Série: 1944-2024, 80 anos de intervenção do Banco Mundial e do FMI, basta!
25 de Novembro de 2024
O Banco Mundial e o FMI fazem 80 anos. São 80 anos de neocolonialismo financeiro e de imposição de políticas de austeridade em nome do reembolso da dívida. 80 anos já bastam! As instituições de Bretton Woods têm de ser abolidas e substituídas por instituições democráticas ao serviço de um rumo ecológico, feminista e anti-racista. Por ocasião destes 80 anos, voltamos a publicar todas as quartas-feiras uma série de artigos que passam a pente fino a história e os danos causados por estas duas instituições.
| Antiga versão: ABC do Banco Mundial |
Aquilo a que chamamos Banco Mundial agrupa outras duas organizações: o BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) e a AID (Associação Internacional de Desenvolvimento). O Banco Mundial é um subconjunto do Grupo Banco Mundial, que engloba três organizações suplementares: a Sociedade Financeira Internacional (SFI), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI ou MIGA, Multilateral Investment Guarantee Agency) e o Centro Internacional para a Resolução de Diferendos relativos a Investimentos (CIRDI). Vejamos o que se esconde por detrás destas siglas.
O BIRD foi criado em junho de 1944 em Bretton Woods, nos Estados Unidos, por iniciativa de 45 países reunidos na Primeira Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas. Em 2024 tinha 189 países membros, sendo Nauru o último a aderir, em abril de 2016. [1] Para ser membro do BIRD, um país tem de ser previamente membro do FMI.
O seu objectivo inicial consistia em fornecer capitais públicos para a reconstrução da Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial, a fim de que esta permanecesse aliada fiel de Washington e oferecesse um mercado de consumo para os produtos das empresas norte-americanas. A seguir dedicou-se ao desenvolvimento dos países do Sul, arvorando o papel de «fonte essencial de apoio financeiro e técnico para o conjunto dos países em desenvolvimento», segundo os seus próprios termos [2]. Um financiamento sujeito a escolhas muito forçadas e bastante discutíveis.
Quatro organismos foram criados no quadro do Grupo Banco Mundial, com as seguintes missões:
– 1956: Sociedade Financeira Internacional (SFI) – financiamento do sector privado nos países do Sul;
– 1960: Associação Internacional de Desenvolvimento (AID) – empréstimos aos países mais pobres;
– 1966: Centro Internacional para a Resolução de Diferendos relativos a Investimentos (CIRDI) – tribunal supranacional onde as empresas privadas podem atacar os Estados quando se consideram lesadas por uma decisão;
– 1988: Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI) – oferece garantias aos investidores privados com interesses nos países do Sul.
A seguir vamos falar do Banco Mundial, que agrupa o BIRD e a AID.
Cada país membro nomeia um governador para o representar, geralmente o ministro das Finanças. Estes representantes constituem o Conselho de Governadores, instância suprema do Banco Mundial, que reúne uma vez por ano (no outono; dois anos em cada três em Washington) e fixa as linhas gerais de orientação [3]. Este conselho tem a seu cargo decisões importantes (admissão de novos países, preparação do orçamento, etc.). Por outro lado, a reunião de primavera em Washington (em comum com o FMI) faz um balanço da acção do Banco Mundial e do FMI.
Para a gestão quotidiana das missões do Banco Mundial, o Conselho de Governadores delega os seus poderes no Conselho de Administradores, composto por 25 membros [4]. Cada um dos 8 países seguintes tem o privilégio de nomear um administrador: EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Arábia Saudita, China e Rússia. Os outros 17 são nomeados por grupos de países com contornos por vezes surpreendentes: um país rico é em geral associado a um grupo de países do Sul. É claro que caberá ao país rico ter assento no Conselho de Administradores e usar o voto em nome de todos os membros do grupo.
