Série: 1944-2020, 76 anos de intervenção do Banco Mundial e do FMI (Parte 6)

SUNFED versus Banco Mundial

12 de Março de 2020 por Eric Toussaint


Em 2020, o Banco Mundial (BM) e o FMI fazem 76 anos. Estas instituições financeiras internacionais (IFI), criadas em 1944 e dominadas pelos EUA e seus aliados, agem sistematicamente contra os interesses dos povos, concedendo empréstimos aos estados com o fim de influir nas suas políticas. O endividamento externo foi e continua a ser utilizado como instrumento de submissão dos devedores.

Desde a sua criação, o FMI e o BM violaram pactos internacionais relativos a direitos humanos e nunca hesitaram, nem hesitam, em apoiar ditaduras.

É urgente fazer uma nova forma e descolonização, para sair do impasse em que as IFI e seus principais accionistas encurralaram o mundo. É preciso construir novas instituições internacionais.

Publicamos aqui uma série de artigos de Éric Toussaint, que descreve a evolução do Banco Mundial e do FMI desde a sua criação. Estes artigos foram extraídos do livro Banco Mundial. o Golpe de Estado Permanente, que pode ser consultado gratuitamente em francês, em castelhano ou em inglês.


  1. ABC do Banco Mundial
  2. ABC do Fundo Monetário Internacional (FMI) 
  3. As origens das instituições de Bretton Woods
  4. O Banco mundial ao serviço dos poderosos num clima de caça às bruxas
  5. Os conflitos entre a ONU e a dupla Banco Mundial/FMI desde as origens até aos anos setenta
  6. SUNFED versus Banco Mundial
  7. Porquê o Plano Marshall?
  8. Porque não é reproduzível a anulação da dívida alemã de 1953 no caso da Grécia e dos países em desenvolvimento?
  9. A Supremacia dos Estados Unidos no Banco Mundial
  10. Banco Mundial/FMI : o apoio às ditaduras
  11. O Banco Mundial e as Filipinas
  12. O apoio do Banco Mundial à ditadura turca (1980-1983)
  13. O Banco Mundial e o FMI na Indonésia: Uma intervenção emblemática
  14. As mentiras teóricas do Banco Mundial
  15. Coreia do Sul e o milagre desvendado
  16. A armadilha do endividamento
  17. O Banco Mundial apercebe-se da chegada da crise da dívida externa
  18. A crise da dívida mexicana e o Banco Mundial
  19. O Banco Mundial e o FMI: As agências financeiras dos credores
  20. Os presidentes Barber Conable e Lewis Preston (1986-1995)
  21. A operação de sedução de James Wolfensohn (1995-2005)
  22. A Comissão Meltzer sobre as Instituições Financeiras Internacionais no Congresso dos Estados Unidos em 2000
  23. As contas do Banco Mundial
  24. De Paul Wolfowitz (2005-2007) a David Malpass (2020): os homens de mão do presidente dos EUA continuam à frente do Banco Mundial
  25. O FMI e o Banco Mundial em tempos de coronavírus: vira o disco e toca o mesmo
  26. O golpe de Estado permanente do Banco Mundial
  27. O Banco Mundial, o FMI e os direitos humanos

Desde o início das atividades do Banco Mundial, os governos dos países em desenvolvimento, a começar pelos países da América Latina e, logo de seguida, pela Índia, criticam o facto de não existirem, para eles, facilidades equivalentes às do Plano Marshall, que se limita à Europa. Com efeito, os empréstimos do Banco foram concedidos a taxas de juro Juro Quantia paga em retribuição de um investimento ou um empréstimo. O juro é calculado em função do montante do capital investido ou emprestado, da duração da operação e de uma taxa acordada. de mercado, enquanto a ajuda do Plano Marshall é, sobretudo, concedida sob a forma de donativo. Uma parte mais pequena da ajuda do Plano Marshall consiste em empréstimos concedidos sem juros ou a uma taxa de juro inferior às de mercado.

Desde 1949, um economista indiano propõe a criação de uma nova organização internacional no âmbito da ONU. Pretende designá-la “Administração das Nações Unidas para o Desenvolvimento Económico”. Alguns anos mais tarde, a ideia surge, de novo, no seio da ECOSOC: o SUNFED (Special United Nations Fund for Economic Development) é então formado. De 1950 a 1960, diversos países do Terceiro Mundo, assim como a URSS e a Jugoslávia, fazem, de forma sistemática, campanha na ONU no sentido de criarem o SUNFED e depois de o reforçarem. Os governos dos Estados Unidos e de outras grandes potências industriais não querem ouvir falar de um fundo especial controlado pela ONU e separado do Banco Mundial

Entre as razões que levam os PED a exigirem a formação de uma agência especializada da ONU, para financiar o seu desenvolvimento, encontra-se a questão do direito de voto. Querem uma agência da ONU de modo a assegurar a aplicação da regra “um país, um voto”, em oposição à regra de tipo censitário aplicada pelo Banco. É pela mesma razão, mas no sentido inverso, que os Estados Unidos e outras potências se opõem frontalmente a essa proposta: os poucos países ricos querem evitar serem postos em minoria.

