, quando veio à tona a dívida de quase 35.000 milhões de euros do banco mau ou SAREB (ver no gráfico da AIREF o aumento vertical da dívida pública espanhola para 125,3 % do PIB em 2020). E agora, com toda a impudência e impunidade, sob o olhar vigilante e benevolente dos supervisores nacionais e internacionais, ousa fazer pressão publicamente sobre o governo para «reduzir a dívida pública».
Tradução de Rui Viana Pereira
[1] IIF. (21/02/2024). Global Debt Monitor. Politics, Policy, and Debt Markets. What to Watch in 2024. https://www.iif.com/portals/0/Files/content/Global%20Debt%20Monitor_Feb2024_vf.pdf?_cldee=MFuVYCKV1NutVo6vgmCa-QDlfYoeB9rgmDTFEXZqpoNr9JwOCRCjncyhex1PNdh3&recipientid=contact-00c7be94172aeb1180ec000d3a0f728a-6a7da6bf79374549913bfa93d7d26f80&utm_source=ClickDimensions&utm_medium=email&utm_campaign=Press%20Emails&esid=754ffa19-dccc-ee11-9079-000d3a99aa70
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