O Conselho de Administradores reúne-se em princípio pelo menos três vezes por semana e elege um presidente pelo período de 5 anos. Contrariamente aos princípios democráticos, uma regra tácita determina que esse posto é reservado a um representante dos EUA, escolhido pelo presidente norte-americano. O Conselho de Administradores limita-se a ratificar essa escolha.
A estreita ligação entre o meio dos negócios, o grande capital dos EUA e o Banco Mundial é igualmente perceptível quando nos debruçamos sobre a origem dos 14 cidadãos americanos que se sucederam à cabeça do Banco até aos nossos dias.
Eugene Meyer, o primeiro presidente, apenas ocupou o lugar por 8 meses; foi director do Washington Post; trabalhou no grupo bancário Lazard Frères, onde o pai detinha fortes interesses. O segundo, John McCloy, era um grande advogado de negócios de Wall Street e foi posteriormente nomeado comissário-chefe dos Aliados na Alemanha, e a seguir presidente do Chase Manhattan Bank. O terceiro, Eugene R. Black, era presidente do Chase National Bank e tornou-se depois conselheiro especial do presidente norte-americano Lyndon B. Johnson. O quarto, George D. Woods, também ele banqueiro, foi presidente da First Boston Corporation. Robert S. Namara tinha sido director-executivo da Ford Motor Company, depois secretário de Estado da Defesa nas administrações de Kennedy e Johnson. O seu sucessor, Alden W. Clausen, era presidente do Bank of America (um dos principais bancos norte-americanos, fortemente envolvido na crise da dívida do Terceiro Mundo), que reintegrou depois de sair do Banco Mundial. Em 1986 sucede-lhe Barber Conable, ex-membro republicano do Congresso dos EUA. Em 1991 sucedeu-lhe Lewis T. Preston, antigo presidente da comissão executiva do banco JP Morgan.
De 1995 a 2005, o novo presidente do Banco Mundial foi J. D. Wolfensohn, ex-director do sector bancário de negócios do Salomon Brothers em Nova Iorque. No final da sua presidência, em 2005, entra para a direcção do Citibank-Citigroup, um dos principais bancos a nível mundial. Em março de 2005 sucede-lhe Paul Wolwovitz, antigo número 2 do Pentágono e um dos organizadores da invasão militar do Iraque em março de 2003 por uma coligação dirigida pelos EUA. Obrigado a demitir-se – por ter concedido um aumento de salário substancial à sua companheira –, foi substituído por Robert Zoellick, sucessivamente chefe de gabinete de G. Bush pai, secretário do Comércio Externo, número 2 do Departamento de Estado; além disso trabalhou para o Goldman Sachs, um dos principais actores da crise dos subprimes em julho de 2007. Entre 2012 e 2019, Jim Yong Kim, também ele norte-americano, esteve à cabeça do Banco Mundial, até se demitir para entrar ao serviço de um fundo de investimento privado.
Sucedeu-lhe David Malpass em abril de 2019. Malpass tinha trabalhado para o Tesouro norte-americano e para os Negócios Estrangeiros durante os mandatos de Ronald Reagan e de G. Bush pai, exercendo depois o cargo de economista-chefe do Bear Stearns, um importante banco de negócios … até à falência deste em 2008, consequência directa do papel que desempenhou na formação da bolha especulativa
Bolha especulativa
A bolha económica, bolha financeira ou bolha especulativa forma-se quando o nível dos preços de troca num mercado (mercado de activos financeiros, mercado de câmbios, mercado imobiliário, mercado de matérias-primas, etc.) se estabelece muito acima do valor financeiro intrínseco (ou fundamental) dos bens ou activos trocados. Neste tipo de situação, os preços afastam-se da valorização económica habitual, com base numa crença manifestada pelos compradores.
dos subprimes! Em agosto de 2007, Malpass publicou no Wall Street Journal um artigo de opinião no qual instava os seus leitores a não se inquietarem com o estado dos mercados financeiros, indo ao ponto de escrever que «os mercados do imobiliário e da dívida não representam uma parte significativa da economia dos EUA ou da criação de empregos». Junta-se à equipa de Donald Trump a partir de maio de 2016. É recompensado por este, que o nomeia subsecretário do Tesouro para os Negócios Estrangeiros e a seguir presidente do Banco Mundial.