Segundo os historiadores oficiais do Banco, Mason e Asher, e mais tarde Catherine Gwin, os Estados Unidos lançam, em 1954, uma primeira contraproposta, implementada desde 1956 pelo Banco através da criação da Sociedade Financeira Internacional (SFI), destinada a conceder empréstimos às empresas privadas dos PED [1]. A criação da SFI não resolve o contencioso e a campanha dos PED, a favor do SUNFED, ganha dimensão: em 1958, esse Fundo Especial das Nações Unidas está preparado para financiar os pré-investimentos nos PED.

Infelizmente, surgem, de imediato, divisões no lado dos países do Terceiro Mundo. A Índia, que no início apoiava o SUNFED, muda de lado e torna-se favorável à segunda contraproposta dos Estados-Unidos. A proposta consiste na criação de uma Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), ligada ao Banco Mundial, como alternativa ao SUNFED [2]. O lobby indiano, pró-Washington, é persuadido de que a Índia terá vantagens com a AID, porque as grandes potências, que dominam as instituições de Bretton Woods, compreenderão a necessidade de privilegiar a Índia, devido à posição estratégica que ocupa. E a Índia avalia bem: desde o primeiro ano de existência da AID, recebe 50 % dos empréstimos.

O governo dos Estados Unidos, ao propor a Fundação da AID, pretende matar dois coelhos com um cajadada: por um lado, impedir as Nações Unidas de continuarem a reforçar o SUNFED e de responderem, assim, às necessidades dos PED; por outro lado, encontrar um meio de utilizar as reservas em moeda dos PED, que o Tesouro dos Estados Unidos tinha acumulado desde 1954, devido à venda dos seus excedentes agrícolas no contexto da lei 480 [3]. Diversos autores concordam que foi o senador Mike Monroney, de Oklahoma, a lançar a ideia em primeiro lugar: submete uma resolução ao Senado, propondo implementar a AID em cooperação com o Banco, e propõe que as reservas não convertíveis sejam alocadas a esta agência para conceder empréstimos a longo prazo e com baixas taxas de juro, reembolsáveis em moeda local. Um dos objetivos é conceder empréstimos a países pobres para que possam comprar excedentes agrícolas norte-americanos [4]. O presidente do Banco, Eugène Black, declarará mais tarde: “Na realidade, a AID foi uma ideia concebida para contrariar às aspirações de um SUNFED” [5]. Vale a pena citar aqui Mason e Asher, que afirmam: “Enquanto organização internacional, filiada do Banco Mundial, a AID é uma ficção sofisticada. Denominada “associação” e dotada de estatutos, de funcionários, de membros de governo em abundância e de todas as características exteriores de outras agências internacionais, ela é apenas, no momento, um fundo administrado pelo Banco Mundial” [6].

Os Estados Unidos contribuem inicialmente com 42% dos fundos da AID, o que lhes assegura também a predominância.

Paralelamente à criação da AID, o CAD (Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE) é constituído em Paris. Trata-se da estrutura que “coordena” a ajuda ao desenvolvimento bilateral dos Estados industrializados. O SUNFED é, então, definitivamente enterrado. Os Estados Unidos impuseram as instituições que tinham a certeza de controlar.

Financiamento da AID

A AID não contrai empréstimos nos mercados financeiros. O dinheiro que empresta provém de doações feitas regularmente pelos países membro (principalmente os países industrializados mais ricos, aos quais se acrescenta a OPEP desde os anos setenta) e dos reembolsos que recebe.

De quatro em quatro anos, os países contribuintes reajustam o montante que compõe o fundo comum: são negociações duras. É, sobretudo, ocasião para grandes debates no Congresso dos Estados Unidos, porque é quem decide a quantia concedida. Realizam-se intensas negociações entre o Congresso, o governo de Washington e a presidência norte-americana do Banco Mundial/AID. No entanto, os montantes em jogo são muito modestos. O interesse do negócio é garantir que o dinheiro emprestado pela AID regresse aos doadores sob a forma de compras (ajuda vinculada) [7].


Tradução: Maria da Liberdade


Notas

[1Mason, Edward S. et Asher, Robert E. 1973, pp.384-385 ; Gwin, Catherine. in Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. p.206 ; Van de Laar, Aart. 1980. p.57.

[2Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1, p. 1127.

[3Van de Laar, Aart. 1980. p.57; Gwin, Catherine , in Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. p.206 ; Mason, Edward S. e Asher, Robert E. 1973, pp. 386-387.

[4Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1, p. 1128

[5Mason e Asher, p.386.

[6Mason e Asher, pp.380-381.

[7Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1, p. 1149.

Eric Toussaint

docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional.
É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011.
Coordenou o trabalho da Comissão para a Verdade sobre a dívida pública, criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015.

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