Apelo
7 de Dezembro de 2021 por Eric Toussaint , Sonia Mitralias , CADTM Europe , Paul Murphy , Miguel Urbán Crespo , Andrej Hunko , Cristina Quintavalla , Manon Aubry , Leïla Chaibi
Desde que a pandemia de coronavírus começou a ter impacto na Europa, as dívidas públicas na Zona Euro aumentaram em média 20 %.
A razão é simples: em vez de taxarem 1 % aos mais ricos e às grandes empresas, como pediram o CADTM e outros (ver petição), os governos preferiram recorrer ao endividamento. Isto criou uma nova dívida ilegítima que acresce às anteriores.
Ao longo de 40 anos de neoliberalismo, a cada crise económica o fosso entre ricos e trabalhadores aprofundou-se e as dívidas públicas aumentaram, num processo de acumulação de capital sem fim. É incorrecto afirmar que a pandemia do coronavírus ameaça por igual as diversas classes sociais. As grandes empresas, como as do GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft), obtiveram enormes lucros graças ao confinamento; as empresas do Big Pharma como a Pfizer, Moderna, AstraZeneca, Johnson & Johnson, Curevax, Merck, tiveram ganhos fabulosos graças à pandemia, ao venderem vacinas e tratamentos a preços exorbitantes); os grandes bancos e os fundos de investimento também embolsaram avultados lucros graças às ajudas dos estados, tal como as grandes empresas especializadas em combustíveis fósseis como o petróleo e o gás.
A recusa de impor uma taxa covid às multinacionais e às grandes empresas não só aumentou as desigualdades, mas também acarretou um grande aumento da dívida, sendo a Europa um bom exemplo disso. A dívida pública
Dívida pública
Conjunto dos empréstimos contraídos pelo Estado, autarquias e empresas públicas e organizações de segurança social.
total da Zona Euro
Zona euro
Zona composta por 18 países que utilizam o euro como moeda: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letónia (a partir da 1-01-2014), Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Portugal, Eslováquia e Eslovénia. Os 10 países membros da União Europeia que não participam na zona euro são: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Reino Unido e Suécia.
ascende a 12 biliões de euros (12 000 000 000 000 €). Entre o início de 2020 e julho de 2021, a dívida passou de 86 % do produto interno bruto
PIB
Produto interno bruto
O produto interno bruto é um agregado económico que mede a produção total num determinado território, calculado pela soma dos valores acrescentados. Esta fórmula de medida é notoriamente incompleta; não leva em conta, por exemplo, todas as actividades que não são objecto de trocas mercantis. O PIB contabiliza tanto a produção de bens como a de serviços. Chama-se crescimento económico à variação do PIB entre dois períodos.
(PIB) da Zona Euro para 100 %. Este número é uma média; vários países apresentam um rácio muito mais elevado: a dívida pública da Bélgica e da França atingem quase 120 % do PIB; a da Espanha, 125 %; a de Portugal, 140 %; a da Itália, 160 %. Quanto à dívida pública da Grécia, já vai em 210 % do PIB, quando no pico da crise da dívida grega era de 180 %, com a Troika
Troika
A Troika é uma expressão de apodo popular que designa a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
a dizer que iria baixar.
O BCE
Banco central europeu
BCE
O Banco Central Europeu é uma instituição europeia sediada em Francoforte e criada em 1998. Os países da zona euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária e o seu papel oficial de assegurar a estabilidade dos preços (lutar contra a inflação) em toda a zona. Os seus três órgãos de decisão (o conselho de governadores, o directório e o conselho geral) são todos eles compostos por governadores dos bancos centrais dos países membros ou por especialistas «reconhecidos». Segundo os estatutos, pretende ser «independente» politicamente, mas é directamente influenciado pelo mundo financeiro.
detém uma parte considerável da dívida pública da Zona Euro. No momento em que escrevemos estas linhas, o BCE possui mais de 3,9 biliões de títulos soberanos da Zona Euro, ou seja 30 % da dívida total, que ascende, como já vimos, a 12 biliões €. Os números pormenorizados estão acessíveis no sítio do BCE. O BCE compra títulos soberanos dos países da Zona Euro através de dois programas:
1. o Pandemic Emergency Purchase Programme (PEPP), que poderíamos traduzir por programa compras urgentes para o período pandémico, e
2. o Public Sector Purchase Programme (PSPP), que poderíamos traduzir por programa de compra do sector público.
Alguns exemplos: o BCE detém cerca de 140 mil milhões € da dívida da Bélgica, 730 mil milhões da dívida francesa, 360 mil milhões da dívida espanhola, 675 mil milhões da dívida italiana.
O BCE comprou aos bancos privados os títulos em questão, pois não empresta directamente aos estados membros da Zona Euro. Em contrapartida, os estados reembolsam ao BCE os títulos que este detém.
Desde 2020 numerosos economistas e diversos movimentos sociais pedem a anulação das dívidas detidas pelo BCE; veja-se nomeadamente a tribuna assinada por mais de 150 economistas da Europa, publicada por vários grandes quotidianos em fevereiro de 2021.