Em junho de 2023, Ajay Banga, o 14.º presidente do Banco Mundial, iniciou o seu mandato. Ajay Banga nasceu na Índia e tornou-se cidadão norte-americano em 2007, e foi em parte por essa razão que pôde ser eleito para o cargo de presidente. Foi administrador do Citigroup, um dos maiores bancos de investimento americanos, graças às suas actividades na Ásia-Pacífico entre 2005 e 2009, antes de se tornar administrador da Mastercard.
| Quadro 1: Os 14 presidentes do Banco Mundial desde 1946 | |||
|---|---|---|---|
| Nome | Mandato | Antecedentes | |
| Eugene Meyer | jun/1946 - dez/1946 | Banqueiro de negócios na Wall Street, editor Washington Post | |
| John McCloy | mar/1947 - jun/1949 | Director do Chase National Bank (renomeado mais tarde Chase Manhattan) | |
| Eugene Black | jul/1949 - dez/1962 | Vice-presidente do Chase Manhattan Bank | |
| George Woods | jan/1963 - mar/1968 | Presidente do First Boston | |
| Robert McNamara | abr/1968 - jun/1981 | Dirigente da Ford, depois secretário de Estado da Defesa | |
| Alden Clausen | jul/1981- jun/1986 | Presidente do Bank of America | |
| Barber Conable | jul/1986 - ago/1991 | Membro do Congresso e da Comissão Bancária do Congresso | |
| Lewis Preston | set/1991- mai/1995 | Presidente do JP Morgan and Co | |
| James Wolfensohn | jun/1995 - mai/2005 | Banco H Schroder, depois Banco Salomon Brothers, a seguir presidente do James D. Wolfensohn Inc. | |
| Paul Wolfowitz | jun/2005 - jun/2007 | Subsecretário de Estado da Defesa | |
| Robert Zoellick | jul/2007 - jun/2012 | Secretário de Estado adjunto no governo de George W. Bush | |
| Jim Yong Kim | jul/2012 - fev/2019 | Médico, presidente do Dartmouth College; esteve à cabeça do Departamento de VIH/SIDA da OMS; entrou para o fundo de investimento privado Global Infrastructure Partners | |
| David Malpass | fev/2019 - junho de 2023 | Economista-chefe do banco de investimento Banco de investimento Sociedade financeira cuja actividade consiste em efectuar três tipos de operações: aconselhamento (nomeadamente em fusão-aquisição), gestão por conta de emrpesas (aumentos de capital, introdução na Bolsa, emissão de empréstimos obrigacionistas) e investimentos nos mercados. Os bancos de investimento não angariam capitais junto do público, financiam-se emprestando aos bancos ou recorrendo aos mercados financeiros. Bear Stearns subsecretário de Estado do Tesouro dos EUA | |
| Ajay Banga | junho de 2023 - em curso | Antigo diretor executivo do Citigroup, antigo diretor executivo da Mastercard | |
Todos os países membros recebem uma «quota-parte» que determina a influência de que dispõem. Com base nessa quota, é calculado o número de direitos de voto de cada país: uma parte fixa de 250 votos e uma parte proporcional à quota-parte. Contrariamente à Assembleia Geral da ONU, onde cada país tem um só voto (o que não acontece no Conselho de Segurança, onde cinco países detêm o direito de veto), o sistema adoptado estabelece 1 $US = 1 voto. Mas contrariamente ao que sucede com os accionistas de uma empresa, um país não pode decidir aumentar a sua quota-parte para adquirir maior peso. Portanto o sistema está completamente bloqueado.
| Quadro 2: Repartição dos direitos de voto entre os administradores do BIRD, em outubro de 2024 | ||||||
|---|---|---|---|---|---|---|
| País | % | Grupo presidido por | % | Grupo presidido por | % | |
| Estados Unidos | 15,99 | Bélgica | 4,69 | Suécia | 3,22 | |
| Japão | 7,09 | Países Baixos | 4,15 | Argélia | 3,20 | |
| China | 5,92 | Austrália | 4,13 | Suíça | 3,10 | |
| Alemanha | 4,22 | Espanha | 3,69 | Indonésia | 2,84 | |
| França | 3,87 | Índia | 3,66 | Chile | 2,24 | |
| Reino Unido | 3,87 | Canadá | 3,63 | Koweït | 2,22 | |
| Rússia (+ Síria + Bielorrússia) | 3,13 | Itália | 3,52 | Cabo Verde | 1,96 | |
| Arábia Saudita | 2,75 | Brasil | 3,45 | Tanzânia | 1,82 | |
| Nigéria | 1,65 | |||||
Fonte: Banco Mundial [5]
| Quadro 3: Direitos de voto dos administradores do BIRD em 2024, em comparação com a população do país ou grupo | ||
|---|---|---|
| País ou grupo | População estimada em 2023 (em milhões) | Direitos de voto no BIRD em novembro 2024 (%) |
| Grupo presidido pela Índia | 1 624 | 3,66 |
| China | 1 410 | 5,92 |
| Grupo presidido pela Tanzânia | 524 | 1,82 |
| Grupo presidido por Cabo Verde | 364 | 1,96 |
| EUA | 335 | 15,99 |
| Níger, Angola, África do Sul | 321 | 1,65 |
| Rússia (+ Síria + Bielorrússia) | 176 | 3,13 |
| Japão | 125 | 7,09 |
| França | 68 | 3,87 |
| Arábia Saudita | 37 | 2,75 |
Fonte: Banco Mundial; Nações Unidas
O fosso entre o peso demográfico e o poder de influência é flagrante.
Além desta repartição injusta dos direitos de voto, os EUA conseguiram impor que as decisões importantes requeressem uma maioria de 85 % dos votos. Sendo o único país que reúne 15 % dos direitos de voto, na prática isto confere-lhe o direito de veto no que diz respeito a alterações de monta. Os países da União Europeia, que poderiam também eles reunir 15 % dos votos, alinham-se geralmente com Washington. As únicas vezes em que uma coligação de países europeus ameaçou utilizar uma minoria de bloqueio, serviram para defender os seus interesses egoístas. [6] No futuro poderíamos imaginar uma coligação de países do Sul capaz de reunir uma minoria de bloqueio para se opor ao próximo candidato dos EUA à presidência da instituição. Mas até hoje o Tesouro americano tem sido o mestre incontestado a bordo, capaz de bloquear qualquer mudança contrária aos seus interesses. A presença da sede em Washington, a dois passos da Casa Branca, não é fortuita. Ao longo dos anos os reajustamentos de votos permitiram à China ganhar um pouco de influência. Mas embora os EUA tenham aceitado uma redução da sua quota-parte, trataram de a manter acima dos 15 %.
A AID (Associação Internacional de Desenvolvimento) é oficialmente uma simples associação, mas imbricada no BIRD, que a gere. Em 2024, tinha 175 estados membros, dos quais 78 [7] preenchiam as condições necessárias para beneficiarem dos seus créditos Créditos Montante de dinheiro que uma pessoa (o credor) tem direito de exigir a outra pessoa (o devedor). , ou seja, um rendimento anual por habitante inferior a 1 335 $US no exercício de 2025 (este número é actualizado anualmente). Estes países recebem empréstimos a longo prazo (geralmente entre 30 e 40 anos, com um período de graça de 5 a 10 anos) e a baixas taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. . Os montantes provêm dos países mais ricos, que reconstituem os fundos da AID a cada 3 anos, assim como dos ganhos que o BIRD obtém dos reembolsos efectuados pelos países com rendimentos intermédios.