A direcção do BCE e os governos europeus rejeitaram esta proposta, pois são favoráveis ao aumento da dívida.
No entanto o BCE pode anular no seu balanço os créditos Créditos Montante de dinheiro que uma pessoa (o credor) tem direito de exigir a outra pessoa (o devedor). que detém sobre os países da Zona Euro. Trata-se de uma operação contabilística que não levanta qualquer problema e que não leva um banco central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). à falência.
Num futuro próximo, os governos e as autoridades europeias vão mudar de discurso. Depois de terem afirmado que os estados podiam aumentar as suas dívidas, vão dizer que é preciso reduzir as despesas, reduzir os investimentos do Estado, aplicar novas medidas estruturais no regime de pensões e da segurança social, restabelecer a regra do controlo do défice, momentaneamente suspensa mas nunca eliminada. Dito de outra forma: o regresso da austeridade, não esquecendo que esta está gravada nos tratados europeus.
Ao longo desta prolongada época de pandemia, vimos como os direitos e liberdades públicas foram suspensos, com o pretexto da luta contra o vírus. A anulação da dívida detida pelo BCE devia ser uma medida de urgência, a bem da saúde pública. Se anulássemos agora a dívida na posse do BCE, reduziríamos de um só golpe a dívida dos estados da Zona Euro em cerca de 30 %. O reembolso da dívida tornar-se-ia menos volumoso e os poderes públicos poderiam aumentar as despesas de saúde, melhorar as ajudas às pessoas mais necessitadas, aumentar as despesas orientadas para o combate contra a crise ecológica e a mudança climática. É essencial que de uma vez por todas os interesses colectivos dos povos da Europa levem a melhor sobre a tirania dos mercados.
Uma vantagem suplementar da anulação das dívidas detidas pelo BCE vem do facto de este perder um instrumento de chantagem sobre os estados para impor a sua agenda neoliberal. De facto, enquanto o BCE se mantiver na posse de grandes créditos sobre os estados da Zona Euro, pode a qualquer instante pressionar os que não forem obedientes à ortodoxia neoliberal, ameaçando-os de não lhes comprar mais dívidas ou de as recusar como garantia, o que iria encarecer o custo dos novos empréstimos. Foi o que o BCE fez com a Grécia em 2015, foi o que começou a fazer com o Governo italiano na primavera de 2019.
Subtrair este meio de chantagem das mãos dos dirigentes do BCE seria uma vitória.
Mas é preciso não esquecer que, mesmo no caso de a luta pela anulação das dívidas detidas pelo BCE não chegar a bom porto, um governo popular pode decidir unilateralmente suspender o reembolso da dívida ao BCE, o que obrigaria o Banco a negociar e a fazer concessões. Isto encorajaria outros governos a fazerem o mesmo. Para isso é indispensável o envolvimento dos cidadãos/ãs, continuando a apoiar e a construir um movimento popular pela auditoria de todas as dívidas como elemento chave para determinar as suas partes ilegítimas, ilegais ou odiosas, a fim de as anular. Este continua a ser um factor estratégico hoje em dia.
A todos e todas quantos dizem que se houvesse uma anulação, os mercados financeiros e os diversos emprestadores privados exigiriam taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. mais altas para continuar a financiar os estados, há que responder que as suas afirmações não encontram qualquer fundamento. Todos os estados que obtiveram uma redução significativa da sua dívida tiveram acesso a empréstimos menos onerosos que antes da anulação. De facto, os emprestadores, face a um país cuja dívida diminuiu acentuadamente, calculam que este se tornou mais solúvel e sentem-se inclinados a dar-lhe crédito.
É claro que a anulação da dívida não é uma panaceia, outras medidas são indispensáveis: a cobrança de impostos muito mais elevados sobre o 1 % mais rico e sobre as grandes empresas, como pedimos desde o início da pandemia; a luta contra a fraude fiscal, com cobrança de multas pesadas aos vigaristas, a suspensão da licença bancária dos bancos que servem de intermediários na evasão fiscal, a eliminação dos paraísos fiscais europeus, a socialização dos sectores chave da economia, etc. O aumento do imposto sobre os mais ricos deve ser combinado com uma redução dos impostos e taxas que esmagam a maioria da população. É preciso reduzir radicalmente o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) cobrado nos produtos e serviços de base, nomeadamente a energia. As taxas sobre produtos de luxo deveriam ser aumentadas.
Fazer frente à crise social que vivemos passa inevitavelmente pela luta contra as desigualdades. É preciso combater as desigualdades crescentes, múltiplas e interligadas, intervindo sobre as realidades que estão na sua origem e são sua expressão, como sejam a política fiscal, a precariedade, a austeridade e o poder das empresas. Em suma, é preciso repor no centro do debate a redistribuição das riquezas e dos recursos, como eixo central de um programa ecossocialista. Porque as nossas vidas valem mais que os lucros deles, ponhamos fim à camisa-de-forças da dívida.
Traduzido por Rui Viana Pereira
docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.
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