Os outros países do Sul recebem empréstimos com taxas de juro próximas das praticadas no mercado pelo BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento), que tem o cuidado de escolher projectos rentáveis, à imagem dos bancos clássicos. O Banco Mundial angaria no mercado financeiro Mercado financeiro Mercado de capitais a longo prazo. Inclui um mercado primário (o das emissões) e um mercado secundário (o da revenda). A par dos mercados regulamentados encontramos mercados fora da bolsa, onde não existe a obrigação de satisfazer regras e condições mínimas. os fundos necessários aos empréstimos. A sua solidez, garantida pelos países ricos, que são seus principais accionistas, permite-lhe encontrar fundos a taxas vantajosas. O BIRD empresta-os a seguir aos países membros, que o reembolsam num período de 15 a 20 anos.
Esta posição privilegiada permite ao BIRD arrecadar uma margem para o seu funcionamento administrativo e até registar resultados de exploração largamente positivos: entre 1,144 mil milhões e 3,990 mil milhões de $US por ano no período de 2021-2024. Dos 91,4 mil milhões $US desembolsados pelo Banco Mundial em 2015, 25,5 vieram do BIRD [8].
À medida que o endividamento foi crescendo, o Banco Mundial, combinado com o FMI, desenvolveu as suas intervenções numa perspectiva macroeconómica e impôs cada vez mais a aplicação de políticas de ajustamento estrutural, não se coibindo de «aconselhar» os países submetidos à terapêutica do FMI e participando directamente no financiamento dessas reformas, graças a empréstimos com fins específicos.
Existem vários bancos regionais: o Banco Africano de Desenvolvimento (BAfD), o Banco Asiático de Desenvolvimento (BAsD) [9], o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Europeu de Investimento (BEI). Estes bancos não constituem uma alternativa ao Banco Mundial, pois estão quase perfeitamente alinhados com as suas orientações. Deles fazemos um balanço igualmente negativo.
Os países do Norte têm uma forte participação no seu capital (e portanto nas suas decisões). No que diz respeito ao Banco Africano de Desenvolvimento (BAfD), os 54 membros regionais representam 58,63 % do capital, os 27 países não regionais 41,37 % (6,53 % para os EUA, 5,45 % para o Japão, 1,28 % para a China; e no que respeita às antigas potências coloniais europeias: 4,13 % para a Alemanha, 3,70 % para a França, 2,40 % para a Itália, 1,88 % para o Reino Unido, 1,07 % para a Espanha, 0,65 % para a Bélgica, 0,24 % para Portugal).
No Banco Asiático de Desenvolvimento (BAsD), os 41 países membros regionais mutuantes possuem 33,17 % do capital (6,43 % para a China), os 8 países membros regionais não devedores representam 30,22 % (15,57 % para o Japão, 5,77 % para a Austrália, 5,03 % para a Coreia do Sul, etc.), os 19 países não regionais 36,61 % (15,57 % para os EUA, 4,32 % para a Alemanha, etc.).
No Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cuja sede se situa em Washington, os 26 países membros possuem 50,01 % do capital, os 2 países membros regionais não mutuários (EUA e Canadá) possuem 34,01 %, dos quais 30,01 % para os EUA. Os países extra-regionais e não devedores representam 15,98 %, dos quais 5,20 % para o Japão e 1,96 % para a Espanha. [Números datados de 31 de dezembro de 2023 para os três bancos, constantes nos respectivos relatórios anuais]
A par do Banco Mundial, existem outras instituições nacionais ou internacionais de desenvolvimento. Entram em concorrência em certos casos com o grupo do Banco Mundial, com o FMI e com os credores bilaterais reunidos no Clube de Paris.
O NDB concedeu os seus primeiros créditos a partir de finais de 2016. Os cinco países fundadores possuem quotas iguais do capital do Banco e nenhum tem o direito de veto. O NDB, além dos 5 países fundadores, conta presentemente com os membros Bangladeche, Emirados Árabes Unidos e Egipto. Em 2024 o Uruguai estava em vias de efectivar a sua participação. É possível que venham a juntar-se outros países, entre os quais a Argélia. O NDB tem um capital de 50 mil milhões de dólares que deveriam no futuro elevar-se a 100 mil milhões de dólares. A presidência do NDB é rotativa e todos os países têm o direito a presidir. Dilma Rousseff, actual presidente, é brasileira. O Novo Banco de Desenvolvimento propalou que se dedica principalmente ao financiamento de projectos de infraestruturas, incluindo sistemas de distribuição de água e sistemas de produção de energias renováveis. Insiste no carácter «verde» dos projectos que financia, embora isto seja muito discutível.
Na categoria dos bancos nacionais que concedem créditos ao estrangeiro e que podem entrar em concorrência com o grupo do Banco Mundial, o FMI e o Clube de Paris, podemos citar o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) do Brasil, ou o Banco de Desenvolvimento da China (China Development Bank, CDB). A sua influência é considerável, pois hoje em dia emprestam mais do que o Banco Mundial. Entre 2005 e 2013, o CDB emprestou mais de 78 mil milhões de $US, só para os países da América Latina. Em 2017, o total dos créditos do BNDES ascendeu a 175 mil milhões de dólares [10].
A China empresta por intermédio de diversas instituições públicas: os bancos públicos estratégicos (China Development Bank e China Eximbank), utilizando cada vez mais o Banco Central Banco central Estabelecimento que, num Estado, tem a seu cargo em geral a emissão de papel-moeda e o controlo do volume de dinheiro e de crédito. Em Portugal, como em vários outros países da zona euro, é o banco central que assume esse papel, sob controlo do Banco Central Europeu (BCE). (People’s Bank of China) e os bancos comerciais do Estado (por exemplo, o Banco Industrial e Comercial da China, o Banco da China e o Banco de Construção da China). O montante total desses empréstimos ascende, segundo a AidData, a 1 340 mil milhões de $US num período de 22 anos a partir de 2000 [11]. Isto faz da China o maior emprestador público dos países do Sul [12]. Os empréstimos da China são mais volumosos que os empréstimos conjuntos do FMI, do Banco Mundial e do Clube de Paris.
É importante auditar tanto os créditos dos mutuantes públicos tradicionais (Banco Mundial, FMI, Clube de Paris, BAfD, BAsD, BID, etc.), como os dos recém-chegados, sejam eles chineses, o BNDES ou o Novo Banco de Desenvolvimento. Uma primeira análise indica que os projectos que estes diversos mutuantes financiam não são muito diferentes, no fundamental. Os recém-chegados, tal como os antigos mutuantes, privilegiam os investimentos de matérias-primas, a produção e distribuição de energia, as infraestruturas de comunicação, enfim os projectos que favorecem o sector exportador-importador e apoiam em geral os condicionalismos impostos pelo FMI e o Banco Mundial, em parceria com o Clube de Paris.
Estes diversos mutuantes públicos também entram em parcerias público-privadas que favorecem os interesses das grandes empresas privadas, em detrimento do interesse público.
Por fim, a auditoria das dívidas reclamadas pelos emprestadores privados também é essencial.
As filiais do Banco Mundial – a Sociedade Financeira Internacional (SFI), a Agência Multilateral de Garantia dos Investimentos (AMGI) e o Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos (CIRDI) – foram concebidos para tecer uma malha cada vez mais apertada.
Vejamos um exemplo teórico ilustrativo dos efeitos das suas políticas. O Banco Mundial concede um empréstimo ao governo de um país, na condição de ele privatizar o seu sistema de distribuição e tratamento de água. A empresa pública é então vendida a um consórcio privado do qual faz parte a SFI, filial do Banco Mundial. A população afectada pela privatização protesta então contra o forte aumento das tarifas e a degradação da qualidade do serviço fornecido e o governo vira-se contra a empresa multinacional predadora. O litígio é mediado pelo CIRDI, que é ao mesmo tempo juiz e parte interessada.
Chegamos a uma situação em que o grupo do Banco Mundial está presente a todos os níveis: impõe e financia a privatização por via do BIRD e do IDA; investe na empresa privatizada por via da SFI; fornece à empresa garantias sobre os riscos políticos, graças aos bons ofícios da sua Agência Multilateral de Garantia dos Investimentos; e julga, por via do CIRDI, os litígios que possam surgir. Foi exactamente o que se passou em El Alto, na Bolívia, entre 1997 e 2005 (ver quadro «O exemplo de El Alto, na Bolívia»).
| O exemplo de El Alto, na Bolívia Em 13 de janeiro de 2005, após três dias de mobilizações dos habitantes de El Alto, o presidente boliviano prometeu à população pôr fim à concessão de 30 anos concedida à transnacional Suez. O que é que provocou o levantamento popular em El Alto em janeiro de 2005? Em 24 de janeiro de 1997, pressionadas pelo Banco Mundial e pelo FMI, as autoridades bolivianas concederam à empresa Aguas del Illimani-Suez uma concessão por 30 anos para a distribuição de água potável e o tratamento de águas residuais no município de El Alto e na capital, La Paz. A Aguas del Illimani era controlada pela empresa Suez, que domina o comércio mundial de águas, juntamente com Vivendi (França) e Thames (Reino Unido). A concessão foi feita de maneira fraudulenta, sem respeitar as regras normais dos concursos públicos. A abertura de candidaturas foi lançada com base num estudo realizado pelo banco francês BNO Paribas. Só uma empresa se candidatou: Aguas del Illimani-Lyonnaise des eaux (Suez). Em vez de abrir um novo concurso para receber outras propostas, o contrato foi precipitadamente assinado. Esta concessão a uma multinacional resultou da privatização da empresa pública municipal Samapa, imposta pelo Banco Mundial, o FMI e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aquando da renegociação da dívida boliviana em 1996. O Banco Mundial estava igualmente interessado na operação: detém 8 % das acções da Aguas Illimani, por intermédio do seu veículo de investimento privado Sociedade Financeira Internacional (SFI). A Lyonnaise des eaux-Suez detém 55 % das acções. A Suez privou 200 000 habitantes da água de El Alto Embora a Aguas del Illimani afirmasse que toda a população de El Alto tinha acesso a água potável, a realidade era outra. 70 000 pessoas viviam em casas que não estavam ligadas à rede de distribuição de água, porque os preços da ligação eram exorbitantes. Custa o montante astronómico de 44 dólares, ou seja 8 meses de salário mínimo. Além disso, 130 000 pessoas que vivem no território da concessão da Aguas del Illimani encontravam-se fora da zona de fornecimento da multinacional. Investimentos insuficientes na manutenção e melhoramento das instalações Segundo o contrato assinado em 1997, a Aguas del Illimani devia assegurar a manutenção e melhoria das canalizações das águas residuais. Na realidade, os investimentos realizados para esse efeito foram muito insuficientes. Entre 1997 e 2004, a Aguas del Illimani apenas aplicou 55 milhões de dólares, provenientes sobretudo de empréstimos do Banco (SFI) e do BID ou de donativos governamentais a título de ajuda pública ao desenvolvimento. Foi o caso de donativos da Suíça para assegurar o acesso dos pobres a água potável. Da falta de investimento resultaram bolsas de contaminação em certos bairros, com distribuição de água insalubre. Aumento das tarifas No início do contrato, em 1997, as tarifas da água aumentaram 19 %. Além disso o custo da ligação aumentou 33 %. Embora a lei boliviana proíba a dolarização das tarifas (lei 2066 de 11 de avril de 2000, art. 8), a Aguas del Illimani indexou-as ao dólar. Roubar os pobres e o público Com estas tarifas exorbitantes, a Suez amortizou os seus débeis investimentos e embolsou uma taxa de lucro Lucro Resultado contabilístico líquido resultante da actividade duma sociedade. O lucro líquido representa o lucro após impostos. O lucro redistribuído é a parte do lucro que é distribuída pelos accionistas (dividendos). de 13 %. Não satisfeita com isto, conseguiu, graças ao artigo 26 do contrato de garantia, que, em caso de não renovação da concessão em 2027, os poderes públicos fossem obrigados a restituir-lhe o montante de todos os investimentos realizados. Ainda por cima, embora a Suez se tivesse comprometido a investir 8 milhões de dólares por ano na empresa municipal Samapa, esta afirmou não ter recebido mais de 3,5 milhões de dólares por ano. O Banco Mundial: juiz e parte interessada Por todas estas razões, os habitantes de El Alto vieram para a rua em massa durante três dias, para exigirem a saída da Aguas del Illimani-Suez e o regresso à distribuição de água pelo sector público. A Suez anunciou, após o decreto do presidente boliviano, que iria apresentar queixa no CIRDI, um dos cinco ramos do grupo do Banco Mundial. |
O autor agradece a Claude Quémar e Maxime Perriot a sua investigação de dados e a releitura
Tradução: Rui Viana Pereira
[1] Ver https://www.banquemondiale.org/fr/about/leadership (consultado em 13/11/2024).
[2] Ver www.banquemondiale.org (consultado em 13/11/2024).
[3] https://www.banquemondiale.org/fr/about/leadership/governors (consulté le 13/11/2024).
[4] Banco Mundial, «Boards of Directors», https://www.worldbank.org/en/about/leadership/directors, consultado em 13/11/2024.
[5] World Bank, https://thedocs.worldbank.org/en/doc/1da86cb968275b94ab30b3d454882208-0330032021/original/IBRDEDsVotingTable.pdf consultado em 13/11/2024
[6] Ver por exemplo a ameaça de coligação entre a Bélgica, os Países Baixos, a Suíça e a Noruega, em junho/2005, «Le CADTM s’inquiète de la manœuvre contre l’effacement de la dette initiée par quatre “petits” pays riches au FMI» e «IMF threat on G8 proposal of debt cancellation»
[7] Fonte: Banco Mundial, «Pays emprunteurs de l’IDA | À propos | Association internationale de développement», https://ida.banquemondiale.org/fr/about/emprunteurs-de-lida, consultado em 30/10/2024.
[8] Veja-se o relatório anual de 2024, https://www.banquemondiale.org/fr/about/annual-report/fiscal-year-data .
[9] O Banco Africano de Desenvolvimento e o Banco Asiático de Desenvolvimento têm o mesmo acrónimo, BAD. Para os distinguir, utilizamos os acrónimos BAfD e BAsD.
[10] Strengthening the Foundations? Alternative Institutions for Finance and Development - Kring - 2019 - Development and Change - Wiley Online Library https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/dech.12464, consulté le 31/10/2024.
[11] AidData, «Belt and Road Reboot: Beijing’s Bid to De-Risk Its Global Infrastructure Initiative», novembro/2023, https://www.aiddata.org/publications/belt-and-road-reboot, consultado em 31/10/2024.
[12] Éric Toussaint, «Perguntas e respostas sobre a China como potência credora de primeira ordem», publicado a 29/10/2024, https://www.cadtm.org/Perguntas-e-respostas-sobre-a-China-como-potencia-credora-de-primeira-ordem, consultado a 31/10/2024.